Laureado com o Prémio Carlos Magno, um dos mais antigos da Europa e que visa distinguir personalidades que, de alguma forma, tenham contribuído para a sua unificação, Francisco acabaria por dividir o palco com os três presidentes das mais importantes instituições europeias. Aproveitando o simbolismo da ocasião, o Papa não deixou escapar a oportunidade de, mais uma vez, partilhar a sua visão crítica, ainda que esperançosa, de uma Europa em declínio, afastada da sua essência e que precisa de um “updating” urgente de humanismo
POR
HELENA OLIVEIRA

O que poderia ser uma cerimónia pacata, com os discursos de circunstância comme il faut e as habituais palmadinhas nas costas, acabou por ser mais um verdadeiro “atestado médico” passado à Europa e aos seus Estados-membros. E o responsável pelo mesmo parece ser o único que consegue, sem floreados, mas com um discurso brilhante de tão simples, inventariar os principais males de que padece “esta avó [Europa] (…) cansada, envelhecida, já sem fertilidade ou vitalidade”. Sim, quem o (re)afirmou foi o Papa Francisco, vencedor do Prémio Carlos Magno, e na presença dos “três presidentes da Europa”, todos eles também já laureados com o mesmo galardão: Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia e Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu.

[pull_quote_left]O prémio em causa, formalmente conhecido em inglês como International Charlemagne Prize of the City of Aachen, é um dos mais prestigiados e antigos da Europa, sendo atribuído anualmente desde 1950 pela cidade alemã de Aachen[/pull_quote_left]

O prémio em causa, formalmente conhecido em inglês (mais do que em alemão) como International Charlemagne Prize of the City of Aachen, é um dos mais prestigiados e antigos da Europa, sendo atribuído anualmente desde 1950 pela cidade alemã de Aachen. Com o objectivo de distinguir personalidades que tenham contribuído, de forma legítima, para a unificação europeia, tradicionalmente é entregue ao vencedor na Quinta-feira da Ascensão (5 de Maio) e, obviamente, na cidade que o outorga. Mas, este ano e excepcionalmente, a cerimónia ocorreu no Vaticano, na sexta-feira, dia 6, precedida por uma reunião à porta fechada, entre o Papa Francisco e os três senhores que, supostamente, devem presidir aos destinos da Europa, a mesma que celebrou o seu “dia” na passada segunda-feira, 9 de Maio. Esta excepção à regra já teria acontecido uma vez, nomeadamente em 2004, quando João Paulo II receberia também uma “versão extraordinária” do mesmo Prémio, “dividindo-o” com o político irlandês Patrick Cox (o qual foi também presidente do Parlamento Europeu).

Seguindo a tradição do prémio é costume o vencedor do ano anterior discursar perante o novo laureado. Assim, e como foi Martin Schulz que levou o Charlemagne Prize para casa em 2015, a sua ida ao Vaticano estaria já prevista. Mas e como refere Bernd Büttgens, porta-voz da Fundação Aachen, a ideia de reunir também no mesmo local Juncker, vencedor do Prémio em 2006 e Tusk, em 2010, numa altura “de desespero” [para a Europa], “pareceu-nos de um enorme simbolismo”. Simbólica e não convencional foi também a decisão do próprio Vaticano em convidar os três presidentes a discursarem na sua própria língua – Schulz em alemão, Juncker em francês e Tusk em polaco – e não existir a habitual tradução simultânea das palestras, num claro apelo à “união na diversidade” que tanta falta está a fazer à própria Europa. Todavia e aos convidados – tão variados como os reis de Espanha, o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi ou a chanceler alemã Angela Merkel (galardoada também em 2008) – foram distribuídas cópias dos discursos, devidamente traduzidos.

[pull_quote_left]Simbólica e não convencional foi a decisão do próprio Vaticano em convidar os três presidentes a discursarem na sua própria língua – Schulz em alemão, Juncker em francês e Tusk em polaco –, num claro apelo à “união na diversidade” que tanta falta está a fazer à própria Europa[/pull_quote_left]

Uns dias antes da entrega do galardão, Martin Schulz e Jean-Claude Juncker assinariam, em conjunto, um editorial no jornal alemão Die Welt, no qual recordaram que “os valores são a alma da Europa”, que esta precisa de “olhar para as suas pessoas, defendendo e assegurando a sua dignidade” e elogiando o Papa como um não-europeu que tem uma “visão legítima do que mantém a Europa unida”. No mesmo editorial, o presidente do Parlamento Europeu e o presidente da Comissão Europeia sublinharam ainda o poder económico do Velho Continente, os seus feitos no que respeita à manutenção da paz e o desafio comum apresentado pela crise dos refugiados como argumentos para tornar a Europa mais forte.

Todavia, não foi somente a bênção de Francisco que os representantes das três instituições europeias por excelência receberam na cerimónia de atribuição do Charlesmagne Prize, mas também a tal “visão” que o chefe da Igreja Católica tão bem já soube expressar em outras ocasiões, nomeadamente no que respeita ao trabalho que (não) está a ser feito no Velho Continente.

Retomando, de certa forma, o vigoroso discurso que fez, em Novembro de 2014, no próprio Parlamento Europeu – e que muito impressionou o comité responsável pela atribuição do prémio – Francisco elegeu como temas fortes da sua mensagem a questão fracturante dos refugiados e o facto de os jovens europeus – “mal tratados” sobretudo em questões de emprego e dignidade – terem dificuldade em responder ao apelo de serem eles os “protagonistas” no projecto de (re)construção da Europa, na medida em que não lhes são oferecidas, no interior do continente onde vivem, as oportunidades e valores que “mereceriam”. Apesar de o seu discurso ter sempre subjacente uma mensagem positiva, de fé e de esperança, o Papa colocou, mais uma vez, o dedo nas feridas que mais estão a fazer sangrar a Europa. E, num outro gesto simbólico, apresentou a sua própria versão do famoso discurso de Martin Luther King Jr. – “I Have a Dream” – e fez saber que também ele tem um sonho, desta feita para a Europa, que nada tem a ver com a realidade que se vive hoje no interior das suas fronteiras.

“A Europa precisa de uma ‘transfusão de memória’”

Apesar de o mundo inteiro já saber que este Papa não tem “papas na língua” e que a avaliação que faz dos líderes europeus, no geral, é crítica, poder-se-ia esperar, mesmo assim, que seguisse a mesma linha escolhida por Schulz e Juncker no editorial do jornal alemão, e se esforçasse por elencar alguns “bons exemplos” da Europa na actualidade.

[pull_quote_left]Num outro gesto simbólico, o Papa apresentou a sua própria versão do famoso discurso de Martin Luther King Jr. – “I Have a Dream” – e fez saber que também ele tem um sonho, desta feita para a Europa, que nada tem a ver com a realidade que se vive hoje no interior das suas fronteiras[/pull_quote_left]

Mas não foi o caso, antes pelo contrário. O que o Papa optou por fazer no início do seu discurso foi recordar – e saudar – a geração dos que ajudaram a construir “os fundamentos para um bastião de paz, um edifício feito de um conjunto de estados unidos não pela força, mas pelo compromisso livre em prol do bem comum” e que foram responsáveis pelo facto de “a Europa, há tanto tempo dividida, finalmente ter encontrado o seu verdadeiro ‘eu’ e começasse a construir a sua casa”.

Ora, e no presente, esta “família de povos”, que entretanto se expandiu, parece que “se sente cada vez menos nessa casa comum”. E, numa referência nada indirecta aos países que optaram por construir muros ou erguer arame farpado para travar a entrada de refugiados, o Papa afirma que, ao contrário dos que viveram com o desejo de criar a unidade, “nós, os herdeiros desse sonho, somos tentados a perseguir apenas os nossos interesses egoístas, considerando ao invés, a colocação de umas ‘cercas’, aqui e ali”.

[pull_quote_left]A Europa não está só a declinar, como está a perder a sua capacidade para ser “inovadora e criativa”, estando antes mais preocupada em “preservar e dominar espaços do que a gerar processos de inclusão e mudança”[/pull_quote_left]

Recordando a imagem que optou por passar aquando do seu discurso no Parlamento Europeu, a de uma Europa velha e infértil, o Papa afirma “ter a impressão” que a Europa não está só a declinar, como está a perder a sua capacidade para ser “inovadora e criativa”, estando antes mais preocupada em “preservar e dominar espaços do que a gerar processos de inclusão e mudança”.

Utilizando sempre esta sua “impressão”, Francisco aponta o dedo a uma “Europa entrincheirada, em vez de aberta” e, depois de uma triste “ode” a ela dedicada (v. Caixa), recorda as palavras de Elie Wiesel, o judeu sobrevivente dos campos de concentração nazis, escritor e laureado com o Nobel da Paz em 1986 [pelo conjunto da sua obra de 57 livros, dedicada a resgatar a memória do Holocausto], o qual afirmou que o que precisamos hoje é de “uma transfusão de memória”. Recordar a voz dos ‘fundadores” da Europa e não repetir erros passados ajudará a “libertar das tentações de se construir rapidamente sobre as areias movediças dos resultados imediatos, as quais podem produzir ‘ganhos políticos de curto prazo, mas não atingir a realização humana’”, como já tinha alertado também na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”.

[pull_quote_left]À “comunidade dos povos europeus” pede o chefe do Vaticano que esta seja capaz de “ultrapassar a tentação e de não ceder a paradigmas unilaterais ou optar por formas de ‘colonização ideológica’”[/pull_quote_left]

E, recordando novamente os “pais fundadores” que, num mundo cheio de “cicatrizes da guerra” ousaram não só conceber uma nova ideia de Europa, como tiveram a coragem de procurar “soluções multilaterais para problemas crescentemente partilhados”, citou ainda Robert Schuman e a sua famosa declaração: “a Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto”. E é o regresso a esta “solidariedade de facto” que o Papa preconiza, defendendo uma visão que nos exorte a não nos deixarmos contentar “com retoques cosméticos ou compromissos rebuscados para corrigirmos este ou aquele tratado”, mas sim a estabelecer “novos e sólidos fundamentos”[na sua reconstrução].

Para o Santo Padre, a “transfusão de memória” proposta por Wiesel poderá ajudar a inspirarmo-nos no passado para enfrentar com coragem o quadro multipolar e complexo do presente e aceitar, com determinação, o desafio de um “updating da ideia de Europa”. Uma Europa que seja capaz de recuperar a sua fertilidade e “dar à luz um novo humanismo baseado em três capacidades: a de integrar, dialogar e gerar”. A saber:

  • Integrar e não cair na tentação da “colonização ideológica”

Relembrando que a identidade da Europa é, e sempre foi, multicultural e dinâmica, o Papa alertou para o facto de a actividade política não se poder dar ao luxo de não encarar a urgência desta tarefa fundamental. “Sabemos que o todo é maior que a parte, mas que é também maior do que a soma de todas as partes”, disse, e isso exige que “alarguemos os nossos horizontes e que vejamos o bem maior que nos beneficia a todos”. E é-nos pedido para promover uma “integração que encontre na solidariedade uma forma de agir, um meio para fazermos história”, acrescentou, alertando para a ideia – que é tão comum nos dias que correm – que a “solidariedade não deve ser confundida com a caridade assistencialista, mas percebida como um meio de criar oportunidades para todos (…) e para uma vida com dignidade”. Adicionalmente, Francisco apontou, e sem deixar rasto de dúvida, que o tempo nos está a ensinar que a questão dos refugiados não é, simplesmente, a de uma “colonização geográfica”, antes consiste no desafio de uma profunda integração cultural.

[pull_quote_left]O que o Papa pretende é que “as pessoas sejam armadas com a cultura do diálogo e do encontro”.[/pull_quote_left]

E à “comunidade dos povos europeus” pede o chefe do Vaticano que esta seja capaz de “ultrapassar a tentação e de não ceder a paradigmas unilaterais ou optar por formas de ‘colonização ideológica’”. Afirmando que a alma da Europa é, na verdade, maior do que as actuais fronteiras da União Europeia, Francisco alerta também que, em vez do confronto, se aposte na “riqueza das suas variadas culturas e na beleza do seu compromisso à abertura aos outros”.

  • Dialogar e ensinar a boa luta do encontro e da negociação

O “novo humanismo” de que fala o Papa deverá conter e sempre a “cultura do diálogo”, a qual integra, em si mesma, “uma verdadeira aprendizagem e uma disciplina que permite considerar os outros como parceiros válidos de diálogo, a respeitar o estrangeiro, o imigrante e as pessoas de outras culturas”. Defendendo que esta cultura do diálogo deveria fazer parte integrante dos currículos académicos – devendo ser “ensinada” transversalmente e ajudando a gerir conflitos mediante formas não habituais – é igualmente urgente “a necessidade de se construir ‘coligações´ que não sejam apenas militares e económicas, mas sim culturais, educacionais, filosóficas e religiosas”. Porque nos bastidores de muitos conflitos “vive”, em muitos casos, o “poder dos grupos económicos”, sendo que com este tipo específico de coligação “seria possível defender as pessoas de serem exploradas para fins impróprios”, acrescentou ainda. Ou, em suma, o que o Papa pretende é que “as pessoas sejam armadas com a cultura do diálogo e do encontro”.

  • Porque os jovens não são o futuro dos nossos povos, mas o presente

[pull_quote_left]Se quisermos repensar a sociedade em que vivemos, precisamos também de “criar empregos dignos e bem pagos, em especial para os jovens”, o que exige modelos económicos mais inclusivos e equitativos[/pull_quote_left]

Sublinhando que a situação actual não permite que nos limitemos a ficar quietos e a observar os conflitos dos “outros”, antes sendo uma responsabilidade pessoal e social fazer alguma coisa, para Francisco deverão ser os jovens a ter um papel principal nesta cruzada, na medida em que não é possível divisarmos uma Europa na qual os mais novos não participem ou não sejam os seus protagonistas. Mas, e confessando que tem pensado muito seriamente neste assunto em concreto, o Papa questiona como é possível envolver estes mesmos jovens num processo de construção de uma nova Europa se não lhes é ofertado emprego digno e a possibilidade de desenvolverem as suas capacidades. “Como poderemos dizer-lhes que são protagonistas, quando os níveis de desemprego e sub-emprego de milhões de jovens europeus continuam a aumentar?”, questiona, relembrando que “a distribuição justa dos frutos na terra e o trabalho humano não constituem mera filantropia”, mas antes uma “obrigação moral”. E, se quisermos repensar a sociedade em que vivemos, precisamos também de “criar empregos dignos e bem pagos, em especial para os jovens”, o que exige modelos económicos mais inclusivos e equitativos.

O Papa tem um “sonho para a Europa”

Em perfeita consonância com as críticas que tem vindo a fazer à “economia que mata”, o Papa assume, mais uma vez, a urgência de se passar de uma “economia líquida, preparada para usar a corrupção como meio de obtenção de lucros, para uma economia social”, sendo que esta “passagem” permitirá não só novas perspectivas e oportunidades concretas de integração e inclusão, como também uma capacidade para divisarmos “o humanismo do qual a Europa é o berço e a fonte”.

[pull_quote_left]“Sonho com uma Europa sobre a qual não se venha dizer que o seu compromisso com os direitos humanos foi a sua última utopia”[/pull_quote_left]

Para o Papa Francisco, é neste novo humanismo que reside o seu “sonho para a Europa”: um sonho que deverá envolver um “constante trabalho de humanização”, o sonho de uma Europa que “seja jovem e que ainda consiga ser mãe”, que ofereça “ajuda fraterna aos pobres e aos recém-chegados que procuram aceitação porque perderam tudo e precisam de um abrigo”, que esteja “atenta aos mais velhos, para que estes não sejam postos de lado como inúteis” e o sonho de uma Europa “onde ser um migrante não constitua um crime, mas uma convocação em torno de um maior compromisso em nome da dignidade de cada ser humano”.

Ou, e em suma, o sonho de Francisco é o de uma “Europa de famílias, com políticas verdadeiramente concentradas nos rostos e não nos números, nas taxas de natalidade e não nas taxas de consumo”.

“Sonho com uma Europa sobre a qual não se venha dizer que o seu compromisso com os direitos humanos foi a sua última utopia”, rematou.


© eib.org
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“O que te aconteceu, Europa?”

“O que te aconteceu, Europa do humanismo, paladina dos direitos humanos, da democracia e da liberdade? O que te aconteceu, Europa, lar dos poetas, filósofos, artistas, músicos e homens e mulheres de letras? O que te aconteceu, Europa, mãe dos povos e das nações, mãe dos homens e mulheres grandiosos que defenderam, e até sacrificaram as suas vidas pela dignidade dos seus irmãos e irmãs?”. Esta passagem consta ainda do discurso proferido pelo Papa Francisco na aceitação do Charlesmagne Prize e as perguntas fazem todo o sentido, principalmente se regressarmos a segunda-feira, 9 de Maio, dia em se assinalou o aniversário da Europa, 66 anos passados sobre a apresentação da Declaração de Robert Schuman (ele próprio citado por Francisco), em 1950, que propunha a criação da Comunidade do Carvão e do Aço Europeia ou a precursora da actual União.

Apesar de “assinalado”, e porque não existem razões para celebrar, o dia da Europa passou este ano “muito de mansinho”, com a própria responsável pelas relações externas da EU, Federica Mogherini, a questionar, na sua conta do Twitter, se existem motivos para o comemorar, numa altura em que “e pela primeira vez na nossa história europeia, a UE enfrenta uma ameaça existencial”. No mesmo dia, e numa entrevista concedida ao Diário Notícias, Martin Schulz afirmava também que “a União Europeia continua a ser uma bicicleta, mas sem ar nos pneus” e que “o espírito desta comunidade de que juntos somos mais fortes está a perder-se cada vez mais”.

Na verdade, Schulz tem sido um dos mais acérrimos críticos não propriamente das instituições europeias – afinal é o mesmo homem que preside ao Parlamento Europeu – mas dos governos dos Estados-membros que “não querem uma solução”, como referiu também numa dura entrevista concedida ao Politico. No que respeita à (não) resposta dos países da UE sobre a crise dos refugiados, Schulz diz que raramente viu, em toda a sua vida política “um comportamento tão cínico”.

“São vinte os estados que estão a recusar envolverem-se no alojamento dos refugiados e, logo a seguir, estão a criticar a UE por causa de uma crise que nem sequer existiria se tivessem feito a sua parte”, afirma, acrescentando que esta ausência de vontade para uma solução é o mesmo do que “chocar com uma parede”, sendo contudo a culpa das capitais e não de Bruxelas.

Na mesma entrevista, Schulz afirma que a “renacionalização” constitui o mesmo tipo de “fantasia perigosa” que trouxe ao continente os seus problemas actuais. Incluídos nesta categoria estão os governos nacionalistas de extrema-direita, como a Polónia e a Hungria”, os quais “não estão sequer remotamente interessados em insistir na integração europeia”, mas antes concentrados em “tácticas puramente de curto prazo” apesar da consciência que têm dos benefícios de uma União Europeia mais forte”.

Ao contrário do que aconteceu com a eliminação da guerra que devastou, por duas vezes, o continente europeu no século XX, a verdade é que os antagonismos nunca deixaram de existir, sendo que as suas manifestações são variadas. O aumento dos extremismos, por um lado, traduzidos num crescente ódio e descontentamento, e o fomento de uma igualmente crescente intolerância e fragmentação, vêm recordar também as palavras proferidas por Francisco no seu discurso em 2014 no Parlamento Europeu: “ unidade não significa uniformidade”. E o maior problema parece residir no facto de o próprio projecto europeu se ter tornado, ele mesmo, uma fonte de antagonismos e contradições, traduzidas em divisões profundas que estão a emergir, em particular, entre os Estados-membros mais recentes e os mais antigos.

E é também por isso que, mais do que nunca, a Europa está a precisar de soluções alargadas, que transcendam as fronteiras e as instituições nacionais, pois nenhum Estado-membro conseguirá, sozinho, lidar com os complexos desafios que nela grassam.

E se não existiram razões para comemorar o Dia da Europa este ano, talvez Federica Mogherini tenha razão quando alerta para a sua crise existencial: “precisamos de preservar a Europa e de a reformar. É altura de mudar a nossa união para salvar a união”. E é também altura de admitir que a principal ameaça à Europa não vem da crise dos refugiados ou do terrorismo. Vem, sem dúvida, do interior das suas fronteiras.


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