A cimeira dos 20 países desenvolvidos e emergentes mais importantes do mundo terminou em Los Cabos, no México, com um “plano de acção” que teve na mira a crise das dívidas soberanas na zona euro e a vulnerabilidade da economia global
POR JORGE NASCIMENTO RODRIGUES*

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O G20 – grupo dos 20 países desenvolvidos e emergentes – puxou dos galões e disse, em comunicado final, que é “um novo paradigma de cooperação multilateral”. A assunção desta missão geopolítica – acima do papel do G7 e do clube dos BRICS – surge na hora em que a crise das dívidas soberanas na zona euro, os impactos da desalavancagem no sistema financeiro e o risco de uma recaída económica global – como aconteceu em 1938 à escala global, na anterior Grande Depressão – aparecem à cabeça das preocupações do “Plano de Acção para o Crescimento e o Emprego de Los Cabos”, aprovado na cimeira que decorreu esta segunda e terça-feira no México.

O tema da crise das dívidas soberanas na zona euro ocupou espaço predominante, a ponto da “fadiga” com esta crise por parte dos membros do G20 fora da zona euro ser evidente. Por seu lado, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, reagiu enervado aos jornalistas falando do início da crise financeira em 2007 com as práticas “não ortodoxas” da finança norte-americana, mas esqueceu a parte seguinte desta longa “cauda” da crise com a emergência da crise das dívidas soberanas na Europa.

Pressão construtiva sobre a zona euro
“A economia global permanece vulnerável”, concluíram os membros do G20, e um dos pontos críticos é a crise da dívida soberana que se arrasta na zona euro desde final de 2009. O próprio David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido, comentou que este G20 em Los Cabos serviu para exercer “pressão construtiva” sobre a zona euro. Essa “pressão” exerceu-se em dois pontos: medidas adicionais ao crescimento e uma nova arquitectura financeira mais integrada.

Como já tinha sido noticiado, a Alemanha cedeu no ponto do crescimento e, tudo o indica, na questão de “quebrar a cadeia de realimentação (feedback loop) entre as [dívidas] soberanas e os bancos”, como se afirma no comunicado final.

A viragem para a tónica no crescimento veio enroupada com um conselho mais global muito explícito no ponto 5 das medidas do Plano de Acção contra os riscos imediatos: “Se as condições económicas se deteriorarem significativamente, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Rússia estão disponíveis para coordenar e implementar medidas adicionais de apoio à procura, tomando em consideração as circunstâncias e compromissos nacionais”. Trata-se, naturalmente, de uma formulação de compromisso, que deixa uma margem de interpretação sobre o grau de deterioração.

No entanto, o comunicado e o Plano de Acção são explícitos que a consolidação orçamental nos países desenvolvidos deve “ser adequada ao apoio da retoma” no curto prazo. Uma menção especial é feita aos Estados Unidos para que “uma contracção orçamental em 2013 seja evitada”, prosseguindo uma linha de calibração entre consolidação orçamental de médio prazo e crescimento. Os países avançados e emergentes, onde houver margem orçamental, deverão deixar funcionar “os estabilizadores automáticos orçamentais”.

No caso da zona euro, o comunicado final fala da “determinação” dos seus membros presentes na cimeira em “avançaram expeditamente com medidas de apoio ao crescimento, incluindo a conclusão do Mercado Único Comum, um melhor aproveitamento do Banco Europeu de Investimentos, obrigações para projectos-piloto, fundos de coesão e estruturais com vista a investimentos mais dirigidos, a par do compromisso de implementar a consolidação orçamental”.

Por outro lado, a preocupação com evitar que as crises bancárias e financeiras de desalavancagem na zona euro penalizem as dívidas soberanas ainda mais, o G20 afirma em comunicado: “Apoiamos a intenção [da zona euro] em dar passos concretos em direcção a uma arquitectura financeira mais integrada, incluindo supervisão bancária, recapitalização e resolução e garantia de depósitos”. Uma abordagem que tem sido defendida por Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, e que é apoiada por diversos membros importantes da zona euro, como França e Itália, e especialmente tendo em vista o “convidado permanente” do G20 – Espanha (que não é membro do grupo, mas que ganhou esse estatuto de “convidado”) – que tem estado sobre pressão dos mercados da dívida.

Segunda linha de defesa com 456 mil milhões
Como meio adicional, a cimeira ressaltou o trabalho de recolha de reforço de fundos do Fundo Monetário Internacional levado a cabo por Christine Lagarde com vista a criar, como a directora-geral desse organismo afirmou, “uma segunda linha de defesa” para apagar fogos que abalem a economia mundial.

Lagarde conseguiu atingir uma cifra de cerca de 456 mil milhões de dólares (cerca de 362 mil milhões de euros) de reforço, com o particular envolvimento do Japão, com 60 mil milhões de dólares, da Alemanha com 54,7 mil milhões, da China com 43 mil milhões, da França com 41,4 mil milhões e da Itália com 31 mil milhões.

Muitos analistas referem que essa “segunda linha de defesa” tem em vista a crise da zona euro, caso os mecanismos europeus se atrasem (o próprio Mecanismo Europeu de Estabilização que deverá entrar em vigor a 1 de Julho ainda não foi ratificado pela Alemanha e pela Itália) ou se revelem insuficientes, dispondo de 500 mil milhões de euros.

Desequilíbrios globais a corrigir
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A cimeira voltou a levantar a bandeira da resistência “ao proteccionismo em todas as formas” e a acentuar a importância de resolver os desequilíbrios globais e o risco sistémico que continua a vir do sistema financeiro.

Por desequilíbrios globais, o G20 refere-se a um aspecto sublinhado pelo economista inglês John Maynard Keynes há muitas décadas atrás, de que o ajustamento tem de ser feito em simultâneo por países excedentários e países deficitários.

O comunicado da cimeira aponta, por isso, para que os países deficitários “rodem” a procura do sector público para o privado (ou seja, do sobreendividamento soberano e da orientação dos bancos para suportar a dívida soberana local em vez da economia real) e que os países excedentários “rodem” da exportação para o consumo interno. Os dois alvos desta recomendação, no que toca aos excedentários, são a China, com um impacto à escala global, e a Alemanha, com um papel decisivo na zona euro. O comunicado faz inclusive menção aos “recentes desenvolvimentos nos rendimentos reais das famílias na Alemanha”.

Outra preocupação global, menos mediatizada, centrou-se na questão do sistema financeiro e do seu impacto sistémico, de que a crise iniciada em 2007 é um exemplo recente. O comunicado aponta “áreas de vigilância” em direcção às instituições financeiras globais “sistemicamente” importantes (designadas por um acrónimo, em inglês, a fixar, G-SIFIS), o sistema bancário sombra e outras entidades financeiras não bancárias “sistemicamente” importantes, os derivados financeiros over-the-counter (OTC) e a excessiva volatilidade dos preços nos mercados físicos e financeiros das commodities. O comunicado frisa inclusive que devem ser adoptadas medidas que impeçam que qualquer entidade financeira seja “demasiado grande para falir” – TBTF, no acrónimo inglês para “Too Big To Fail”.

* Jorge Nascimento Rodrigues é editor de www.gurusonline.tv, www.janelanaweb.com e geoscopio.tv. É igualmente Editor Executivo da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão e colaborador do semanário Expresso.

Artigo originalmente publicado na edição online do jornal Expresso e republicado com permissão.

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