Em termos de conhecimento científico, Descartes viveu numa época de desconhecimento absoluto em relação às tecnologias modernas, tais como microscópios ou telescópios, que nos permitiram ver e compreender o mundo de formas que não eram possíveis no seu tempo. Importa ainda sublinhar que Princípios da Filosofia foi escrito duzentos anos antes de A Origem das Espécies
POR PEDRO COTRIM

O livro Princípios da Filosofia foi editado em latim em 1644; três anos volvidos foi a obra traduzida para francês. Descartes consagra quatro graus de sabedoria e um nível de sabedoria filosófica. Constituem a realização do seu projecto de uma enciclopédia do conhecimento e é um texto obrigatório em qualquer biblioteca.

São palavras com 400 anos. Não se perderam e é sempre impressionante o acesso ao que pensaram os que viveram muito antes de nós. Temos, a propósito do que trata este texto, o princípio número 44:

«Nunca poderemos julgar mais do que não compreendemos claramente; ainda quando o nosso juízo possa ser verdadeiro, é muitas vezes a nossa memória que nos engana. Outra certeza é de que todas as vezes que aprovamos alguma razão de que não temos conhecimento muito exacto, enganamo-nos; se não nos enganarmos, e se, por mero acaso, nos deparamos com a verdade, não podemos estar seguros de a ter encontrado»

Precisamente em 1644, iniciou-se na China a Dinastia Qing, a última dinastia imperial da Grande China. Sucedeu-se a República Popular da China em 1912, que conheceu a sua Revolução Cultural em cinquenta anos depois. E durante muitos anos pouco se soube sobre a China.

Narram-se brevemente estes acontecimentos porque estudos recentes indicam que a opinião europeia sobre a China é negativa. Em Inglaterra, em França e na Alemanha, os jovens entre os 18 e os 29 anos têm poucas coisas positivas a dizer sobre os Estados Unidos ou a China como grandes jogadores no palco mundial. Os Estados Unidos são vistos como os «polícia do mundo», com uma história de intervencionismo que desilude os aliados ocidentais, enquanto a China é rotulada como a «fábrica do mundo», respeitada pelo seu domínio económico mas fortemente criticada pelo seu expansionismo e registo de violações dos direitos humanos.

Obviamente que em 1644, os EUA ainda estavam a 130 anos de distância. Descartes nada poderia saber, mas aventurou-se a estas elucubrações sobre o «outro».

Neste estudo do Pew Research Center, no grupo dos jovens de esquerda com mais preocupações internacionais, enfatiza-se o dever moral de se envolverem no estrangeiro. Mesmo assim, existe uma grande dúvida sobre se podem confiar no governo para se envolverem pelas razões certas. No grupo dos jovens de direita com interesses internacionais, vê-se o desenvolvimento do seu próprio país entrelaçado com os restantes. Também se vê a cooperação internacional como favorecendo os interesses económicos e de segurança do seu país. Mas quando ambos os grupos foram convidados a discutir os papéis que os EUA e a China desempenham nos assuntos globais e o impacto internacional das suas acções, os participantes expressaram fortes críticas a ambas as grandes potências, independentemente do país ou grupo ideológico.

A China tem recebido classificações cada vez mais negativas nas pesquisas do Pew Research Center na Europa ao longo dos últimos anos. Tenta-se perceber as profundas preocupações que os jovens têm sobre a actuação de Pequim em matéria de direitos humanos, o crescente poder económico da China e as suas políticas na Formosa e em Hong Kong, assim como noutros locais. Os participantes dos grupos são muito pessimistas sobre as relações futuras com a China. Mas há também um forte sentido de pragmatismo entre estes jovens adultos que se resignaram largamente ao poder económico da China e vêem poucas formas de desenredar as relações com o gigante asiático sem aas suas próprias economias entrarem em colapso. 

A imagem dos EUA na Europa, pelo contrário, melhorou consideravelmente nos últimos anos, na sequência da eleição do Presidente Joe Biden. É genericamente muito mais popular do que o seu antecessor, Donald Trump, e a abordagem mais multilateralista da política externa de Biden é bem-vinda pela maioria dos europeus. Em várias perguntas que se têm colocado na Europa ao longo do tempo, sobre s sobre direitos humanos e qual o país que deveria ser a principal potência mundial, os EUA recebem apreciações significativamente mais elevadas do que a China.

As opiniões dos jovens sobre o mundo também são diversas e podem variar dependendo do seu contexto cultural, social, económico e político. Há, contudo, um tema comum: os jovens estão preocupados com o futuro do planeta e são apaixonados por questões ambientais. Sentem frequentemente um sentimento de urgência para enfrentar as mudanças climáticas e proteger o mundo natural para as gerações futuras.

Os jovens estão também frequentemente empenhados em questões de justiça social e igualdade. São frequentemente defensores «que dão a cara» sobre os direitos dos grupos marginalizados e estão empenhados em promover a inclusão e a diversidade. Muitos estão preocupados com o estado da economia e do mercado de trabalho. Sentem frequentemente que as suas perspectivas económicas futuras são incertas e que podem não ter as mesmas oportunidades que as gerações anteriores. Estas questões nunca passaram pela cabeça de Descartes. 

No entanto, em termos de conhecimento científico, Descartes viveu numa época de desconhecimento absoluto em relação às tecnologias modernas, tais como microscópios ou telescópios, que nos permitiram ver e compreender o mundo de formas que não eram possíveis no seu tempo. Importa ainda sublinhar que Princípios da Filosofia foi escrito duzentos anos antes de A Origem das Espécies, de Darwin; e muito antes de se conhecerem teorias da relatividade e da mecânica quântica, que transformaram fundamentalmente a nossa compreensão do mundo natural.

No princípio número 26, Descartes assegura que nunca nos embaraçaremos com disputas sobre o infinito, pois seria ridículo que nós, finitos, tentássemos determinar-lhe alguma coisa e que por esse meio o supuséssemos finito.

O outro não é o finito, os outros não estão fora do alcance. Quanto mais soubermos, mais saberemos de nós. «Os números e os universais dependem do nosso pensamento». Princípio 58. No VER recomendamos a leitura dos 76.