Somos críticos e exigentes com as figuras corporativas de autoridade porque tantas e tantas vezes não sentimos que nos sirvam como exemplo, que nos vejam, que saibam ler as nossas necessidades e/ou que nos reconheçam. Mas será que parámos para pensar na pessoa que vive dentro daquela que nos lidera?
POR MELANIE DE ALCÂNTARA CARREIRA

Quando procuramos referências bibliográficas sobre Liderança, deparamo-nos, maioritariamente, com títulos como «O que faz um líder», «Como ser um líder» ou «Estratégias eficazes para se tornar um líder de sucesso». 

Ainda que entenda a pertinência dos títulos (e do seu conteúdo) sinto, invariavelmente, falta de uma componente humana nesta abordagem de “o que faz”, “como ser” ou “estratégias eficazes para”, porque me parecem formas robotizadas de encarar um cargo que, na verdade, exige que antes de se ser Líder se seja Homem/Mulher.

Somos críticos e exigentes com as figuras corporativas de autoridade porque tantas e tantas vezes não sentimos que nos sirvam como exemplo, que nos vejam, que saibam ler as nossas necessidades e/ou que nos reconheçam. Mas será que parámos para pensar na pessoa que vive dentro daquela que nos lidera? Permitam-me que partilhe convosco uma história (real e experienciada na primeira pessoa), que nunca mais esqueci e que alterou, para sempre, a minha visão acerca dos cargos de liderança.

Corria o ano de 2011. Tinha 21 anos e acabava de integrar a equipa de uma loja de desporto, marca multinacional. O gerente de loja – ou em linguagem moderna store manager – liderava a equipa há vários anos e a loja tinha resultados admiráveis e vários recordes alcançados em termos de valores de vendas, o que permitia que nós, os assistentes de loja – ou sales assistant – levássemos para casa, no final de cada mês, cerca de 200€ extra-vencimento, em prémios de produtividade. Visto de fora, eramos uma equipa de excelência, produtiva, empenhada e cooperante, unida em prol do mesmo objetivo. Porém, observados de dentro, esta avaliação não poderia corresponder menos àquilo que realmente se passava com a equipa. 

Em pouco tempo, percebi que, com elevada frequência, vários colegas colaboradores eram chamados ao escritório da gerência e saíam de lá em lágrimas, nervosos e com dificuldade em controlar a ansiedade. Naturalmente, estes episódios geravam tensão na equipa, deixando-nos desmotivados e receosos pela chegada da nossa vez de sermos chamados ao escritório. A produtividade massiva vinha, afinal, de um lugar de medo da autoridade e aquilo que parecia empenho com vista à excelência, era empenho para evitar a repreensão. Se no final surtia o mesmo efeito? Sim. Mas a que custo?

Ora, um dia, lá chegou o meu momento de ser chamada ao temível escritório. Entrei, sentei-me em frente ao gerente, fui severamente repreendida e, quando dei por mim, chorava. Chorava e havia em mim um ímpeto de raiva, cuja voz martelava a minha cabeça com a frase “agora vais lá para fora ser a melhor!”. 

Levantei-me e, preparava-me para sair quando, sabe Deus com que coragem, perguntei: não te incomoda que os teus colaboradores saiam daqui a chorar e a sentir que, façam o que fizerem, nunca será suficiente para ti? 

A resposta surpreendeu-me:

– Crês que me dá prazer ver-vos chorar? Crês que, muitas vezes, não tenho eu vontade de chorar depois de baterem com a porta? A questão é que tenho mais de 20 pessoas para gerir diariamente, não tenho tempo para palmadinhas nas costas; se não cumprirmos os valores exigidos pela empresa, há uma equipa inteira a levar menos 200€ para casa no final do mês, porque eu não fiz bem o meu trabalho!

Saí do escritório em silêncio e lembro-me de ter ido para casa a pensar nesta resposta. Afinal, dentro do líder austero e autoritário, vivia um homem preocupado com a estabilidade financeira da sua equipa que, pura e simplesmente, fazia o melhor que podia/sabia para que os objetivos fossem alcançados.   

Várias vezes e nos mais variados contextos, voltei a ouvir estas palavras na minha memória e, sem qualquer dúvida, foram [também] elas a conduzir-me, ao longo do tempo e do meu percurso, ao interesse pelas matérias de liderança. 

2011 foi há 12 anos. Há 12 anos, a maior preocupação de qualquer empresa eram números. Os colaboradores eram números e os líderes eram forçados à rigidez e à intransigibilidade, mesmo que, dentro de si, morassem homens e mulheres que gostariam de ser, pensar e fazer diferente. 

Felizmente, o paradigma tem vindo a alterar-se e hoje, a importância da liderança transformadora, da comunicação eficaz, da empatia e do saber colocar-se no lugar do outro, são temas prementes na formação de um líder. Porque, afinal de contas, estamos agora em posição de afirmar que a produtividade cresce com o crescimento motivacional das equipas, com o seu reconhecimento pelos líderes, com a auscultação das suas necessidades e, sobretudo, com a inspiração que os líderes lhes são pelo exemplo a que se abnegam. 

Há 12 anos, uma formação que contemplasse estilos de liderança, o desenvolvimento de competências de comunicação eficaz, a promoção da escuta-ativa, a capacitação dos colaboradores, a contemplação das suas emoções e sentimentos e o reconhecimento das vantagens do erro para o desenvolvimento e a inovação organizacionais, teria feito daquele homem aprisionado num líder que não queria ser, o melhor líder que teria tido até hoje!

“Quando os líderes inspiram aqueles que são liderados por eles, as pessoas sonham com um futuro melhor, investem tempo e esforço em aprender mais, fazem mais pela sua organização e, ao longo do caminho, tornam-se elas próprias líderes. Um líder que toma conta das suas pessoas e permanece focado no bem-estar da organização, nunca falha.”

George J. Flynn, Tenente-geral da Marinha dos Estados Unidos (reformado), in «Os líderes comem por último», de Simon Sinek.

Melanie de Alcântara Carreira

É formada em psicologia clínica dinâmica, criadora de Conteúdos/Copywriter (sobretudo) nas áreas do Bem-Estar Emocional e da Programação Neurolinguística. Abraçou a formação na by THF, onde assume adicionalmente um papel essencial no estudo e co-criação da abordagem formativa e metodologia própria, focada na humanização da Pessoa, num modelo de valor partilhado para uma liderança transformadora