«Acredito que teremos a semana de quatro dias, mas as coisas têm de ser tratadas a seu tempo. Numa fase em que as empresas se estão a tentar recompor, ainda a passar enormes dificuldades, a necessitar do empenho de todos, não se pode estar a pôr agora em cima da mesa esta hipótese. Vai realmente suceder no futuro. Já se falou dos países em que correu bem, mas há muitos países em que se tentou e a experiência não foi boa. Como em tudo o resto, é necessário preparar o caminho. Primeiro o país tem de criar riqueza, com empregos estáveis com boa remuneração e depois vamos então pensar nisso.»

– Luís Miguel Ribeiro, Presidente e Director de RH da AEP

POR PEDRO COTRIM

Bom dia, Luís. Agradeço-lhe a disponibilidade para esta entrevista. Tenho aqui o historial e se calhar começávamos mesmo pela extraordinária recuperação financeira da AEP. Como foi tudo isto possível? A AEP chegou a vender património na Exponor, não foi?

Bom dia, Pedro. Vamos a isso! O processo foi muito complexo. A AEP tinha em 2013 um passivo bancário que rondava os 98 milhões de euros. Foi necessário recorrer a um PER e fazer um sindicato bancário com dívidas e património da AEP, criar um fundo e uma sociedade aberta de capital fixo. Recorremos ao património por opção de desinvestimento da AEP em algumas áreas, nomeadamente no que toca aos parques empresariais.

Um trabalho tremendo.

Tremendo e muito rigoroso. Requereu igualmente um alinhamento perfeito entre as três equipas dirigentes que geriram todo o processo. Tratou-se do downsizing dos recursos humanos, cumprindo com toda a gente. Foram respeitados os direitos e negociadas as situações mais delicadas. Chegámos ao comum acordo com quase 100% dos trabalhadores dispensados e foram muito escassos os casos de litígio. A AEP pagou na totalidade e foi feito um trabalho de atenção ao cumprimento. Fizemos este percurso e espero que um dia isto possa ser partilhado através de um documento escrito, porque foi realmente um caso de estudo. Fechado este ciclo, a AEP regressa de forma refortalecida e inteiramente focada na sua missão.

A vida que dá um livro. E não foi num período demasiado longo.

Conseguimos antecipar em dois anos e meio a liquidação dos compromissos ao sindicato bancário. Tínhamos dez anos para o fazer, e dois anos e meio antes liquidámos tudo. Temos hoje uma situação financeira estável, temos uma estrutura de recursos humanos igualmente estável e temos uma associação empresarial focada nos propósitos e nos objectivos: representar os empresários, e uma forma de os representar é mostrar que se cumprem os compromissos, e que perante situações difíceis, se encontram soluções e se conseguem ultrapassar situações por vezes muito complexas. O facto de a AEP ter enfrentado uma situação complicada com sucesso é um exemplo apreciado pelos empresários, que se revêem ainda mais na associação.

Além do trabalho da AEP, o exemplo da AEP.

Sem dúvida. Na AEP temos absoluta noção de situações como a burocracia, a carga fiscal e outros problemas e tentamos obviar estes problemas às empresas associadas. Estamos focados na defesa dos interesses dos nossos empresários e fornecemos igualmente um conjunto de instrumentos para servir as empresas, apoiando-as nas mais diferentes áreas: financeira, de sustentabilidade, ambiental, de formação e qualificação. A AEP tem 173 anos e está focada na missão: apoiar os empresários e representá-los junto do poder central, revindicando e alertando para as questões que afectam as nossas empresas, a nossa economia e a nossa sociedade.

As empresas são uma parte enorme da sociedade e ainda surpreende que por vezes não pareça evidente.

As coisas não podem ser vistas em separado. O que afecta a economia afecta as pessoas e o que afecta as pessoas afecta a economia. O melhor apoio social que podemos dar às pessoas é um emprego digno e bem remunerado. Inserem-se na sociedade, contribuem para ela e são recompensadas por isso. Há que evitar as situações excepcionais, como o desemprego, mas se houver, terá de haver apoio. Se estamos a criar situações para as empresas serem competitivas, criamos também situações para que, em termos sociais, as pessoas tenham muito melhores condições.

Pessoas de 14 000 empresas.

Empresas associadas são cerca de 1300. Há, contudo, uma interacção diária com mais de 14 000 empresários e gestores, através da Portugal Empresarial, uma newsletter diária. Sente-se que esta casa sempre se distinguiu pela qualidade do serviço que presta e pelo rigor com que executa os programas, mas tudo isto se resume a uma coisa: pessoas, seja qual for o seu papel na sociedade. A AEP teve sempre excelentes dirigentes, muito empenhados e focados. O eng. José António de Barros delineou a solução para a saída da situação complicada. O dr. Paulo Nunes de Almeida, que me antecedeu, deu continuidade a este trabalho, impondo rigor e a mesma determinação em cumprir tudo o que assumíramos. Fui vice-presidente durante o seu mandato e acompanhei o processo. Assumi a presidência há quase quatro anos e tive grande noção de tudo o que se passou. Há imenso trabalho interno, os nossos colaboradores têm absolutamente de prestar um grande serviço aos nossos associados.

Novamente uma questão de exemplo.

É uma questão de princípio e de forma de estar na vida. Eu não distingo os compromissos familiares dos profissionais, uma vez que são todos para cumprir. Foi com este princípio que conseguimos ultrapassar esta situação e estamos agora a fazer projectos para o futuro com base neste presente mais sólido, e inclusivamente passámos a contemplar possibilidades que estavam em segundo plano.

E o que se sente ao alcançar um objectivo tão tremendo?

É um misto de missão cumprida, mas com este sentimento chega também a responsabilidade. É um problema bom. Agora consiste em divisar o futuro para a associação. Continuamos com uma aposta forte nos temas que acreditamos que melhor defendem a competitividade das empresas. Tal como desde a nossa fundação, a formação de trabalhadores e empresários, a internacionalização da economia nacional, a procura de ganhos de competitividade através de processos de inovação ou o desenvolvimento equilibrado do nosso país, são preocupações subjacentes à nossa atividade. Acerca deste último eixo de intervenção, destaco o programa Novo Rumo a Norte, uma rede de cooperação com foco no apoio às empresas, que acreditamos dever ser replicado por todo o país.

Empresas desiguais num território desigual.

A AEP está solidária com as associações empresariais de menor dimensão e menores recursos, que têm acesso a menos formação, menos apoios e menos instrumentos que as associações empresariais locais. Partilhámos know-how, partilhámos a nossa capacidade de resposta, partilhámos a responsabilidade de cada um, nunca pretendendo substituir a associação empresarial local, mas daremos sempre o apoio necessário. A coesão territorial tem de estar no discurso e na realidade.

A interioridade, um problema de sempre. Se se fecha uma fábrica ou uma empresa no interior é um sarilho, pois há duzentas pessoas sem emprego.

Duzentas pessoas sem emprego são duzentas famílias afectadas, mais as pessoas com quem se relacionam. Por outro lado é preciso ter a noção de que se fecham escolas e hospitais as pessoas não se vão querer fixar nesses sítios. Tem de se ultrapassar em muito o discurso. Uma forma de fixar pessoas é criar empregos, e cada emprego cria uma necessidade económica e de seguida uma dinâmica. Não há outro caminho para a desejada coesão territorial; assumamos então este desafio.

O caminho para o interior e o caminho para fora.

Sempre com este apoio e com esta partilha de recursos com foco nas empresas. Em termos de ir para fora, há trabalho que fazemos há quase trinta anos de apoio à internacionalização da nossa economia e das nossas empresas. Em média temos uma missão empresarial por semana, significando que actuamos muito regularmente num país diferente com empresários desse país.

Mundo globalizado, mas ainda o mundo.

Somos o maior operador privado em termos de apoios a participação em feiras e queremos continuar a desempenhar este papel. O país é pequeno, o mercado nacional deixa de ser suficiente para algumas empresas e a globalização veio abrir os mercados. Esta forma de interagir trouxe também problemas, pois pode haver ajustes na geopolítica e na geoeconomia, mas o mundo tem de continuar a ser o espaço de mercado para as empresas que assim o desejarem.

Empresas reais num ambiente político de maioria absoluta real. Pode fazer-se futurologia?

É que as empresas são mesmo reais, não são uma coisa abstracta que está por aí para ser gerida. São um dos grandes garantes do tecido social e por isso bem precisamos de as acarinhar. É difícil saber o que vai suceder a médio prazo, daqui a meses, essa é a pergunta do milhão de dólares. Como dizia o outro, as previsões são difíceis, as previsões para o futuro são ainda mais difíceis (risos). Mas a verdade é que uma maioria absoluta é um momento de estabilidade política, e num momento como o que vivemos pode ser benéfica, mas é essencial que se tratem dos assuntos há muito adiados, como as questões estruturais, sendo o aeroporto um exemplo visível. A ferrovia também é essencial. A posição geográfica de Portugal é periférica, mas é também global. É uma questão de perspectiva. Se não tivermos a ferrovia até ao centro da Europa, seremos cada vez mais uma ilha, atendendo a que o transporte rodoviário irá conhecer restrições crescentes devido à descarbonização.

Venham então as decisões e os aviões.

A questão complexa do aeroporto tem dois problemas de base: os governos pensarem em ciclos políticos, e não nas decisões a longo prazo. Nestas decisões, mais que o consenso, é necessário o compromisso entre os partidos, e não importa quem está no poder. Não se pode mudar de ministro, mudar de governo e voltar tudo à estaca zero. O investimento num aeroporto não pode ficar cinquenta anos à espera de uma decisão.

E vem aí muito dinheiro para estas e outras questões.

Vem. Vão chegar milhares de milhões de euros na próxima década. Há muitos programas comunitários a serem postos em marcha e não haverá certamente outra oportunidade como esta. Se os aplicarmos bem, asseguramos e construímos o futuro do país conforme os desafios que se perspectivam.

E na perspectiva há sempre as alterações climáticas. Um vulto indesejado.

Há que fazer bem o cronograma da essencial descarbonização, mas o timing muda. O foco mantém-se, mas a meta pode mudar e o prazo também. Há poucos meses não se duvidava do encerramento das centrais a carvão, mas agora repensou-se a situação. A questão da energia nuclear também se vai alterando. Já foi diabolizada, já foi glorificada.

Todos ambicionamos as energias limpas, renováveis.

Uma questão que terá de estar sempre em cima da mesa, e um país como o nosso, com sol em grande parte do ano, pode ter grandes projectos de aproveitamento, mas não pode pôr em causa o presente. As nossas empresas precisam dos seus timings para essa transição porque competem com empresas de todo o mundo, e há muitos países onde as empresas não têm preocupações sociais nem ambientais. O processo tem custos, tem de ser feito com a devida cautela para, em nome dessa ambição, não hipotecarmos o presente e não asfixiarmos as empresas. Há por vezes decisões que têm de ser revertidas para que tudo funcione mesmo.

Afinal alguma futurologia é possível.

Quando o Pedro me pergunta sobre o futuro, isto tudo é tido em conta. Tem de se saber lidar com esta incerteza e ter as pessoas sempre na nossa preocupação. Eu não sou fundamentalista, tento não ser. Temos a questão das barragens, por exemplo. As barragens não trouxeram mal algum ao Douro. Antes pelo contrário, até. Os puristas podem afirmar que o rio era muito mais bonito sem engulhos! O óptimo é inimigo do bom e não existe coisa como o melhor de dois mundos. Relativizar e bom senso na análise é sempre essencial. O mundo não é o lugar ideal, é o lugar onde temos de saber viver.

A AEP aderiu ao Compromisso Pagamento Pontual (CPP), credenciado pela ACEGE, e é a entidade número 2000. Esta questão de pagar a horas é essencial. O que representa para o Luís esta distinção?

Cada um de nós tem de fazer a sua parte para que o resultado final seja o pagamento a horas. Infelizmente é uma questão cultural, mas também é muitas vezes uma questão de sobrevivência. As empresas fornecem ao estado, que é um péssimo pagador. Paga tarde à empresa, que paga tarde ao fornecedor e por aí fora. Há problemas de tesouraria e de liquidez, agravados pela pandemia, agora agravados pelo aumento do custo das matérias-primas, dos transportes e da energia. Tudo contribui para que em situações mais complicadas as empresas enfrentem sérias dificuldades. Não têm, por parte da banca, a flexibilidade necessária, porque a banca está sempre disponível para emprestar dinheiro a quem não precisa, e as empresas prejudicam os parceiros e os fornecedores num círculo infernal. Nos programas com os fundos comunitários chegamos a receber a 300 dias, a 400 e até a 500. É preciso ter uma grande folga financeira para aguentar isto, a ainda há esta inflação real a onerar o credor que espera.

O credor espera e tem família. O que faz a AEP para facilitar a conciliação familiar?

Eu sou presidente da AEP, mas quis também ficar com o pelouro dos recursos humanos. O que mais me importa são as pessoas. Quero acompanhar as pessoas e perceber a forma como estão aqui dentro. As empresas e as instituições são pessoas, e se as pessoas aqui dentro estiverem bem, com estabilidade familiar, com tempo para os seus, para serem maridos, mulheres e pais, trabalharão melhor, e a produtividade aumenta e o ambiente no local de trabalho será melhor, melhorando a vida fora do trabalho.

Um círculo evidente, mas nem sempre fechado.

Porque esta conciliação tem de ser recíproca. A instituição investe nas pessoas e no seu bem-estar e a pessoas também têm de investir na empresa, a obrigação não está toda do lado das pessoas. Na pandemia bem se viu o que as empresas estiveram dispostas a fazer pelas pessoas, sendo que a protecção foi a preocupação primordial. Vivemos uma grande transição e há pessoas que ainda a vivem profundamente.

Aproveito esta transição mencionada pelo Luís e pergunto-lhe o que pensa do teletrabalho e se veio para ficar.

Diria que depende do sector. Há funções na indústria que obviamente exigem a presença do trabalhador. Quem está na linha de produção tem de lá estar. Em sectores mais tecnológicos, como a programação, ou ao nível de alguns serviços, como a consultoria ou alguns cargos de gestão, parte do trabalho pode ser feito em regime de teletrabalho, sempre numa relação de compromisso e responsabilidade. Não tenho nada a opor se houver sempre esta ressalva.

E passo agora à questão da semana de quatro dias.

Esta questão tem de ser pensada para lá da relação de trabalho. Se uma pessoa vai trabalhar quatro dias, há uma redução de vinte por cento no tempo de trabalho. De que modo é isto compensado? Há este aumento de custo de vinte por cento. O vencimento vai ser reduzido em vinte por cento?

Há a ideia de menos horas de trabalho serem mais produtivas. 

Pode haver, mas depois surge a contrapartida de a pessoa estar mais desgastada pelo trabalho árduo e não ser produtiva. E as escolas? Vão funcionar só quatro dias? Os professores vão trabalhar só quatro dias? E os serviços públicos, os médicos, os enfermeiros, todo o serviço de saúde? Isto vai ser uma revolução na sociedade. Não são apenas os quatro dias de trabalho, há muitas outras implicações. Para chegarmos a esta situação tem de haver muita ponderação. É também preciso garantir que as pessoas, com três dias de descanso, tenham rendimentos para os gozar. É menos vinte por cento de trabalho. É muito.

Mas vamos nessa direcção.

Acredito que sim, mas as coisas têm de ser tratadas a seu tempo. Numa fase em que as empresas se estão a tentar recompor, ainda a passar enormes dificuldades, a necessitar do empenho de todos, não se pode estar a pôr agora em cima da mesa esta hipótese. Vai realmente suceder no futuro. Já se falou dos países em que correu bem, mas há muitos países em que se tentou e a experiência não foi boa. Como em tudo o resto, é necessário preparar o caminho. Primeiro o país tem de criar riqueza, com empregos estáveis com boa remuneração e depois vamos então pensar nisso.

Nesta economia e nesta sociedade dinâmica, como vê o Luís o papel da ACEGE?

A ACEGE sensibiliza-nos para estes temas. Reflectimos sobre os valores fundamentais e percebemos que devem estar sempre presentes na nossa actuação, e mais uma vez não distingo o eu pessoal do eu profissional. A grande missão da ACEGE coloca na agenda estes temas e faz a parte pedagógica, essencial em tudo. Ficámos muito satisfeitos com a certificação CPP e com o facto de sermos a entidade número 2000. Acrescento que esta altura do ano é delicada para os temas da conciliação família-trabalho por causa do ano lectivo, e na AEP temos esta preocupação, temos condições para os trabalhadores terem os filhos por perto, que os aumentos dos preços impossibilitam que alguns paguem os ATL. Estamos atentos a tudo.

E porque estamos atentos a tudo, o Luís terá o seu dia com a azáfama do Presidente da AEP e de Director de Recursos Humanos. Agradeço-lhe o tempo e a simpatia e vamos então ao resto do nosso dia.

Obrigado, Pedro, foi um gosto. Vamos então tratar do dia!