No mês em que se celebra a família (15 de Maio é o Dia Internacional da Família), o VER partilha com os seus leitores algumas das tendências, preocupações e fossos ainda existentes na difícil conjugação entre ambições profissionais e desejos familiares e nos papéis que homens e mulheres se esforçam por desempenhar na sociedade que os envolve
POR HELENA OLIVEIRA

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A forma como mães e pais passam o seu tempo alterou-se substancialmente nos últimos 50 anos. Os papás estão a cuidar mais tempo dos filhotes e a partilhar tarefas domésticas e as mamãs a trabalhar mais no mundo lá fora. Nenhum deles invadiu o domínio “tradicional” do outro e a convergência de papéis é uma realidade cada vez mais visível nas sociedades ditas modernas

Esta é a principal conclusão de um estudo realizado pela Pew Research Center, composto por uma análise extensa de dados e que comparou o tempo médio despendido por homens e mulheres nos cuidados com os filhos, nas questões domésticas e no trabalho remunerado. Adicionalmente, o “fact tank” mais reconhecido da América e cujas análises de temas demográficos cobrem o mundo inteiro, foi ainda mais longe e, através do American Time Use Survey (ATUS) – organização especializada na avaliação das quantidades de tempo que as pessoas gastam nas várias actividades do quotidiano – levou a cabo uma análise comparativa de um conjunto de temáticas associadas ao equilíbrio entre trabalho e família no último meio século. Os dados referem-se a 1965 e a 2011, mas só este ano é que foram publicados. Dados recolhidos entre 2003 e ao longo de 2011 incluem também entrevistas com mais de 124 mil pessoas. Em paralelo, a Pew Research efectuou várias pesquisas adicionais sobre a “parentalidade moderna”.

Desta forma, e no mês em que se celebra a família (15 de Maio é o Dia Internacional da Família), o VER partilha com os seus leitores algumas das tendências, preocupações e fossos ainda existentes na difícil conjugação entre ambições profissionais e desejos familiares e nos papéis que homens e mulheres se esforçam por desempenhar na sociedade que os envolve. Se várias das conclusões podem não ser de todo surpreendentes, outras há que nos obrigam a reflectir. Afinal, em 50 anos, a tendência para a convergência pode realmente existir, mas também não é possível afirmar que o fosso deixou de persistir. E por muito que o tema seja falado, repensado, requentado ou refrescado, não perde a importância que merece.

Os pais, as mães e a pressão dos tempos modernos
Apesar da tendência para uma maior convergência entre homens e mulheres na temática da conciliação entre vida profissional e pessoal, uma das pesquisas que faz parte do estudo mais extenso realizado pela Pew revela que pais e mães trabalhadores activos sentem, em partes muito similares, um stress substancial neste malabarismo da conciliação: 56% das mães trabalhadoras e 50% dos pais trabalhadores afirmam que é muito difícil ou moderadamente complicado equilibrar estas responsabilidades.

Sentir-se “sempre a correr” faz igualmente parte da vida quotidiana de mães e pais. Entre os que têm filhos menores de 18 anos, 40% das mães trabalhadoras afirmam sentir esta “pressão da pressa”, o mesmo acontecendo com 34% dos pais.

Com demasiadas exigências no que respeita ao factor tempo, muitos casais interrogam-se se estão a passar a quantidade “certa” de tempo com os seus filhos. No geral, 33% dos casais com filhos menores afirmam ter a noção que não estão a passar tempo suficiente com a sua prole e são os pais quem mais sente esta insuficiência: 46% de pais versus 23% de mães. A análise desenvolvida pela ATUS demonstra que os pais devotam consideravelmente menos tempo aos cuidados com os filhos (uma média de sete horas por semana para os pais comparativamente a 14 horas para as mães). Entre as mães, 68% afirmam passar o tempo suficiente com os seus filhos, enquanto apenas metade desta percentagem entre os homens afirma o mesmo.

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Os pais, as mães e a utilização do tempo
Muito se alterou para mulheres e homens nos últimos 50 anos. Os progressos femininos em termos de educação e emprego transformaram radicalmente o cenário laboral. Com estas mudanças, nasceram igualmente novas pressões no que respeita a equilibrar trabalho e vida familiar, tanto para as mães como para os pais. A pesquisa realizada pela Pew demonstra que em 2011 (nos Estados Unidos), as mães passaram, em média, 31 horas por semana num trabalho remunerado, comparativamente a oito horas semanais em 1965.

No que aos pais respeita, o tempo passado em tarefas domésticas e a cuidar dos filhos aumentou consideravelmente desde 1965, sendo que, em simultâneo, o tempo devotado ao trabalho remunerado decresceu ligeiramente. Apesar de os homens estarem ainda longe de “apanhar” as mulheres no que respeita aos trabalhos domésticos e aos cuidados com os filhos, a tendência para a convergência na forma como dividem o seu tempo entre trabalho e casa é visível.

Cerca de 60% dos agregados com filhos menores de 18 anos têm pai e mãe a trabalhar. Nesses mesmos agregados e em média, os pais passam mais tempo no trabalho (42 horas semanais) do que as mães (31 horas), enquanto estas últimas despendem mais horas com a casa (16 horas versus 9 horas) e a cuidar dos filhos (12 horas versus 7 horas). Todavia, quando o trabalho remunerado é combinado com o trabalho feito em casa, pais e mães estão a “carregar um fardo” muito semelhante (59 horas para as mulheres versus 58 para os homens).

Todavia e como é sobejamente reconhecido, existem ainda diferenças de género significativas. Enquanto uma parte quase igual de homens e mulheres afirma, caso tivesse essa possibilidade, desejar ficar em casa a cuidar dos filhos em detrimento do trabalho, são os pais aqueles que mais preferem ter um trabalho a tempo inteiro. E no que respeita a valorizar o emprego em causa, os pais trabalhadores conferem uma maior importância a um trabalho que seja bem pago, ao passo que as mães elegem como maior preocupação e ambição o facto de terem um emprego com um horário flexível.

Contudo, as atitudes das mulheres relativamente ao trabalho alteraram-se consideravelmente nos últimos anos. Entre mães com filhos abaixo dos 18 anos, a percentagem que diz preferir trabalhar a tempo inteiro aumenta de 21% em 2007 para 32% em 2012. A turbulência económica dos últimos anos poderá ter desencadeado uma nova mentalidade, na medida em que está provado que as mulheres, apanhadas em situações financeiras complicadas, estão entre as que mais facilmente afirmam que trabalhar a tempo a tempo inteiro é a situação ideal para elas.

Em simultâneo, os respondentes de ambos os sexos não chegam a consenso no que respeita ao que é melhor para as crianças. Entre todos os adultos auscultados, apenas 16% afirmam que o melhor para os mais novos é ter uma mãe que trabalhe a tempo inteiro. Uma pluralidade de adultos (42%) aponta o trabalho em regime parcial das mães como a situação ideal para os filhos e cerca de um terço defende que, com filhos de tenra idade, as mulheres deveriam permanecer em casa e não trabalhar de todo.

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Os pais, as mães, a sua auto-avaliação e outros dados
Apesar dos desafios enfrentados na sociedade moderna, os progenitores da actualidade avaliam-se a si mesmos com boas notas no que respeita ao trabalho que fazem em educar os seus filhos. Entre todos os casais com filhos menores, 24% afirmam terem feito (ou estarem a fazer) um trabalho excelente e 45% consideram o seu trabalho com os filhos “muito bom”. Vinte e quatro por cento não vão além do “bom” e apenas 6% consideram que o seu trabalho enquanto pais não vai além do suficiente ou pobre.

As mães têm ainda uma melhor visão de si mesmas enquanto “excelentes” ou “muito boas” – 73% – relativamente a 64% dos pais. Um resultado que pode ser considerado surpreendente – à luz dos que afirmam que o melhor para os filhos são as “mães a tempo inteiro” – é o facto de as mães trabalhadoras se avaliarem a si mesmas com pontuações ainda mais elevadas do que as não-trabalhadoras no que respeita ao seu trabalho enquanto mães. Entre as mulheres com filhos abaixo dos 18 anos, com trabalho a tempo inteiro ou parcial, 78% asseguram considerar a sua performance enquanto mães como “excelente” ou “muito boa”. Entre as mães a “tempo inteiro”, apenas 66% afirmam o mesmo.

O aumento na quota de mulheres que afirmam preferir trabalhar a tempo inteiro desde 2007 tem sido mais pronunciado entre as próprias mães trabalhadoras do que as que não têm funções laborais fora de casa.

A pesquisa da Pew encontrou igualmente uma forte correlação entre o bem-estar financeiro e as visões acerca da situação laboral ideal. Entre as mulheres que dizem “não ter sequer o suficiente para ir ao encontro das despesas básicas”, cerca de metade (47%) elegem o trabalho a tempo inteiro como a situação ideal. Por contraste, apenas 31% das mulheres que afirmam “viver confortavelmente” vêem o trabalho a tempo inteiro como aspiração.

O estado civil está também fortemente relacionado com as situações ideais de trabalho, sendo que o fosso entre mães casadas e mães solteiras se aprofundou significativamente ao longo dos últimos anos. Entre as mães solteiras, cerca de metade (49%) preferia trabalhar a tempo inteiro, uma subida significativa face a dados de 2007 – 26%. Apenas 23% de mães casadas afirmam, na actualidade, que a sua situação ideal seria a de trabalharem a tempo inteiro, sem alterações significativas desde 2007.

Esmiuçando dados já apresentados anteriormente, 45% das mães e cerca de quatro em cada 10 pais acreditam que o melhor para uma criança de tenra idade é ter uma mãe que trabalhe a tempo parcial. São relativamente poucas (16%) as que afirmam que o trabalho a tempo inteiro é melhor para os seus filhos. As visões das mães no que respeita a esta temática têm-se mantido consistentes ao longo dos últimos anos, ao passo que as atitudes dos pais sofreram alterações significativas. Em 2009, 54% dos pais com filhos menores de 17 anos defendiam que a situação ideal para miúdos pequenos era ter uma mãe que não trabalhasse de todo fora de casa: actualmente, são apenas 37% dos pais que sustentam esta ideia, o que representa uma queda de 17 pontos percentuais em apenas quatro anos.

No que respeita à tão almejada felicidade, as mães casadas com filhos abaixo dos 18 anos sentem-se mais felizes do que as suas pares solteiras. Se nas primeiras a percentagem das que se afirmam felizes é de 43%, nas segundas o “estado de felicidade” desce para os 23%. Existe, igualmente, um fosso significativo em termos de felicidade entre mães trabalhadoras e não trabalhadoras: 45% das mães que não trabalham fora de casa dizem ser muito felizes, comparativamente a 31% das mães que trabalham a tempo parcial ou total. Quando outros factores são levados em conta, como a raça, a etnia, os rendimentos e a educação, o casamento é um bom prognosticador da felicidade das mães, sendo que a situação laboral não o é.

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A caminho da igualdade de tarefas
A quantidade de tempo que pais e mães passam com os seus filhos continua a subir. Desde 1965, os pais quase triplicaram o tempo passado junto dos filhos. E, ao contrário da noção que habitualmente se tem face à vida moderna, também o tempo das mães com os seus filhos apresenta uma subida significativa face a dados relativos a 1965. Todavia, são elas que continuam a liderar o tempo passado com os filhos: as mães passam cerca do dobro do tempo com os filhos comparativamente com os pais: 13,5 horas por semana para as mães em 2011 versus 7,3 horas para os pais.

A boa notícia para as mulheres reside no tempo despendido com tarefas domésticas ou, melhor dizendo, uma significativa melhoria na partilha destas com os seus parceiros. Face a 1965, os homens mais do que duplicaram as horas empregues em tarefas domésticas: de uma média de quatro horas semanais em 1965 para 10 horas semanais na actualidade.

Quando o trabalho remunerado, os cuidados com os filhos e os trabalhos domésticos são combinados, os casais que vivem em agregados com duplo rendimento possuem uma divisão de tarefas mais igualitária do que aqueles que vivem em agregados com apenas um rendimento. Se no primeiro caso, os pais contam, em média, com 58 horas de trabalho total semanal, comparativamente a 59 horas para as mães, nos agregados em que apenas o pai é o “ganha-pão”, a sua carga de trabalha total excede a da mãe em quase 11 horas – 57 horas versus 46 horas, em média. Quando é a mãe a única a trabalhar, a situação complica-se, na medida em que a sua carga de trabalho semanal excede a do parceiro em cerca de 25 horas (58 versus 33 horas por semana).

Por último, os homens continuam a ter mais tempo de lazer do que as mulheres, em actividades como ver televisão, jogar, socializar e praticar exercício. O gap de géneros em tempo de lazer é mais alargado entre homens e mulheres que não têm filhos em casa (37 horas por semana contra 32). Nos casais com filhos, os pais têm cerca de 28 horas por semana em actividades de lazer face às mães, que contam com 25 horas de “tempo livre” por semana.

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