Depois de dois anos letivos em pandemia, com os contactos sociais muito limitados, é preciso combater o isolamento e reaprender a viver em comunidade
POR PATRÍCIA DIAS

Numa tarde quente de agosto, desfrutava de um pôr do sol na praia, com sabor a final da férias, com a minha família. Eu e o meu marido, sentados partilhando a mesma toalha e reconfortados pelo quentinho das sweatshirts, observámos os nossos filhos. Viviam aquele momento de formas completamente distintas.

A menina de 13 anos ensaiava várias poses, caras e bocas, perseguindo a foto perfeita com as cores do pôr do sol como pano de fundo, para publicar no Instagram. O rapaz de 10 anos travava uma batalha infindável com uma bola, que teimava em rebolar, obrigando-o a mergulhar consecutivamente para a areia fofinha.

A minha filha tinha preferido afastar-se a continuar o jogo inglório com o irmão, e estava agora ocupada, após já ter editado várias fotografias, a enviá-las pelo WhatsApp a algumas amigas, recolhendo opiniões sobre qual seria a mais digna de ter a honra de ser publicada no Instagram. Aparentemente sozinha, estava acompanhada por amigas dispersas no espaço, alheia ao vento que se levantou e que fazia o rebentar das ondas soar mais forte, às pessoas que arrumavam as suas coisas, e às gaivotas que começavam a tomar conta da praia.

Já o meu filho, canalizava a contrariedade de ter sido abandonado pela irmã, preterido pelo Instagram, para o contínuo pontapear furioso da bola, perseguindo-a pelo areal, desfrutando da brisa marítima no cabelo, do cheiro a maresia, e divertindo-se a tentar acertar nas gaivotas que chegavam.

Dei por mim a refletir sobre qual dos dois estava a aproveitar melhor aquele momento. Ela tinha-o imortalizado numa foto (aliás, em várias!), ao passo que se tornará provavelmente uma memória distante para ela. Ele desfrutava do momento com todos os sentidos, ao passo que ela, de tanto focar o olhar num ecrã diminuto, estava a perder o barulho do mar, o embalo das ondas, o voo das gaivotas, a areia fofa sob os pés. Senti uma ponta de tristeza no coração, e percebi que era por eles não estarem juntos. Estavam cada um no seu mundo, ela digital, ele físico. Indiferentes um ao outro, entregues ao individualismo, seduzidos pelo prazer de cada um fazer o que quer e quando quer, não entendendo que o preço a pagar por isso é a solidão.

Lancei ao meu marido um olhar de desafio, que ele captou de imediato, como faz quase sempre, e passámos ao ataque. Enquanto eu enfiei uma mão-cheia de areia molhada pelos calções do nosso filho adentro, ele tomou a nossa filha de assalto e carregou-a até ao mar, lançando-a, sob audíveis protestos, numa onda bem fria, tendo tido o cuidado de se assegurar que o smartphone havia ficado em terra. A tarde acabou com uma família a bater o dente de frio, enrolada em toalhas para não molhar os assentos do carro, que não conseguia conter os sorrisos no regresso a casa, entre ameaças de vingança da nossa prole.

Não é fácil tirar as crianças e adolescentes dos seus mundos. E estes mundos individuais são ricos de imaginação e fantasia, e muito importantes para o seu desenvolvimento. Mas depois de dois anos letivos em pandemia, com os contactos sociais muito limitados, é preciso combater o isolamento e reaprender a viver em comunidade. É necessário cultivar a empatia, descobrir o prazer de gostar tanto do eu como do outro. A escola desempenha, todos os dias, este papel que eu e o meu marido desempenhámos na praia. Todos os dias, a escola convida as crianças e os jovens a viver em comunidade, e lhes ensina competências fundamentais de relacionamento com o outro. No início deste novo ano letivo, é fundamental dar prioridade às dimensões social, emocional, afetiva e cívica da educação, para que as escolas sejam, mais do que nunca, locais de encontro e convívio, comunidades vivas e saudáveis. Para que as crianças e jovens saiam dos seus mundos, e se encontrem no mesmo mundo.

Artigo “O regresso às aulas como convite a partilharmos o mesmo mundo”, republicado com permissão. © www.pontosj.pt .Todos os direitos reservados

É Professora Auxiliar da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. A sua investigação aborda o impacto das tecnologias digitais em vários aspectos da vida quotidiana.