O nome traduzia as expectativas que dela se tinham. A “Cimeira de Acção do Clima”, que inaugurou a 74ª assembleia Geral das Nações Unidas, devia servir para se apresentarem planos e medidas de acção concretas para o combate à ameaça climática e não para ser palco de discursos vazios e promessas sem força. Assim deliberou o secretário-geral, António Guterres, colocando apenas na lista de oradores aqueles que teriam algo consistente para dizer. Mas, e apesar de alguns pontos positivos, o clima foi de arrefecimento ou de mornos compromissos. O VER conta o essencial de mais uma tentativa de abanar os senhores do mundo
POR HELENA OLIVEIRA

“Esta devia ter sido uma cimeira de planos de acção e não de lugares-comuns”, afirmou António Guterres no final da cimeira climática que iniciou os trabalhos da 74ª Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque. Mas e no que toca às alterações climáticas, o lugar-comum parece ser sempre o mesmo. Muitos discursos, muitos silêncios, muitas promessas vazias e muito pouca acção.

No discurso inaugural da Cimeira de Acção do Clima, o secretário-geral da ONU tinha deixado claro que esta reunião deveria oferecer um ponto de viragem no que respeita à contínua inércia demonstrada pelos líderes mundiais, tendo por isso pedido medidas concretas para acelerar a redução das emissões de gases com efeitos de estufa – Guterres desejava uma diminuição das emissões de 45% até 2030 – e convidando a subir ao palco apenas aqueles que as apresentassem. Como se sabe, os Estados Unidos ficaram de fora – Trump deu um ar de sua graça ao “dar um saltinho” à cimeira – mas tanto a China como a Índia (no top dos maiores poluentes) ficaram muito aquém de sossegarem o mundo no que respeita ao possível cumprimento das metas acordadas no Acordo de Paris. No seu discurso inaugural, Guterres relembrou ainda que o mês de Julho de este ano foi o mais quente desde que há registos, que o período entre Junho e Agosto ficará na história, e para já, como o Verão mais quente do hemisfério norte e o segundo Inverno mais quente do hemisfério sul e que os últimos cinco anos foram também os mais quentes de sempre.

Uma das melhores notícias que saiu desta cimeira deve-se ao compromisso por parte de 77 países – Portugal incluído –, 10 regiões e 100 cidades de actualizarem os seus objectivos de descarbonização para valores perto dos 50% até ao final da próxima década, com a Dinamarca e a Finlândia a liderarem o pelotão da frente, assumindo a promessa de atingirem a neutralidade carbónica já em 2033. Igualmente ambicioso foi o compromisso anunciado por 15 líderes mundiais, liderado pela presidente das Ilhas Marshall, no sentido de actualizarem as suas metas de redução de emissões até 2020 e, no final desse ano, produzir estratégias de longo prazo para atingira a neutralidade carbónica em 20250. Na declaração conjunta destes líderes, que inclui também o Belize, a Costa Rica, as ilhas Fiji, Grenada, Luxemburgo, Mónaco, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Santa Lúcia, Suécia, Suíça e Vanuatu, ficou expressa a sua convicção de que limitar o aquecimento global em 1,5ºC é fundamental para minimizar e evitar os “riscos severos, múltiplos e inter-relacionados” que as alterações climáticas colocam aos humanos, aos solos, aos oceanos e aos ecossistemas terrestres.

E mesmo que muitas outras iniciativas tenham sido anunciadas e que, para os mais optimistas, estas possam contribuir para evitar a subida da temperatura média do planeta acima dos 2ºC face aos níveis pré-industrialização (ou muito idealmente acima do 1,5ºC), a conclusão generalizada é a de que, mais uma vez, a reunião de líderes mundiais para apresentar medidas concretas para lutar contra a maior ameaça global a que o planeta está sujeita foi um fracasso. Ou pelo menos, um grande desapontamento.

Mesmo assim, mais de 60 líderes políticos e representantes do sector privado subiram ao palco das Nações Unidas – muitos deles provenientes de pequenos países e com níveis de emissões reduzidas – para apresentarem ao mundo os seus planos de luta contra as alterações climáticas, numa reunião morna e na qual o momento mais quente foi protagonizado pela jovem sueca Greta Thunberg e pelo seu discurso emotivo, já criticado por muitos, no qual teve a “ousadia” de perguntar aos líderes mundiais como estes se “atrevem” a nada fazer, recordando que os olhos das novas gerações estão postos nas suas acções – ou inacções – e que se estes escolherem falharem, nunca serão perdoados.

Depois dos protestos mundiais que reuniram jovens e menos jovens em múltiplas cidades do globo na passada sexta-feira, dia 20, levando às ruas um número jamais visto de pessoas e tendo em conta todas as evidências científicas que se continuam a acumular e a antever cenários potencialmente catastróficos, para os observadores e activistas a presente cimeira foi (mais) um desânimo claro, dando eco às dúvidas e acusações da jovem activista. “O que vimos não é o tipo de liderança que precisamos por parte das grandes economias”, afirmou, à margem da cimeira, a vice-presidente para o clima e economia do World Resources Institute, Helen Mountford.

Assim, e em termos gerais, tudo o que o secretário-geral das Nações Unidas ambicionava para esta cimeira – “esta não é uma cimeira de ‘conversas’”, “esta não é uma negociação climática porque não se negoceia com a natureza”, “esta é uma cimeira de acção” e “desde o início afirmei que o bilhete de entrada não era um discurso bonito, mas de acções concretas” – parece ter resultado na frustração habitual de inércia quase generalizada face ao preocupante estado do planeta.

Compromissos mais ou menos promissores e promessas pouco mais do que vazias

© Greenpeace.org

Como anteriormente já referido, a talvez melhor notícia que saiu desta cimeira foi a de que existem agora 77 países que se dizem preparados para aumentarem as denominadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs) para alcançarem as zero emissões em 2050, um número significativamente superior aos 23 países que já se haviam comprometido com esta meta antes da cimeira. No total, estes países são responsáveis por 6,8% das emissões globais. Ao anunciar esta boa nova, Guterres alertou, contudo, para o muito trabalho que há ainda a fazer, reiterando ainda o apelo para que não se construam novas fábricas de carvão a partir de 2020.

Quanto aos grandes poluidores – o Japão também ficou de fora -, os anúncios deixam a desejar. A China, representada por Wang Yi, um conselheiro de Estado e representante especial do presidente chinês Xi Jiping, optou pela “conversa” que Guterres queria ter deixado de fora. Yi relembrou que o seu governo considera que todos os países devem agir para limitar as emissões – um recado directo para Trump e para o facto de este se ter descomprometido com o Acordo de Paris -, garantiu que o seu país está a cumprir, antes de tempo, as suas CNDs, com uma aposta forte nas energias renováveis e com acções vastas de florestação, mas esqueceu-se de declarar que a meta dos 2ºC não está contida nos seus compromissos, nem deu a conhecer qualquer ambição para tal.

Já a Índia e na voz do seu primeiro-ministro Narendra Modi, fez um discurso parecido, reiterando que o que os países estão a fazer colectivamente não é suficiente e apelando a um movimento global que produza uma “mudança comportamental”. Anunciou os planos do seu país para um aumento massivo de energias renováveis, relembrou que o edifício das Nações Unidas utiliza painéis solares indianos e nem uma vez mencionou a palavra “carvão”, sendo que o seu maior contributo para as alterações climáticas agora e no futuro é, exactamente, o sector dos combustíveis fósseis. Ambos os gigantescos países declararam também ter direito a ajuda financeira internacional para pagar a sua mitigação das alterações climáticas e a adaptação às mesmas.

Um dos desapontamentos foi também o discurso de Angela Merkel. Apesar de ter confirmado os planos de descarbonização da Alemanha até 2050, a chanceler alemã afirmou que o fim da produção de carvão não será atingido antes de 2038, um período de tempo demasiado longo aos olhos dos ambientalistas. Merkel anunciou, contudo, que o seu país irá duplicar o seu contributo para o Green Climate Fund, que visa ajudar os países em desenvolvimento a adaptarem-se e a lidarem com as alterações climáticas e que também foi uma das boas notícias saídas da cimeira.

Emmanuel Macron aproveitou a ocasião para confessar a emoção que sentiu ao ouvir o discurso comovente de Greta Thunberg e dos demais jovens que a acompanharam no palco (apesar de a França ter sido um dos países que mais repressão utilizou na greve climática do passado dia 20). E aproveitou também para declarar que não irá participar em nenhum acordo comercial com países que têm políticas contrárias ao Acordo de Paris e, antes de a Rússia o ter oficialmente anunciado na cimeira, o presidente francês demonstrou o seu contentamento por esta ter finalmente ratificado o Acordo de Paris. Tal como Merkel, Macron anunciou também a duplicação do contributo francês para o Green Climate Fund, mantendo as promessas de que o seu país irá cumprir as metas acordadas no Acordo de Paris.

Já Boris Johnson garante que o Reino Unido está a portar-se bem na mitigação das alterações climáticas, combinando a redução das emissões com uma economia em crescimento, confirmou os objectivos das zero emissões em 2050 e anunciou um investimento adicional de 1,2 mil milhões de libras, nos próximos cinco anos, para o financiamento de iniciativas de alta tecnologia relacionadas com as energias renováveis e com níveis mais baixos de níveis de poluentes nos países em desenvolvimento, a par da protecção de espécies em vias de extinção.

Quanto à União Europeia e nas palavras do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, foi parca em anúncios. Apesar de garantir que a Europa está determinada a liderar a luta contra a ameaça climática – enquanto “única grande economia que legislou sobre os compromissos assumidos no Acordo de Paris e apresentou uma visão estratégica a longo prazo para uma economia próspera, moderna, competitiva e com impacto neutro no clima, até 2050 — Um Planeta Limpo para Todos”, Tusk reafirmou que a meta das zero emissões para 2050 “foi já endereçada por uma larga maioria dos Estados-membros” e que, pessoalmente, acredita “ser apenas uma questão de tempo para que todos eles a subscrevam”. O único anúncio significativo feito pelo representante da UE foi o de que pelo menos 25% do próximo orçamento da União será devotado a actividades relacionadas com a ameaça climática.

Adicionalmente, vários delgados presentes na cimeira alertaram para o facto de os esforços internacionais para combater o perigoso aquecimento global estarem a ser enfraquecidos por uma onda de nacionalismo. “Se olharmos para os Estados Unidos e para o Brasil, vemos o resultado de políticas populistas que estão a virar as costas ao clima” afirmou Isabel Cavalier, conselheira sénior do grupo climático Missão 2020.

“Existe uma enorme dissonância entre todos os líderes que declararam ‘nós ouvimos-te, Greta’ e os compromissos que foram postos em cima da mesa”, acrescentou ainda Cavalier. “A China não disse absolutamente nada, a Índia mencionou compromissos já feitos no passado, e os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália não estão cá. Estamos a assistir ao aparecimento de governos com as mãos vazias. E existe um sentimento claro de que os grandes emissores estão a atrasar o que devia ser feito”, declarou à margem da cimeira.

Também Andrew Steer, responsável pelo World Resources institute e antigo funcionário do Banco Mundial, afirmou que as grandes economias revelaram-se “lamentavelmente insuficientes” no que respeita às expectativas que delas se tinham. “A sua ausência de ambição assume-se com um contraste significativo face à crescente exigência de acção à escala global”, acrescentou.

A imprensa internacional destacou ainda a breve presença de Donald Trump, a qual foi aproveitada pelo antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, que se dirigiu ao presidente dos Estados Unidos directamente e não resistiu a comentar que esperava que as discussões em curso fossem úteis para quando este formulasse a sua política climática. Seguido de risos e aplausos, este episódio recorda também o contraste existente com a realidade há alguns anos atrás, quando os Estados Unidos, e pela mão de Obama, tinham o crédito de, e em conjunto com outros países, incluindo a China, estarem a trabalhar afincadamente para levar as alterações climáticas muito a sério. Como se sabe, os Estados Unidos anunciaram a retirada do Acordo de Paris e a sua actual administração tem vindo anular um conjunto de regulamentação ambiental pensada exactamente para diminuir as emissões.

Ou e em suma, o clima de ambição de muitos líderes mundiais parece ter arrefecido e nem o visível aquecimento global, em todas as partes do globo, parece estar a contribuir para que a ameaça climática seja considerada como uma urgência.

Alianças e finanças

© UN.org

Por parte do sector privado, os esforços foram, pelo menos, mais promissores. Um terço do sector bancário global, composto por 130 bancos, comprometeu-se a alinhar as suas estratégias de negócio com os objectivos acordados em Paris. O denominado International Development Finance Club (IDFC), que representa bancos nacionais e de desenvolvimento regional, com a maioria deles com presença em países emergentes e em desenvolvimento, anunciou também e pela primeira vez, um objectivo quantitativo de mobilizar um bilião de dólares até 2025 para esta luta, com pelo menos 100 milhões a serem investidos em estratégias de adaptação climática. Adicionalmente, o IDFC irá lançar uma parceria com o Green Climate Fund para promover o acesso directo à finança climática internacional e uma nova Climate Facility, no valor de 10 milhões de dólares, para aumentar a capacidade de apoiar os seus membros nesta matéria.

O Green Climate Fund, que consiste no único fundo cujo conselho de administração é governado por um número igual de países desenvolvidos e em desenvolvimento, foi estabelecido em 2010 sob os auspícios das Nações Unidas e tem como objectivo ajudar os países mais pobres e vulneráveis a lidar com as alterações climáticas, tanto ao nível da adaptação como da sua mitigação. Das “boas” notícias resultantes da actual cimeira actual, uma é exactamente o compromisso, por parte de vários países europeus, de aumentarem o seu financiamento ao mesmo, sendo que, com excepção da Suécia e da Dinamarca, as contribuições ficaram também muito aquém do que era esperado. Para os observadores, estes novos contributos representaram apenas um passo muito modesto, o qual não irá ao encontro das obrigações a que os vários países se comprometeram para ajudar os países em desenvolvimento a lidar com a crise climática.

Já o grupo dos maiores detentores de activos do mundo – a Asset Owner Alliance – responsável por cerca de dois biliões de dólares em investimentos, anunciou igualmente que os seus portefólios de investimento serão neutros em carbono até 2050. De acordo com os seus representantes, os membros desta Aliança irão encetar negociações imediatas com as empresas nas quais estão a investir para assegurar a descarbonização dos seus modelos de negócio.

Por seu turno, 87 grandes empresas, com uma capitalização bolsista combinada de mais de 2,3 biliões de dólares comprometeram-se a reduzir as suas emissões e alinhar os seus negócios com as evidências científicas necessárias para limitar os piores impactos das alterações climáticas, para “um futuro 1,5ºC”.

Também a Climate Investment Platform irá mobilizar um bilião de dólares em investimentos em energias limpas, até 2025, em 20 países em desenvolvimento. A plataforma irá fornecer um conjunto de serviços aos governos e a clientes do sector privado para ajudar na transição para as energias limpas e para a aceleração dos investimentos de baixo carbono.

Um outro anúncio de importância significativa foi feito por Bill Gates. A Bill and Melinda Gates Foundation (310 milhões de dólares), em conjunto com o Banco Mundial, a Comissão Europeia, a Suíça, a Suécia e Alemanha, entre outros doadores, fazem parte de um compromisso mais alargado no valor de 790 milhões de dólares com o objectivo de ajudar cerca de 300 milhões de pequenos agricultores em países em desenvolvimento para lidar com os impactos da crise climática na produção alimentar e na agricultura. Como afirma o fundador da Microsoft, “a maioria das pessoas nunca ouviu falar da CGIAR [a organização em causa], mas esta já fez mais para alimentar as pessoas mais pobres do planeta do que qualquer outra organização do mundo”.

Vários outros anúncios, seja por parte de países individuais, seja por parte de alianças e coligações de ordem variada, deram um toque de esperança a uma cimeira climática que, para muitos, foi mais uma enorme desilusão. Mais a mais quando num novo estudo da Organização Meteorológica Mundial da ONU, publicado na véspera da cimeira, vários cientistas climáticos alertam que, nos últimos anos, o aumento do nível dos mares, o aquecimento planetário, o recuo dos lençóis de gelo e a poluição aceleraram a ritmos muito mais rápidos do que o esperado. Este mesmo relatório evidencia igualmente que os últimos quatro anos constituem o período mais quente do planeta desde que há registos. Na passada quarta-feira, e já no rescaldo da cimeira, também o IPCC divulgou o seu primeiro relatório inteiramente dedicado ao impacto das alterações climáticas nos oceanos e na crioesfera (as partes geladas do planeta), os quais têm um papel principal na vida na Terra e que, por causa destas, estão a contribuir para o aumento de inundações costeiras, de tempestades tropicais, para a diminuição da biodiversidade, para o degelo dos glaciares, colocando milhões de pessoas em risco severo.

E o que mais é necessário para convencer os líderes mundiais que não estamos apenas perante uma urgência, mas sim de uma emergência que a todos afecta?

Editora Executiva