Pelo 5º ano consecutivo, a revista Forbes, conhecida pelos inúmeros rankings a que se dedica ao longo do ano, classificou as 72 pessoas mais poderosas do mundo. Putin é o grande vencedor, destronando Obama e o Papa Francisco entra directamente para um honroso 4º lugar. Europeus e mulheres são poucos, com excepção para Merkel, que se mantém no top 5, numa lista que inclui até um traficante de droga
POR HELENA OLIVEIRA

Quanto maior o poder, maior o abuso, afirmava o filósofo político Edward Burke, nos anos idos de 1800. E quanto mais rankings existem sobre os mais poderosos do mundo, mais a imprensa, em particular, a norte-americana, se esforça por dissecar o seu significado, por mais subjectivo que este seja. O que os media norte-americanos não estavam à espera é que, segundo a Forbes, o homem mais poderoso do mundo em 2013 é Vladimir Putin, destronando o presidente Obama facto que, segundo os analistas, coloca em causa a autoproclamada “maior nação do mundo”.

Saber que o actual presidente da Rússia (com a possibilidade de continuar enquanto tal até 2024),um dos antigos homens fortes do KGB, que possui um controlo apertado sobre as enormes reservas de gás e petróleo do país a que preside, não se preocupando minimamente com as críticas europeias ou norte-americanas no que respeita ao incumprimento de muitos dos direitos humanos consagrados internacionalmente, ocupa o primeiro lugar de um ranking de poderosos, à frente do seu homónimo norte-americano, constitui um golpe duro não só para o derrotado Obama, como também para os 320 milhões cidadãos da terra de todas as oportunidades.

Dado que todos os rankings, por mais sensatas que sejam as suas dimensões de avaliação de critérios, pecam por alguma (?) objectividade, a verdade é que não são só os americanos, conhecidos por adorarem estas classificações ou tudo o que seja representado por números e estatísticas, que os comentam e tiram ilações sobre os resultados. O VER não resistiu e foi pelo mesmo caminho. Afinal, num mundo com 7, 2 mil milhões de habitantes, saber quem ocupa os 72 primeiros lugares no pódio dos mais poderosos ajuda a compreender as diferentes formas de usar, abusar, conferir ou deter poder face aos comuns dos mortais.

Todavia e antes de darmos a conhecer os principais nomes da nova lista publicada pela Forbes, consideremos as quatro dimensões de critérios utilizados pela revista para se chegar aos 72 nomes finais (um por cada 100 milhões de habitantes do Planeta Terra). De uma forma generalista, o ranking avalia o poder do candidato sobre um número significativo de pessoas; os recursos financeiros controlados por cada uma das pessoas em causa; se o candidato exerce poder em esferas múltiplas e, por último, de que forma utiliza, activamente, esse poder. Assim, e para calcular as classificações finais, os editores da Forbes posicionam os candidatos em cada uma destas quatro dimensões de poder e fazem a sua média. Adicionalmente, existem outros critérios mais “refinados” que servem para grupos específicos de potenciais poderosos – como por exemplo, os chefes de Estado, para os quais se utiliza o valor do PIB do país correspondente, enquanto para os CEO, incluem-se também o valor dos activos e das receitas das empresas que lideram. O mesmo acontece com aqueles que têm fortunas pessoais líquidas muito elevadas.

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Assim, e imaginando que as “médias” foram devidamente ponderadas, o top 5 dos mais poderosos inclui o já mencionado Putin, seguido por Obama, pelo presidente chinês Xi Jinping, pelo Papa Francisco e pela chanceler alemã Angela Merkel.

Chamada de atenção número 1: os cinco mais poderosos do mundo abrangem nomes da política mundial, os senhores e a senhora do mundo, mas também o Chefe do Vaticano, líder espiritual de 1,2 mil milhões de católicos. O que nos faz questionar de imediato o significado de poder, sendo que, no caso do Papa Francisco e, de acordo com as suas próprias palavras, o poder que possui é o de “servir”.

Considerado, até agora, como o Papa mais “genuíno” de sempre, na medida em que está a quebrar, continuamente e desde o seu primeiro dia, protocolos rígidos que têm caracterizado a função de “Chefe máximo dos católicos” desde há muitos séculos, comparativamente a rankings anteriores (a primeira listagem da Forbes dos mais poderosos – e influentes – remonta a 2009), o Papa Francisco ocupa a melhor posição até agora, sim, mas também o seu antecessor, Bento XVI, se manteve ao longo de dois anos na 5ª posição (2010 e 2012), contra um 11ª lugar em 2009 e um 7º alcançado em 2011. Assim, e em termos de poder, o “poder” do Papa Francisco parece ainda não espelhar (tão significativamente como se poderia pensar) as reformas que já fez e que promete continua a realizar na Igreja, “chamando a si” muitos católicos que, entretanto, se foram afastando da sua fé. Teremos, assim, de esperar, pelo ranking do próximo ano para sabermos se aumenta, realmente, o número de pessoas sobre as quais este Papa, sui generis, sem dúvida, poderá exercer o seu poder de serviço.

O “pato coxo” e o presidente que gosta de mostrar os músculos
É verdade que o ano de 2013 não tem sido muito favorável à popularidade de Obama. A oposição dos republicanos à implementação do plano de saúde ObamaCare, a que se seguiu o “shutdown” do país, com o presidente a não vacilar, é certo, em conjunto com o escândalo despoletado por Edward Snowden face `espionagem levada a cabo pela National Security Agency (NSA) e a não intervenção na Síria – considerada por muitos dos seus compatriotas como uma “fraqueza” – decerto que contribuíram para a sua perda de poder relativo. Adicionalmente, a recuperação lenta da economia, a ascensão da China no xadrez global – bem representada pelo 3ª lugar ocupado pelo secretário-geral do Partido Comunista Chinês -, as acusações de que tem sido alvo devido à utilização dos polémicos drones, tudo isto, bem cozinhado, parece ser suficiente para destronar Obama e para a própria Forbes o ter intitulado de “pato coxo”(lame duck, na expressão em inglês).

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Mas e como chamava a atenção o The Independent, bem como outros órgãos de comunicação social, o que parece necessitar de revisão é, neste caso, “o cliché da geopolítica”, o qual, pelo menos desde o final da Guerra Fria, considera, inevitavelmente, a presidência norte-americana como um apêndice obrigatório ao título de “mais poderoso do mundo”. Todavia e no caso em particular de Obama, desde 2009 – ano em que a revista Forbes deu início a este ranking em particular – foi a segunda vez que o presidente norte-americano não encabeçou o top do poder. O lugar cimeiro foi ocupado, em 2010, pelo antigo presidente chinês, Hu Jintao, sendo que agora parece ter chegado a hora do presidente russo.

Conhecido em todo o mundo pelo sua composição atlética – é praticante acérrimo de artes marciais – que muito jeito deve ter dado ao ex-agente e chefe dos serviços secretos soviético e russo, do KGB e FSB, respectivamente, Vladimir Putin é frequentemente fotografado, em tronco nu, a andar a cavalo, a pescar, a caçar, a nadar, a sair ou a entrar de submarinos, entre um conjunto de outras actividades às quais junta o governo da Rússia, seja enquanto presidente ou primeiro-ministro, desde a resignação de Boris Iéltsin em 1999. Indiferente às acusações de corrupção e autoritarismo do seu governo, à violação dos direitos humanos, à queda, em larga escala, da liberdade de imprensa no seu país, aos protestos contra alegadas fraudes eleitorais, Putin não se pode queixar, ao contrário de Obama, das boas surpresas que 2013 lhe tem trazido. O caso protagonizado por Edward Snowden, “recebido” na Rússia quando ninguém o queria asilar, contribuiu para ganhar uma imagem de simpatia por parte dos muitos que se chocaram com os actos de espionagem “exacerbada” levada a cabo pela NSA e, por conseguinte, pela presidência norte-americana.

Todavia, a grande jogada de mestre foi o papel que protagonizou nos meandros diplomáticos globais, quando “conseguiu convencer” a Síria a mostrar e, seguidamente, a deixar destruir o seu arsenal químico. Enquanto membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com direito a veto, a Rússia, em conjunto com a China, bloqueou qualquer resolução que propusesse uma acção militar com enquadramento internacional na Síria. Depois de afirmar que “seria muito triste se os Estados Unidos iniciassem acções militares unilaterais contra a Síria”, de apelar aos norte-americanos, num artigo no famoso The New York Times, que “um ataque (à Síria) aumentaria a violência e desencadearia uma nova onda de terrorismo que poderia prejudicar os esforços multilaterais para resolver o problema nuclear iraniano e o conflito em Israel e Palestina, desestabilizando ainda mais o Oriente Médio e o Norte da África, podendo desequilibrar todo o sistema internacional”, o presidente russo conseguiu acordar, após uma reunião com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, esta resolução pacífica. Na altura, um grupo significativo de cidadãos russos propunha já Vladimir Putin para o Nobel da Paz. Este viria a ser ganho, como sabemos, exactamente pela Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPCW, na sigla inglesa).

Todavia e independentemente de a personagem ter ganho papel principal no teatro global, será justo afirmar que Putin “merece” – mesmo tendo em conta os critérios utilizados – o lugar de homem mais poderoso do mundo? De acordo com a imprensa, e não só a norte-americana, claro que não.

A título de exemplo, o jornal The Guardian apelida esta “coroação” como um absurdo, apesar de contribuir com alguns dados que podem explicar não tanto a ascensão de Putin, mas antes a queda de Obama. O jornal britânico chama a atenção para a “derrota estratégica” sofrida pelos Estados Unidos na última década no Iraque e no Afeganistão, a qual demonstra que existem “limitações no poder norte-americano para impor a sua vontade em pessoas preparadas para ripostar”, em conjunto com a recessão financeira que estalou em 2008, a qual acelerou o declínio de todo o Ocidente, marcando aquilo que muitos analistas apelidaram de “o fim do mundo unipolar”. O Guardian escreve ainda que apesar de Bush ter destruído “o mito da invencibilidade do primeiro império verdadeiramente global”, que o dito império ainda subsiste. Para a revista britânica, a América continua a ser, de “forma esmagadora”, a nação mais poderosa do mundo, tanto a nível militar como económico.

Por seu turno, o The Independent opta por sublinhar uma verdade fundamental sobre a natureza do poder. Em termos de “hard power”, a América continua a reinar sozinha, na medida em que “o seu orçamento para a defesa excede o dos 10 países seguintes em termos de valor combinado, a sua capacidade de enviar tropas e armamento para qualquer que seja o canto do mundo é única e (tal como a saga da NSA confirma) a sua superioridade tecnológica é indiscutível”. Mas o The Independent também admite que, não sendo as coisas assim tão simples, o poder reside na percepção que dele se tem ou, por outras palavras, na prontidão inerente a um Estado ou a um individuo para o demonstrar. Assim, “a performance lenta” relativamente à Síria por parte de Obama sugere, de acordo com o jornal em causa, que o presidente “não está muito confortável neste papel” e que Putin “não é homem para ter estas dúvidas”.

E, apesar de tudo, no ranking em geral, não há quem destrone os norte-americanos, pelo menos em número. Das 72 personalidades que compõem o ranking, 28 são dos Estados Unidos, sendo que, na sua maioria, os poderosos incluem os patrões empresariais – com Michael Duke, CEO da Wal-Mart a ocupar o 10º lugar e a ser considerado o maior empregador privado do mundo, dando trabalho a 2,1 milhões de pessoas – mais o já habitual presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke (7º), o sempre presente Bill Gates, cuja 6ª posição decorre não só da sua imensa fortuna pessoal, mas também dos resultados que tem tido com a sua fundação, sem esquecer ainda os mestres das empresas tecnológicas, como Sergei Brin e Larry Page, da Google (17º), Tim Cook da Apple (19º) ou o fundador e CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, que ocupa a 24ª posição.

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Mulheres e europeus em minoria no pódio do poder
Bem segura no top 5, apesar de ter descido do 2º (2012) para o 5º lugar, encontra-se a chanceler alemã, Angela Merkel a qual, de acordo com a Forbes, carrega nos ombros o destino do euro. O ranking das mulheres mais poderosas do mundo é mais antigo do que o presente aqui citado, sendo que Merkel tem sido presença assídua no mesmo, posicionando-se sete vezes no top 5 desde 2004. Segue-se, como segunda mulher com mais poder, a presidente do Brasil, Dilma Youssef , que ocupa a posição 20 no ranking gera, tendo descido duas posições face a 2012. A presidente da sétima maior economia do mundo, com um PIB de cerca de 2,4 biliões de dólares, tem vindo a sofrer algumas revezes na sua popularidade interna, mas dado que o seu país será o anfitrião do Campeonato Mundial de Futebol em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016, o seu poder permanece quase intacto. Dilma foi uma das maiores críticas dos Estados Unidos no que respeita ao escândalo de espionagem da NSA, tendo cancelado uma visita aos Estados Unidos depois de informações terem vindo a lume de que a Agência de Segurança espiava os seus emails. Logo a seguir, na posição 21, encontra-se Sonia Ghandi, presidente do Congresso Nacional Indiano, Christine Lagarde, responsável do FMI, em 35º, Geun-hye Park, presidente da Coreia do Sul , na posição 52, e Margaret Chan, directora-geral da Organização Mundial da Saúde, em 59º.

Todavia e de acordo com a própria Forbes, as nove mulheres que fazem parte do ranking representam apenas 12% do total de mais poderosos (sendo que constituem 50% da população), apesar de e mesmo assim, essa percentagem ter aumentado face a 2011 e 2012, anos em que estas representavam apenas 4,4% do domínio mundial.

No seguimento das “minorias”, de destacar igualmente as classificações dos europeus. Da União Europeia, o único a ter honras de classificação é Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, que ocupa a 9ª posição. Segue-se o primeiro-ministro britânico, David Cameron (11º), o presidente francês, François Hollande, nº 18 e o alemão Martin Winterkorn (presidente do Grupo Volkswagen), em 49º lugar. E nenhum outro representante do Velho Continente.

Para terminar este ranking do poder, apenas uma curiosidade: o traficante de droga, Joaquin Guzman Loera, líder do cartel mexicano Sinaloa, que desceu quatro lugares face a 2012, ocupa agora a 67ª posição neste ranking , integrando também o ranking dos mais ricos do mundo.

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Editora Executiva