Polémico q.b. quando afirma que “a ética está morta”, Alexandre Havard acredita que é possível, a todos os que se predisponham a tal, “aprender” a ser um líder grandioso. Com base nas quatro virtudes cardinais – prudência, coragem, autocontrolo e justiça – e almejando atingir as virtudes supremas – a magnanimidade e a humildade -, o denominado Virtuous Leadership Institute que co-fundou está presente em vários países – Portugal será o próximo – e tem sido palco de aprendizagem de milhares de dirigentes de topo, de domínios tão diferentes quanto o dos negócios, o militar, o educacional ou o político. O VER conversou com Havard sobre os fundamentos e a essência da liderança assentes nestas “virtudes em acção”

POR HELENA OLIVEIRA

Advogado de profissão e “educador” de líderes por vocação, Alexandre Havard esteve em Lisboa, a convite da AESE Business School, para um conjunto de seminários sobre o sistema de liderança virtuosa que criou e ao qual tem devotado grande parte da sua vida. Autor dos livros “Virtuous Leadership: An Agenda for Personal Excellence” e de “Created for Greatness: The Power of Magnanimity”, Havard é também o co-fundador do Virtuous Leadership Institute, com “filiais” presentes na China, Rússia, Estados Unidos, França, Bélgica, Espanha, Finlândia e, a curto prazo, também em Portugal, que funcionam como organizações legais independentes, mas que colaboram intimamente entre si.

Em conversa com o VER, Havard explica como se entrecruzam as virtudes do intelecto com as do coração, como é possível praticá-las e aprimorá-las e como se pode alcançar esta liderança virtuosa, a única que é genuína e que pode ajudar a fazer do mundo um local melhor. E fala também nos quatro temperamentos hipocráticos (v. Caixa) e por que motivo é necessário conhecermo-nos a nós mesmos – identificando qual o “temperamento” que nos define – para sabermos ultrapassar os obstáculos que nos impedem de sermos líderes “grandiosos”.

Enquanto co-fundador do Virtuous Leadership Institute e criador do Virtuous Leadership System, define a sua missão pessoal como a de “acender os corações para a magnanimidade”. O que pretende dizer com isto?

Quando era pequeno, passei muito tempo com os meus avós – cada um deles com vidas particularmente trágicas, na medida em que escaparam ambos à Revolução Bolchevique na Rússia – e também com os meus pais. E quando olhava para eles reconhecia essa magnanimidade ou grandeza. Enquanto fui crescendo, percebi também que estava envolto numa onda de mesquinhez, de pusilanimidade e egoísmo. Com pessoas que se assemelhavam às personagens do livro “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, pessoas sem um passado, sem família, sem memórias, sem Deus e sem natureza. E, sentindo-me chocado e assustado, e vendo o que se passava numa Europa esmagada por tanto egoísmo, pensei que algo teria de ser feito, pois essas mesmas pessoas não poderiam ser um modelo para o futuro ou então a civilização estaria perto do seu fim. Assim, e reconhecendo a existência dessa grandiosidade nos meus pais e avós, decidi que deveria tentar “acendê-la” nos outros.

As pessoas precisavam de algum tipo de inspiração, em particular os mais jovens, que as ajudasse a descobrir essa grandeza em si mesmas. Assim, a missão que escolhi para a minha vida foi a de acender os corações para essa magnanimidade e desenvolver um sistema original de liderança virtuosa que ajudasse as pessoas a serem capazes de mudar o mundo para melhor. Essa missão, que primeiro foi pessoal, tornou-se igualmente a missão do nosso Instituto. E é isto que fazemos quando ensinamos aquilo que denominamos como” liderança virtuosa”, sendo que uma missão, na sua especificidade, não é o que queremos alcançar, mas antes o motivo por que o queremos fazer: ensinamos a liderança virtuosa, mas despertamos a grandeza que existe nos corações dos que nos procuram. Ajudamos a transformar este fogo em fermento para o intelecto, mas o que realmente fazemos é inspirar e encorajar as pessoas a terem desejo desta grandiosidade, a qual está muito ausente no mundo em que vivemos, apesar de serem muitos os que a procuram para si mesmos, para os seus filhos, para os seus empregados. E esta é a história desta missão.

A liderança é um dos conceitos mais “escrutinados” não só no ambiente de negócios, mas no geral, e continua a subsistir a velha interrogação sobre se a mesma é inata ou adquirida (treinada). O mesmo acontece com o binómio “liderança versus gestão”. Qual é a sua definição de liderança e como aborda estas “velhas” questões?

É natural que depois de tantos anos a trabalhar nestes tópicos cheguemos a uma conclusão. A de que a liderança consiste em alcançar a grandiosidade, mas através do despertar da mesma nos outros. Poderemos afirmar que a liderança é constituída por excelência e serviço. E existem duas virtudes que estimulam estas duas características.

Uma é a virtude da magnanimidade, que consiste na luta do coração, do espírito e da vontade para alcançar grandes feitos, e a outra é a virtude da humildade, que o ajudará a ser um servidor dos outros. E qual a relação existente entre esta visão de liderança e a gestão? É simples. Os gestores são pessoas que fazem as coisas acontecer: gerir é saber como fazer as coisas e como levá-las para a frente. Um líder é alguém que se interessa, em primeiro lugar, pelos seres humanos e por os conduzir o mais longe possível. Desta forma, um bom gestor sabe que se, a longo prazo, quiser ser um bom líder, terá de cuidar das suas pessoas, porque só assim é possível atingir bons resultados.

Que exemplos de excelência na liderança pode partilhar?

Se pensar em pessoas como Édouard Michelin, o fundador da Mission Company, ou em Darwin Smith, CEO da Kimberly-Clark nos anos de 1980, ou em Herb Kelleher, fundador e CEO da Southwest Airlines, perceberá não só que são gestores incríveis, mas também líderes magníficos. Todos eles atingiram resultados de gestão fora de série porque praticaram a liderança virtuosa. Tentaram, sempre, retirar o melhor que existia nas suas pessoas, apostando no seu crescimento tendo como base uma estratégia de desenvolvimento pessoal para cada um, individualmente. E a verdade é que todas estas empresas adoptaram uma cultura de liderança virtuosa. Assim, é porque funciona e funciona muito bem a longo prazo.

E no curto prazo?

No curto prazo é possível somente gerir-se, “matando as pessoas”, mas atingindo resultados. Mas depois do “jogo terminado”, não existe qualquer cultura corporativa. Assim, gestão e liderança não são actividades opostas. Se um gestor quiser ser um bom gestor, deve praticar a liderança, ou então falhar. Mas também sabemos que os seres humanos são diferentes e são muitos as que não percebem – ou não se importam – com as pessoas. Podem perceber os números, os resultados materiais. Mas para se ser um líder é fundamental que se seja também um bom ser humano e que se compreenda o significado de humanidade: e é preciso amar as suas pessoas e ter o desejo de as servir.

É frequente o debate sobre o que é ser magnânimo ou grandioso, mas na verdade não é fácil compreender o que realmente significa. A única grandiosidade verdadeira traduz-se no crescimento espiritual das pessoas e não em termos materiais. Assim, a única grandiosidade possível é a pessoal e é isso que os líderes fazem: educam as suas pessoas, ajudam-nas a crescer, a serem magnânimas e a encontrar sentido para as suas vidas.

Insiste muito na unidade antropológica da virtude. Como a define?

© Alexandre Havard

Todas as virtudes estão relacionadas entre si. São como os dedos de uma mão que crescem em conjunto. O que significa que não é possível alcançar a magnanimidade, que é a virtude da excelência, se não se trabalhar nas demais virtudes. Nas virtudes do intelecto, nas virtudes da vontade, nas virtudes do coração. Assim, poderemos dizer que o ser humano é intelecto, vontade e coração. Ou seja, existem virtudes que estão enraizadas no intelecto, como a virtude da prudência. Ou as que estão enraizadas na vontade, que são a coragem, o autocontrolo e a justiça. E depois existem virtudes específicas como a magnificência e a humildade que não estão enraizadas no intelecto – e que servem a pessoa na sua plenitude – mas sim no coração e de uma forma muito profunda.

Daí que sejam “amplas” e “extensas” e que sejam denominadas como um ideal de vida. Porque é possível fundamentar a nossa vida na grandiosidade e no serviço, mas não na coragem ou no autocontrolo. As restantes quatro virtudes – prudência, coragem, autocontrolo e justiça – não são ideais de vida, mas antes instrumentos para alcançar determinados objectivos. E é por isso que a liderança é tão sedutora. Porque as virtudes específicas da liderança são, no seu âmago, os verdadeiros ideais de vida das pessoas.

No seu livro “Virtuous Leadership: An Agenda for Personal Excellence” escreve que a “liderança e a virtude não são apenas compatíveis, como são também sinónimos”. O que pretende afirmar?

O que eu quero dizer é que a liderança tem a ver com o carácter e que este está relacionado com a virtude. Significa que, no final do dia, a verdadeira liderança traduz-se em estimular o carácter, multiplicá-lo, exigi-lo e iluminá-lo. Mas não só. Como já mencionei, a liderança está assente em duas virtudes por excelência, a magnanimidade e a humildade. Mas existem pessoas que são boas pessoas porque praticam as demais quatro virtudes, mas não são líderes porque não praticam a magnanimidade e a humildade.

Assim, quando afirmo que a liderança tem a ver com o carácter e com a virtude, e que ambos são sinónimos, estou a falar na magnanimidade e na humildade. Pois o facto de se ser uma boa pessoa não significa que se seja um líder. De todo. A liderança vai bem além do mero facto de se ser uma boa pessoa. Pode-se sê-lo e ter-se as quatro virtudes, mas isso é apenas o início, pois os verdadeiros líderes têm de ter a virtude que faz despertar a grandeza.

Identificou seis virtudes por excelência e afirma que cada uma delas, quando praticada de forma habitual, aumenta a capacidade para agir. O que significa a “virtude em acção”?

As quatro virtudes cardinais – prudência, coragem, autocontrolo e justiça – são poderes. A prudência tem o poder de ajudar a tomar as decisões certas. A coragem a de se correr riscos. O autocontrolo é o poder de direccionar as paixões e as emoções no sentido da realização da missão que escolhemos ter para a vida. E a justiça é o poder de conferir às pessoas o reconhecimento que merecem e de entrar nos seus corações. Virtus, em latim, significa poder, um conceito muito antigo, com origem na palavra grega arete. Ou seja, é importante utilizarmos a palavra virtus para que as pessoas percebam do que estamos a falar.

Seguidamente, temos a virtude da magnanimidade, que se traduz na luta do espírito, da vontade e do coração para atingir grandes feitos e a virtude da humildade que pode ser dividida em duas: no autoconhecimento e no serviço. Na base da pirâmide encontra-se este autoconhecimento, que é também humildade, no meio encontram-se as quatro virtudes que estão enraizadas no intelecto e no topo erguem-se a magnanimidade e a humildade, que são as virtudes do coração activo. O que significa que as mesmas não são apenas ideias bonitas, mas sim antropologia. Ou seja, é um sistema que nos ajuda a compreender onde nos posicionamos, quem somos enquanto seres humanos e que “peças” nos faltam para atingirmos a plenitude e alcançar a grandiosidade.

Viver de forma virtuosa num mundo fragmentado, dividido e com uma ausência assustadora de ética em muitos dos seus domínios não é tarefa fácil. Existe algum tipo de sugestões práticas que possa partilhar para que, a nível individual, mas também organizacional, se possa erigir uma cultura de virtudes?

A minha resposta é simples: as pessoas deviam ter aulas de liderança virtuosa. O nosso programa está disseminado por todo o mundo e é frequentado por gestores de topo, na área militar, nos negócios, na educação, na política e em muitos outros domínios. E as pessoas ficam mesmo surpreendidas com os resultados. E acredito mesmo que a resposta seja essa, porque já não é possível ensinar ética. A ética está morta e terminada. O que é necessário é ensinar liderança dotada de princípios éticos. Porque a ética, ou a sua teoria, é aborrecida e o que precisamos é de acção. É da vida em acção. É de termos exemplos práticos, de pessoas concretas. O intelecto está lá, as emoções também, tal como os exemplos. Numa hora de aulas damos dezenas de exemplos de pessoas reais, não tendo medo de dizer os seus nomes, de falar de actos reais, para que todos possamos compreender quem são estas pessoas.

E, muito em breve, faremos o mesmo em Portugal, onde iremos abrir um Instituto de Liderança Virtuosa, pois a nossa intenção é disseminarmos os seus princípios, a sua filosofia e a sua prática.

Como funciona o vosso Sistema de Liderança Virtuosa?

O sistema funciona essencialmente a nível local, ou seja, todos os institutos são independentes em todo o mundo. Apenas têm de respeitar os princípios estabelecidos nos meus livros, mas os professores/formadores têm a liberdade de os ensinar da forma que melhor lhes aprouver. Na medida em que a cada país correspondem necessidades diferentes, não temos um modelo universal, mas antes uma estratégia desenvolvida a nível local. As pessoas são muito diferentes seja na Rússia, nos Estado Unidos, na China ou em Portugal.

“Os melhores líderes praticam a fé, a esperança e o amor”, escreveu também. É possível traduzir melhor o que significa esta sua frase e conferir exemplos, se possível, de “líderes virtuosos”, ou sente, como muitos de nós, que vivemos num mundo onde os verdadeiros líderes escasseiam?

Para mim, é óbvio que a liderança é uma actividade humana, porque está relacionada com as virtudes humanas, que são universais. Mas também é verdade que as virtudes da fé e da caridade – mais “sobrenaturais” – conferem uma energia enorme a estas virtudes. E basta olharmos para a história da Humanidade para vermos isso.

Acredito que Deus concedeu as suas graças a muitas pessoas, que eram boas pessoas, mas que acabaram por ser excelentes por esse mesmo motivo. Pensemos em Abraão, que era fleumático e fez coisas incríveis. Ou no Rei David, que era sanguíneo e que alcançou grandes feitos. Ou em Moisés, que era muito melancólico e se transformou numa pessoa maravilhosa. Ou pensemos em Thomas More ou em Joana d’Arc, cujas personalidades eram notáveis.

A meu ver, todas estas pessoas foram humanamente incríveis, magnânimas, humildes, possuidoras das quatro virtudes nos seus níveis mais elevados, mas porque foram capazes de utilizar a graça de Deus para fazerem o seu trabalho. Assim, o Cristianismo tem aqui o seu papel, sendo também verdade que muitos cristãos negligenciam a prática das virtudes pois acreditam que para serem bons líderes, basta serem boas pessoas. Mas isso não é suficiente. Não é possível ser-se um líder excelente sem fé, amor ou caridade, mas também não é possível ser-se um bom líder sem as virtudes da prudência, do autocontrolo, da justiça, da coragem e, por fim, da magnanimidade e da humildade. As virtudes da liderança humana não são sobre o Cristianismo, mas a verdade é que o mesmo ajuda-as a florescer. Sim, a liderança é uma actividade humana, mas as virtudes “sobrenaturais” ajudam e conferem uma força muito maior a essa mesma actividade.



Colérico, melancólico, sanguíneo ou fleumático: sabe qual é o seu temperamento?

O programa do Virtuous Leadership Institute inclui também ensinamentos sobre os quatro temperamentos hipocráticos – o colérico, o melancólico, o sanguíneo e o fleumático – afirmando que a cada um deles corresponde um determinado desafio. Alexandre Havard sumariza as principais características que integram estes temperamentos identificados por Hipócrates, há mais de três mil anos, os quais equivalem, cada um deles, a um “mundo biológico”, definindo, em simultâneo, os seus desafios correspondentes.

Sumariamente, os coléricos são pessoas de acção, com tendência para estabelecerem objectivos e os perseguirem: geralmente são “gestores naturais”, mas a sua maior propensão é a de se esquecerem das pessoas ou de as usarem para atingir os seus fins, o que os “obriga” a multiplicar a virtude da humildade, que é a virtude de serviço, e a compreender que os seres humanos são muito mais importantes do que as possessões materiais.

Já os melancólicos tendem para o idealismo, gostam de estar consigo mesmos, perseguem ideais elevados, são apaixonados pela beleza, pela estética, tendo desta forma uma enorme propensão para a criatividade. Porque são pessoas muito “profundas” – os coléricos são mais “intensos” – conseguem produzir obras de grande beleza, mas o problema é que, muitas vezes, não têm a energia necessária para ultrapassar a sua “auto-absorção”, a qual os impede de estar com os outros, de agir, de correr riscos, na medida em que temem o mundo exterior. Têm um sonho, esse sonho é bom na sua cabeça e no seu coração. Mas quando o tentam materializar, percebem que muitos seres humanos têm falhas e não os vão compreender. Neste caso, o desafio é serem mais audazes, arrojados e corajosos.

Por seu turno, os sanguíneos são excelentes comunicadores, gostam das pessoas e gostam, sobretudo, que as pessoas gostem deles, prezam o divertimento e adoram ser o centro das atenções. Mas o seu problema é que vivem no presente e não têm consciência do amanhã. Para este tipo de temperamento, extremamente instável em termos biológicos, o desafio é a estabilidade, a perseverança, o demonstrar que conseguem começar e terminar um determinado projecto.

Por fim, existem os fleumáticos, que são pessoas extremamente racionais, cuja abordagem à realidade é muito científica. São também pessoas muito pacíficas, que odeiam guerras, mudanças e conflitos. Mas o seu problema é que raramente sonham. Assim, o seu desafio é o da magnanimidade, para saírem de si mesmos, para descobrirem novos mundos, para criarem.


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