Justamente considerado um dos maiores pensadores da história da humanidade, o grego não era obviamente economista. A profissão nasceu mais de dois mil anos após o seu desaparecimento. No entanto, é autor de economia, política e de tantas coisas que nos dizem respeito. Tem reflexões que nos espantam pela sua substância e modernidade e talvez as suas imprecações contra o poder corrosivo do dinheiro sejam agora mais relevantes do que nunca
POR PEDRO COTRIM

Costuma citar-se Aristóteles entre os primeiros pensadores de economia. No entanto, a sua abordagem é (ainda) embrionária: para os seus contemporâneos, o economista é para a casa (oikos) o que o político é para a cidade; cabe-lhe arte de garantir o bem-estar (do senhor e de outros membros livres no caso do oikos, do cidadão no da cidade). Mas nas suas reflexões não se incluía nenhuma visão particular sobre o dinheiro.

Em Ética, o dinheiro é mencionado no final de uma série de deduções. Para que haja troca, tem de ser possível tornar comensuráveis os termos de troca, ainda que heterogéneos, o que apenas é possível através do uso de uma medida comum – χρεία. O dinheiro surge então como o substituto do χρεία. Aristóteles não se centra nas origens, mas nas condições de uso do dinheiro. Mas se as duas primeiras etapas da evolução da troca, a permuta e o uso de um valor padrão, não são mencionadas neste livro, admite-se implicitamente o padrão em Política, com o dinheiro a surgir das necessidades de troca.

Esta teoria, de que o dinheiro surge para simplificar as operações comerciais multiplicadas pelo desenvolvimento da sociedade, tem sido consagrada pelos historiadores. Quando as transacções começaram a tornar-se mais activas e mais variadas, foi necessário adoptar um novo meio de troca. A economia natural foi substituída pela economia monetária. A única contribuição para esta paráfrase pura e simples do texto de Política consistiu em tentar datar o aparecimento do dinheiro, situando-o nos primeiros séculos d. C, e em localizá-lo, na maior parte das vezes, nas cidades jónicas.

Na visão de mundo de Aristóteles, o político e o económico estão subordinados à ética. É também em Ética a Nicómaco que encontramos reflexões mais elaboradas sobre valores e dinheiro. A própria ética está sujeita ao primado da natureza. O que é natural para o indivíduo, para a família, para a aldeia e para a cidade, é a busca pela felicidade, por viver bem. A felicidade pressupõe, antes de tudo, a satisfação das necessidades materiais e, portanto, baseia-se na actividade agrícola, na pecuária, na caça, na pesca e no fabrico de objectos.

Aqui, como noutras instâncias da sua obra, o estagirita insiste nas virtudes da moderação. Devemos precaver-nos contra qualquer excesso no consumo de bens materiais, contra o qual Aristóteles até defende uma certa frugalidade, mas não excluindo refinamento nem diversos prazeres. Para o homem de espírito, contudo, a felicidade realiza-se na procura da verdade, na contemplação da beleza, no cultivo de relacionamentos amorosos e de amizade.

Os homens procuram juntos a felicidade. A cidade, que os une, é um organismo natural, tal como a aldeia e a família. O homem é um animal cívico – ou um animal político, e esta é uma das suas frases mais famosas. «Política» vem obviamente de polis, sendo a cidade a forma do estado na Grécia antiga. A polis é um encontro de cidadãos que administram o seu funcionamento, que se dedicam a actividades militares, desportivas, artísticas, literárias e filosóficas; o trabalho manual é incompatível com tais actividades.

Para Aristóteles, a economia é distinta da ética e da política, sem ser independente destas outras dimensões da actividade humana. Segundo o filósofo, a auto-suficiência económica seria a situação ideal para o domínio familiar, ou, pelo menos, para o da polis, mas é um ideal inatingível, dado que tudo o que é necessário para a subsistência não pode ser produzido num só lugar. É assim que surge a divisão do trabalho e a troca e, portanto, o valor e o dinheiro. A partir desta génese, Aristóteles propõe uma descrição que prenuncia a reflexão económica moderna.

Note-se que, para o estagirita, as actividades de subsistência englobam todas as práticas de autoconsumo, autoconstrução (construção da casa) e auto-abastecimento (obtenção, a partir de si próprio, sem passar pelas redes habituais do mercado, de bens que não se pode produzir). É tudo o que fazemos nós mesmos, por nós mesmos e para nós mesmos com base nas nossas próprias forças, nos nossos próprios recursos e nas nossas próprias necessidades. É importante sublinhar que o aqui prefixo reflexivo ‘auto’ não deve ser entendido como significando ‘sozinho’ nem ‘individualmente’, pois as actividades de subsistência são baseadas na cooperação e na ajuda mútua. Na maioria das vezes, são partilhadas e, de qualquer modo, estão sempre inseridas em formas de vida comunitária, sejam familiares, de vizinhança ou de grupos: são feitas em conjunto, mesmo que beneficiem apenas uma família.

Aristóteles distingue os dois usos específicos de cada coisa: um uso adequado, de acordo com a sua natureza, e um uso não natural, ou seja, para adquirir outro objecto, por meio de venda ou troca. É a distinção entre valor de uso e valor de troca que será assumida pelos economistas clássicos.

A questão da troca justa é colocada pelo grego no Livro V de Ética a Nicómaco, dedicado à justiça. O preço justo faz parte de uma concepção de troca que é, acima de tudo, ética. Troca mercantil e justiça são inseparáveis, e a questão do nível de preços surge sob a forma de uma teoria de justiça económica. Na boa economia, o nível de preços é determinado pelo encontro entre dois agentes económicos que desejam ser justos entre si. A justiça dos preços é menos uma questão do nível do preço do que da intenção dos agentes económicos. O preço certo é concebido sobretudo na atenção ao outro e às suas necessidades, sendo inseparável dos agentes económicos virtuosos que se preocupam com a justiça.

A concepção aristotélica do preço justo é mobilizada pelos actores do comércio justo quando consideram que o preço correcto é aquele que deve permitir ao pequeno produtor viver bem do seu trabalho. Esta definição é a única que realmente corresponde a um comércio justo, e apenas esta concepção de determinação de preço é compatível com a ideia de um preço verdadeiramente justo: quando o preço resulta de uma deliberação entre agentes económicos preocupados com as suas necessidades estamos realmente perante um preço justo. O comércio justo estará naturalmente relacionado com as posições de Aristóteles sobre a crítica ao comerciante e o lucro captado pelos intermediários. Na boa ‘economia aristotélica’, como no comércio justo, o preço justo é, antes de tudo, aquele cujos agentes económicos, desejando ser justos, questionam as condições de formação e o nível, e não aquele a que o funcionamento do mercado conduz de modo automático.

Evidentemente que as actividades de subsistência são o fundamento insuperável da vida; se pode haver produção de subsistência sem produção de mercadorias, o inverso não é verdadeiro, como mostra o facto de que, desde o início da era industrial, ser a produção de subsistência a garantir a vida e a sobrevivência das pessoas. Haverá sempre um mínimo de actividades de subsistência, mesmo num mundo totalmente industrializado, onde podem ser limitadas a actividades estritamente individuais de sobrevivência. Mas este fundamento, que se pode dizer invisível, uma vez que as actividades de subsistência são tão ocultas, como o trabalho doméstico, não é apenas a condição de produção de mercadorias, uma vez que se baseia em princípios opostos. O resultado é que qualquer aumento de riqueza de uma sociedade significa uma regressão nas actividades de subsistência e vice-versa; uma regressão infinita a uma assimptota que nunca pode conduzir à eliminação completa.

É na análise da génese, da natureza, do papel e das funções do dinheiro que Aristóteles é mais moderno. O dinheiro procede naturalmente da divisão do trabalho e da troca. É, portanto, uma instituição humana necessária. No entanto, não é natural, mas legal, sendo o seu valor o que lhe é dado. Aristóteles apresenta claramente as funções do dinheiro tal como elas ainda são explicadas hoje nos livros didácticos: unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. É esta última função que abre caminho para problemas e excessos. O dinheiro é descolado do seu uso comum e pode tornar-se objecto de desejo.

Aristóteles aceita o comércio quando é usado para trocar mercadorias, mas condena a actividade quando visa exclusivamente o enriquecimento. O comércio torna-se, então, «uma profissão que assenta inteiramente sobre o dinheiro, que sonha apenas com ele, que não tem outro elemento ou fim, que não tem fim onde a ganância possa parar», como afirma em Política.

Ainda neste livro, o estagirita vê com grande pessimismo o empréstimo remunerado, que permite obter, a partir de uma soma de dinheiro, uma quantia maior pelo simples facto de se dispor dela por um período de tempo. Este é um ganho não natural, porque o dinheiro não faz pouco: «O que poderia ser mais odioso, especialmente, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais, e assim desviar a moeda de seu destino original?», ainda em Política.

Aristóteles recorre ao mito de Midas e discorre sobre a possibilidade de o dinheiro destruir a sociedade. Afirma, em Política, que «não há limites para a dureza a ganhar daqueles que desejam dinheiro por dinheiro e tudo medem tudo pelo critério desse padrão». O dinheiro passa, assim, a desprender-se do mundo real, da natureza e pode até levar à morte, como ilustra a parábola do rei que teve de comer ouro.

Qual deve ser então o lugar do poder público na esfera económica? O Código de Hamurabi, de 1.700 a. C., recorda-nos, à nossa luz, que desde os primórdios dos tempos, o Estado é utilizado para regular a economia; provavelmente porque, desde o início dos tempos, os nossos antepassados perceberam que a regulação pelos próprios actores conduzia a uma desordem inaceitável. Terão então as crises económicas o poder de mudar as sociedades? Avizinha-se mais uma pelo advento da IA e do ML e daqui a uns anos haverá mais uma resposta. Depois se verá.