Charles Hopkins coordena a área de Educação para o Desenvolvimento Sustentável na UNESCO e na Universidade das Nações Unidas, sendo igualmente um dos autores da Agenda 21, o famoso documento que deu origem, em 1992, a um novo paradigma de desenvolvimento. Em entrevista exclusiva, o especialista canadiano assegura que “educar para um futuro sustentável” deverá constituir parte integrante de qualquer sistema educativo. Mas afirma também que, para a construção de um “mundo novo”, precisamos não só de líderes fortes, mas de todos os cidadãos
POR HELENA OLIVEIRA

Há mais de 20 anos que a história de vida de Charles Hopkins se mistura com a própria história da sustentabilidade. Participou na Cimeira da Terra, em 1992, a primeira Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento e foi um dos autores da Agenda 21, o documento que estabeleceu a importância de cada país em se comprometer a reflectir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os sectores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. Este igualmente presente na Conferência Mundial de Joanesburgo e presidiu ao comité que deu origem à Declaração de Bona na Conferência Mundial da UNESCO sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável, em 2009. É responsável, no interior da UNESCO, por um conjunto de acções nesta área, sendo também o coordenador de uma rede internacional de instituições educativas que abarca mais de 70 países.

Numa longa conversa com o VER, Charles Hopkins oferece uma visão alargada sobre os grandes desafios globais que ameaçam o planeta e considera que o caminho para a sustentabilidade, no sentido de se reduzir as pegadas ecológicas, económicas e sociais, só poderá ser trilhado com a ajuda de líderes fortes mas, e em particular, com o contributo de todos os cidadãos. E é por isso que acredita que, para se atingir um futuro sustentável, a tónica tem de ser colocada na educação.

.
.
Charles Hopkins coordenador da área de
Educação para o Desenvolvimento
Sustentável na UNESCO
.

Acompanhou, de muito perto, ambas as Cimeiras das Nações Unidas sobre Sustentabilidade, tanto no Rio de Janeiro, como em Joanesburgo, e foi um dos autores do capítulo 36 “Promoção da Educação, Sensibilização Pública e Formação” da Agenda 21, o documento que lançou a temática do Desenvolvimento Sustentável em 1992. Desde então, como avalia esta jornada, já significativa, no sentido de um mundo, cujos líderes parecem não compreender na totalidade (ou não estão dispostos a isso), que realmente precisa de ser sustentável?
Tenho apenas conhecimento sobre algumas partes da história da sustentabilidade à medida que esta tem vindo a ser narrada. Existem centenas de milhares de pessoas fantásticas, espalhadas por todo o mundo, que estão a trabalhar na criação de um futuro mais sustentável. E as suas histórias individuais nunca são contadas. Mas enquanto alguém que sabe bastante sobre o que é necessário fazer, o facto de existir uma enorme incapacidade por parte das nações para trabalharem de forma colaborativa, deixa-me verdadeiramente consternado. A minha esperança reside no trabalho realizado a nível local e regional, nos quais os cidadãos não estão a tentar manipular nenhuma nação para ganhar aprovação do seu eleitorado ou para se manterem no poder. Ao nível local, as pessoas são capazes de ver e compreender tanto as necessidades, como os resultados das suas próprias acções. E acredito que, enquanto seres humanos, temos ainda de considerar as questões inerentes ao desenvolvimento sustentável a partir de uma escala e âmbitos muito mais alargados.

A verdade é que não conseguimos compreender tão bem os desastres que vão emergindo gradualmente, comparativamente às calamidades que acontecem subitamente. Na América, por exemplo, e num só estado, morrem anualmente, de acidentes de carro, tantas pessoas quanto as que faleceram nos ataques do 11 de Setembro ao World Trade Center. Contudo, a reacção a esta realidade é absolutamente negligenciada.

E, para construirmos este mundo novo, precisamos não só dos líderes, como de todos os cidadãos. Desta forma, a temática da educação, da sensibilização pública e da formação são questões presentes não só no Capítulo 36 mas em cada um dos 40 capítulos que compõem a Agenda 21.

“Os líderes mundiais não conseguem ter uma visão colectiva destas questões enquanto componentes de um futuro insustentável”

.
.

Na medida em que as empresas, os governos, a sociedade civil e as Nações Unidas estão já a olhar para além de 2015, ano que marca a data de “fim” dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, acredita que podemos estar a viver uma oportunidade histórica para colocarmos a economia no caminho de um crescimento sustentável ou continuamos “aprisionados” num mundo de boas intenções?
Sinto-me dividido no que respeita a essa questão. Apesar de esta ser uma excelente oportunidade para percorrermos esse caminho, a verdade é que o timing constitui também uma questão importante. Estamos rodeados e mergulhados em verdadeiras questões de sustentabilidade tais como a crise económica, a agitação social, a falta de solidariedade, o colapso ambiental nas pescas, as alterações climáticas e até com casos em tribunal para se decidir se as vítimas das catástrofes ambientais podem ser consideradas como “refugiados” e serem tratadas como tal. Mas, por outro lado, os líderes mundiais não conseguem ter uma visão colectiva destas questões enquanto componentes de um futuro insustentável. Continuam a tratar a sustentabilidade de uma forma fragmentada, com um departamento a lidar com as alterações climáticas e outro com os imigrantes ilegais, por exemplo. Mas é crucial que todas estas questões sejam vistas de uma forma colectiva e integrada na sustentabilidade. Assim, e apesar de a oportunidade existir, sinto que está tudo ainda muito confuso. Precisamos de líderes fortes, mas também de um eleitorado mais conhecedor e informado para analisar e apoiar este esclarecimento necessário.

Num estudo recente realizado em parceria pela consultora Accenture e pelo Global Compact (a 1ª edição foi publicada em 2010), o qual representa as perspectivas de mais de 1000 CEO de todo o mundo sobre o passado, o presente e o futuro dos negócios sustentáveis, bem como sobre o que é necessário para posicionar a sustentabilidade como uma força transformadora na economia global, os líderes empresariais descreveram um “patamar” para além do qual não conseguem fazer progressos sem alterações radicais nas estruturas de mercado e sem uma compreensão comum sobre as prioridades globais. Afirma-se que é a Educação que deverá definir o caminho para este entendimento comum. Mas se os líderes globais não o compreendem, como é possível mudar o status quo antes de ser demasiado tarde?
Eu penso que o que eles pretendem afirmar é que as estruturas financeiras estão erradas. Nós não fazemos uma contabilidade de custos total nem reconhecemos e incluímos o custo dos serviços do ambiente natural. Nós pagamos pelo apanhar do peixe, mas não pagamos pelos próprios peixes. Nós não incluímos a limpeza da água dos pântanos e das florestas no nosso Produto Interno Bruto. Os bens e serviços da natureza são cerca de 20% superiores a todos os bens e serviços produzidos pelos humanos, mas não os envolvemos nas nossas práticas corporativas. A libertação de toxinas e de resíduos no ambiente enquanto “externalidades” constitui um bónus para a nossa economia humana, apesar de constituir uma perda terrível para a nossa economia natural. O que os líderes de negócio estão a afirmar é que é necessária uma alteração profunda nos nossos sistemas contabilísticos globais e que a forma como regulamos as empresas e o comércio está além da nossa esfera de controlo.

“O que os líderes de negócio estão a afirmar é que é necessária uma alteração profunda nos nossos sistemas contabilísticos globais”

.
.

Sim, mas a verdade é que podemos afirmar que a crise económica e financeira é o exemplo perfeito de uma forma não sustentável de fazer as coisas. Acredita que se aprenderam lições com esta crise ou continuará tudo como o “business as usual”, mesmo que estejamos já a ver alguns passos optimistas dados pelas escolas de gestão, entre os quais e por exemplo, os princípios PRME? Devemos acreditar que a nova geração, ou a próxima, de líderes será mais ética e socialmente responsável?
Acredito que estamos a fazer verdadeiros progressos na área das escolas de gestão. Questões como a emergência da economia de carbono, a responsabilidade social corporativa e a substituição da responsabilidade da cadeia de valor dos produtores do “berço ao túmulo” pelo “berço ao berço” [da criação do produto à sua recriação, ou seja, a utilização do produto final como matéria prima para a produção de outro bem] são apenas alguns exemplos de questões importantes que estão a ser discutidas nas melhores escolas de gestão. Por outro lado, é claro que a Internet, com a sua capacidade inerente para os consumidores se organizarem e lançarem luz sobre uma má prática, também ajuda a conferir uma nova importância à preparação adequada dos novos gestores. Por último, os líderes do sector privado também têm filhos e netos. Se conseguirmos criar as regulações adequadas em conjunto com consumidores educados e conhecedores que apoiarão as organizações esclarecidas, estou certo que a maioria dos líderes e empregados empresariais se alinhará com o objectivo de um futuro mais sustentável.

A nova visão da Educação para o Desenvolvimento Sustentável coloca a educação no centro da cruzada para se resolverem os problemas que ameaçam o nosso futuro. Mas, e como todos sabemos, existem desigualdades enormes em termos educacionais não só entre os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos, mas também, e como poderá ter reparado e Lisboa, entre os Estados-membros da UE. De que forma é que a UNESCO aborda estas diferenças substanciais e que “bons passos” já foram dados neste sentido?
Para abordar este leque diferenciado de questões, a UNESCO diversifica o papel da educação para o desenvolvimento sustentável em quatro iniciativas distintas, ainda que sinergéticas.

 

  1. O acesso e retenção na educação de qualidade. Esta iniciativa é vista como complementar ao programa global “Educação para Todos” no mundo em desenvolvimento, mas também como uma forma de se oferecer uma melhor educação no mundo desenvolvido para os estudantes que abandonam a escola precocemente e se transformam em desempregados. E é também uma iniciativa que reabre a questão da “qualidade” nos nossos sistemas educativos. Será que a qualidade está somente relacionada com as pontuações em matemática e na “língua-mãe” ou existem outros factores que devem ser igualmente abordados no propósito geral da educação?
  2. Reorientar a educação existente de um objectivo de crescimento económico convencional para o desenvolvimento sustentável. Esta é talvez a mudança mais complexa, na medida em que todas as universidades, governos nacionais, pais e estudantes têm as suas próprias perspectivas sobre o que a educação deve privilegiar.
  3. Promover a consciencialização e compreensão pública do desenvolvimento sustentável. Até alcançarmos uma compreensão mais profunda sobre o significado do desenvolvimento sustentável por parte do público em geral, será difícil para os políticos e para os líderes do sector privado angariarem o apoio que necessitam por parte do seu eleitorado e dos consumidores para reorientar a prática societal no sentido de um estilo de vida mais sustentável, mas igualmente próspero.
  4. Formar trabalhadores de todos os níveis, tanto no sector público como no privado, para reorientar as suas práticas laborais e para utilizar novos métodos e tecnologias que reduzam as suas pegadas ecológicas, económicas e sociais.

“A nível global, penso que são ainda muitos os professores e os líderes educativos que nunca ouviram falar de EDS ou que a assumem como um simples ‘acrescento’”

.
.

Na conferência organizada pela The Learning Teacher Network, em Lisboa, o título da sua palestra era “Dar as boas vindas à EDS na Educação ‘Normal’”. Estamos apenas a um ano do “fim” da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável proclamada pelas Nações Unidas. São estas boas-vindas uma realidade ou apenas um pensamento desejável?
Esse foi o título da minha palestra porque este passo de nos movermos das margens para o centro das disciplinas curriculares é uma das muitas lições que aprendemos nesta Década. Precisamos de integrar a sustentabilidade nas disciplinas curriculares principais, na medida em que estas são os componentes da educação que são programados, financiados e reportados. Educar para um futuro sustentável deve ser visto como um propósito maior dos nossos sistemas educacionais em todos os níveis. A Década está a chegar ao fim, mas iremos lançar um Programa Global integrado que será anunciado em Nagoya, no Japão, no ano que vem. Ou seja, para que este tema seja “normal” no sistema educativo, temos de começar a agir já.

É o coordenador de uma rede internacional de instituições educativas que abarca 55 países, o que constitui uma ENORME tarefa. Como é que consegue gerir uma rede tão extensa e que bons resultados foram já alcançados?
Na verdade, estamos a trabalhar com mais de 70 países. Gerir não é um bom termo na medida em que somos, verdadeiramente, um grupo colaborativo de instituições que está a aprender entre si e a agir na sua própria esfera de influência. A EDS é melhor quando é localmente relevante, culturalmente apropriada e alinhada com as prioridades ou iniciativas existentes que os professores já abraçaram. Os bons resultados têm vindo a ser publicados em múltiplos documentos que podem ser acedidos no website da UNESCO. Estamos a compilar uma nova publicação de lições aprendidas e recomendações para a Conferência Mundial da UNESCO no Japão em 2014. E posso garantir que o sucesso é enorme para uma iniciativa não financiada e na medida em que os professores e os líderes educativos querem servir, naturalmente, o seu público, sendo esta uma oportunidade significativa à qual estes funcionários públicos dão as boas-vindas.

“Estamos a desenvolver um bom trabalho no que respeita a ‘pintar a escola de verde’, mas precisamos de dar o passo seguinte e ‘pintar a mente de verde'”

.
.

Acredita que os professores e os decisores, no geral, já assimilaram o quão importante é a educação para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável?
A nível global, penso que são ainda muitos os professores e os líderes educativos que nunca ouviram falar de EDS ou que a assumem como um simples “acrescento” como a educação ambiental, ou a educação global ou a educação para a paz. Contudo, assim que se envolvem com o tema, não só percebem o quão importante é, como se disponibilizam de imediato para integrar a sua força académica individual na temática. Mas, e tal como acontece com os líderes empresariais, a não ser que se reoriente todo o sistema educativo escolar e se discuta de que forma a EDS pode ser encarada como o propósito da educação, a tendência será sempre a de se relegar para pequenos actos de reciclagem ou para a plantação de hortas escolares. Estamos a desenvolver um bom trabalho no que respeita a “pintar a escola de verde”, mas precisamos de dar o passo seguinte e “pintar a mente de verde”.

E é possível partilhar que boas práticas estão já a ser levadas acabo para que os mais novos adquiram o conhecimento e os valores que integram a educação para o desenvolvimento sustentável?
Já testemunhei muitos exemplos, excelentes, de práticas reais em cada um dos continentes. O documento “Guidelines and Recommendation for Reorienting Teacher Education”, disponível no website da UNESCO, está repleto de bons exemplos práticos. Todavia, o caminho que tem de ser trilhado para os sistemas educativos exige que as escolas, os ministérios da Educação, as universidades e os governos locais consigam alinhar os conteúdos e a pedagogia das nossas instituições de ensino, formais e informais, com a criação de comunidades mais sustentáveis. E isto está a acontecer em mais de 125 cidades e regiões, um pouco por todo o mundo, Portugal incluído. Esta é uma parte do trabalho de EDS conduzido pela Universidade das Nações Unidas, que resultou nos  Centros Regionais de Especialização em EDS.

“Eu prefiro uma combinação de evolução centralizada / descentralizada de uma educação que é amplamente insustentável para uma outra que aposte na sustentabilidade”

.
.

Em termos de financiamento, de que forma é que as escolas e outras plataformas educacionais informais podem lidar com este desafio gigantesco? Existem alguns fundos especiais, por parte da UE, por exemplo, ou de outras organizações internacionais, para a disseminação da EDS?
Não estou familiarizado com os fundos europeus, mas tenho a certeza que existem. Se pensarmos na EDS como o propósito da educação, então temos de identificar as questões sociais, económicas e ambientais com as quais Portugal, neste caso, e os demais estados-membros da UE se defrontam, e com aquilo que é mais provável emergir para prepararmos os nossos estudantes para uma nova abordagem. Existem fundos também para questões como o racismo, a discriminação ou os estudos sobre igualdade. E também existem fundos para os estudantes viajarem, participarem em palestras ou envolverem-se com a comunidade. Ou seja, o principal ponto não tem a ver com o financiamento, mas com uma perspectiva inovadora da educação com qualidade que abraça a aprendizagem ao longo da vida.

Que conselhos básicos daria a um país, como Portugal, por exemplo, que está muito longe desta reorientação da educação básica e secundária para as questões do desenvolvimento sustentável?
Envolvimento no diálogo e escutar com atenção. A necessidade dos líderes educacionais seniores se juntarem e perceberem por que motivo a EDS é crucial. Assim que o conceito for “apadrinhado”, terá de haver um maior envolvimento não só com os demais professores, mas também com as demais instituições educativas para integrarem a EDS no sistema. Os componentes positivos que já existem têm de ser reforçados, mas também é verdade que algumas iniciativas já existentes têm de ser reduzidas para dar espaço a outras novas. Eu prefiro uma combinação de evolução centralizada/descentralizada de uma educação que é amplamente insustentável para uma outra que aposte na sustentabilidade. Tem de haver monitorização e pesquisa à medida que vamos aprendendo a trilhar este novo caminho. Como também deverá existir celebração e reconhecimento no que respeita às iniciativas de sucesso.

Quais são os principais temas que a UNESCO tem ainda de abordar até 2014?
Vejo a questão da seguinte forma:
Compilar o que já foi conseguido ao longo da década. O que aprendemos que parece funcionar? Como podemos implementar, a uma escala largada, projectos-piloto fantásticos, nos nossos sistemas vigentes? De que forma podemos contar com o contributo inestimável dos 70 milhões de professores existentes no mundo para participarem nas discussões sobre sustentabilidade ao nível nacional e internacional? Por último, encontrar novos parceiros nacionais para garantir o cumprimento das cinco principais áreas de EDS que serão anunciadas no mês que vem pela UNESCO.

E quais serão as principais prioridades depois de 2014?
As prioridades serão determinadas pelos governos nacionais na próxima Conferência Geral da UNESCO neste Outono e depois pela Assembleia Geral das Nações Unidas no início de 2015, altura em que os novos Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável da ONU serão anunciados. Todavia, considero que as questões que sublinhei anteriormente, especialmente a necessidade de se integrar a educação no centro do diálogo da sustentabilidade e de a utilizar como uma forma de reforçar e reformular a educação serão, decerto, prioritárias.

Editora Executiva