Num futuro que se crê não muito distante, os agentes empresariais e demais stakeholders relevantes terão interiorizado que os Boards devem representar as obrigações de intergeracionalidade das empresas, que performance financeira positiva não é sinónimo de sustentabilidade, que a visão dos resultados financeiros de curto prazo tem de dar lugar a uma visão de criação de valor do longo prazo e que, enfim, lucro e prosperidade não são conceitos equivalentes
POR MARGARIDA COUTO

Durante (muitas!) décadas, a maior parte das empresas orientou a sua estratégia para a maximização do retorno acionista. São, porém, cada vez mais os líderes globais que já compreenderam que terão de repensar o papel das empresas e dos negócios na sociedade, com a consciência de que, se não redefinirem os modelos de negócio das suas empresas mediante a integração de critérios ESG (Environmental, Social and Governance) na estratégia empresarial e na forma como as empresas operam, em breve poderão deixar de ser sustentáveis, ou mesmo de existir

Se isto é cada vez mais verdade “por esse mundo fora”, o mesmo não se pode infelizmente dizer de Portugal, onde a consciência sobre o tema é ainda diminuta, pese embora o registo de alguns tímidos avanços.

A primeira grande “pedrada no charco” nesta matéria foi porventura a carta anual que Larry Fink (CEO da BlackRock, o maior fundo de investimento do mundo) dirigiu em 2018 a todos os CEOs das empresas nas quais a BlackRock investe. Numa missiva que denominou “A Sense of Purpose”, Larry Fink afirmou desassombradamente que “a Sociedade está a exigir que as empresas, tanto públicas como privadas, sirvam um propósito social. Para prosperar ao longo do tempo, cada empresa necessita não apenas de evidenciar performance financeira, mas também de demonstrar que dá um contributo positivo para a Sociedade. As empresas têm de beneficiar todos os seus stakeholders, incluindo acionistas, trabalhadores, fornecedores, clientes e as comunidades em que operam.”

Se muitos pensaram que esta chamada de atenção não passava de um mero episódio e que em breve a BlackRock se voltaria a focar “no que realmente importa”, a carta aos CEOs de 2019 (denominada “Purpose & Profit”), dissipou quaisquer dúvidas sobre a importância que o tema está a assumir (pelo menos) para os grandes investidores. Nesta carta, Larry Fink insiste em fazer ver aos CEOs que “o propósito não é um mero slogan ou campanha de marketing; é a razão fundamental de uma empresa. É o que ela faz todos os dias para gerar valor para os seus stakeholders. O propósito não é só a busca pelo lucro, mas é a força motriz para conquistá-lo. O lucro não é de forma alguma inconsistente com propósito; de facto, lucro e propósito estão intimamente associados. As empresas que cumprirem o seu propósito e as suas responsabilidades para com os seus stakeholders colhem frutos no longo prazo. Aquelas que não o fizerem, ficarão pelo caminho”. E acrescenta: “questões ambientais, sociais e de governança serão cada vez mais significativas para as avaliações das empresas. Essa é uma das razões pelas quais a BlackRock dedica recursos consideráveis para melhorar os dados e as análises a fim de medir esses fatores e faz a integração dos mesmos em toda a nossa plataforma de investimento.” Entre muitos outros atributos, esta “segunda carta” tem o simbolismo de deixar muito claro que, pelo menos para os grandes investidores, a forma como uma empresa integra os critérios ESG na sua atividade, não só é escrutinada, como constitui fator de decisão da realização (ou não) de um investimento.

[quote_center]“O propósito não é um mero slogan ou campanha de marketing; é a razão fundamental de uma empresa. É o que ela faz todos os dias para gerar valor para os seus stakeholders. O propósito não é só a busca pelo lucro, mas é a força motriz para conquistá-lo. O lucro não é de forma alguma inconsistente com propósito; de facto, lucro e propósito estão intimamente associados”[/quote_center]

Pelo menos “lá fora”, este movimento parece imparável. Segundo informação divulgada recentemente, dos 85 “triliões” de ativos sob gestão de fundos de investimento, cerca de 23 incorporam informação não financeira da empresa alvo – incluindo dados sobre os critérios ESG –, no processo de decisão de investimento, e esse número está a crescer de forma constante a uma taxa de 25% ao ano. Também um estudo recente da Ernst & Young concluiu que só uma percentagem inferior a 15% dos investidores não desistiria de um determinado investimento se soubesse que a operação da empresa em causa incorpora riscos de violação dos direitos humanos ou de má gestão do impacto ambiental.

Apesar de em Portugal o tema ainda não ser central à agenda das empresas, lá vai, apesar de tudo, fazendo o seu caminho, pelo menos “no mundo financeiro” – no final do ano passado, a CMVM dedicou a sua Conferência Anual ao tema “Sustainable FinanceThe Road Ahead” e, em março deste ano, submeteu a consulta pública um documento de reflexão sobre Finanças Sustentáveis. Enquanto entidade que congrega mais de 160 empresas que têm genuínas preocupações de sustentabilidade empresarial e de responsabilidade social corporativa, o GRACE participou, naturalmente, nesta consulta como parte interessada, procurando contribuir para a reflexão sobre um tema que, na sua visão, é de grande relevância não apenas para o futuro do “mundo financeiro”, como para o de todo o ecossistema empresarial.

É certo que esta caminhada com vista a uma desejada mudança de paradigma no que se refere ao papel das empresas na sociedade, não se afigura fácil. Mas é igualmente certo que são cada vez maiores os sinais de esperança. Por exemplo, de acordo com uma pesquisa recente da Deloitte, mais de 63% dos trabalhadores Millennials, quando questionados sobre qual deveria ser o propósito principal das empresas, responderam que “melhorar a sociedade” é mais importante do que “gerar lucro”. Tendo em conta que a geração Millennial, além de constituir, já hoje, uma percentagem muito relevante da força de trabalho da maior parte das empresas, é a geração que, em breve, liderará o futuro das organizações e dos Governos, sendo que o atual estado de coisas acabará por mudar. Num futuro que se crê não muito distante, os agentes empresariais e demais stakeholders relevantes terão interiorizado que os Boards devem representar as obrigações de intergeracionalidade das empresas, que performance financeira positiva não é sinónimo de sustentabilidade, que a visão dos resultados financeiros de curto prazo tem de dar lugar a uma visão de criação de valor do longo prazo e que, enfim, lucro e prosperidade não são conceitos equivalentes.

E, quanto mais clara for a correlação positiva entre alta performance na integração de critérios ESG na atividade das empresas e superior performance financeira, mais rápido se fará esse caminho.

Margarida Couto, Presidente do GRACE em representação da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados

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