Em poucas semanas, tudo o que dávamos como adquirido esfumou-se quase sem darmos conta e estamos, lentamente, a aprender a viver no meio de uma incerteza constante. O panorama organizacional alterou-se completamente e ninguém sabe como vai ser o futuro. A unidade de Working Knowledge da Harvard Business School perguntou a alguns dos seus professores de que forma é que a presente pandemia irá, provavelmente, mudar a forma como se fazem negócios. E a verdade é que poucas coisas voltarão a ser o que eram
POR HELENA OLIVEIRA

A necessidade crescente de construir uma cultura de confiança, a procura de novas formas de colaboração criativa, a ascensão do teletrabalho, a redução de viagens e de reuniões de negócios e a aposta no desenvolvimento de ecossistemas económicos locais estão entre as previsões e sugestões oferecidas por um conjunto de professores da Harvard Business School face às alterações provocadas nas empresas pela pandemia do coronavírus. O VER partilha a visão de alguns destes especialistas.

Oportunidade de desenvolver uma cultura baseada na confiança

O repto colocado pelo coronavírus exige uma conversação honesta e disseminada por toda a organização, que permita “falar ao poder com verdade” sobre a resposta corporativa a este desafio. Pense nela como uma nova iniciativa estratégica que terá de enfrentar desafios colossais em termos de execução. Tal irá exigir que a gestão sénior tenha acesso à melhor informação possível no que respeita às barreiras à execução, para além de obrigar a sentimentos de confiança e compromisso. E isso só poderá ser feito se toda a gente na organização souber que a gestão sénior deseja conhecer todas as barreiras à execução, até as identificadas pelos níveis mais baixos, as quais podem incluir até a sua própria liderança.

Tal como qualquer outra crise, o desafio lançado pelo coronavírus confere à gestão sénior uma enorme oportunidade para o desenvolvimento célere de uma cultura baseada na confiança ou, pelo contrário e caso a honestidade não faça parte da equação, a possibilidade de destruir uma cultura assente em confiança nos anos que se seguirem.

Michael Beer, Professor de Administração de Empresas e co-fundador e director da TruePoint Partners e do Center for Higher Ambition Leadership

O trabalho remoto tornar-se-á estratégico

Há vários anos que estudo o trabalho remoto, mas em condições muito diferentes, ou seja, não relacionado com uma crise desta dimensão. E há que recalibrar as nossas mentes no que respeita aos motivos que nos obrigaram a estar a apostar no trabalho remoto neste momento.

Neste momento de pânico, e enquanto as empresas e os trabalhadores estão a tentar perceber como podem ser produtivos e também felizes a partir de casa, o conselho mais prático que poderei oferecer é o de encontrar alguém que tenha experiência nas ferramentas tecnológicas de trabalho remoto. Encontre um colega que já tenha utilizado o Slack ou o Zoom, estabeleça um tutorial e familiarize-se com a sua utilização e com as suas funcionalidades. A esperança é que o vírus desapareça rapidamente, mas estas ferramentas manter-se-ão úteis mesmo quando for possível regressar ao escritório.

A segunda sugestão relacionada com o trabalho remoto é o facto de este poder ser muito eficaz se for igualmente possível reestruturar os processos organizacionais relativamente à forma como a comunicação acontece, como a socialização acontece e como a coordenação acontece.

No curto prazo, não é possível fazer tudo, portanto as empresas devem concentrar-se em algumas prioridades. Em primeiro lugar, e num mundo remoto, é muito importante não só comunicar sincronamente no Skype ou no Zoom, como também assincronamente, nas alturas em que não se está face a face num ecrã. A forma mais fácil é utilizar um Google doc ou o Slack. É assim que as empresas virtuais trabalham. Se eu e alguém estivermos a trabalhar enquanto equipa, eu posso trabalhar num Google doc e esse alguém pode acordar num fuso horário diferente ou em outra cidade, abri-lo e ver o trabalho que eu fiz. Existem menos probabilidades de se perder a comunicação e as pessoas estão na mesma página.

Gostaria igualmente de sublinhar que as empresas que trabalham remotamente têm processos bem estabelecidos através dos quais as pessoas conseguem socializar e onde ninguém se sente isolado ou passível de cair no esquecimento. E isso é especialmente importante agora, em particular com toda a ansiedade que nos rodeia, bem como o medo e psicose.

Na minha pesquisa, a produtividade aumentou quando as pessoas passaram a trabalhar em ambientes remotos. Todavia, não é possível comparar as circunstâncias normais com o momento que estamos a viver, no qual a ansiedade geral pode afectar a produtividade.

O isolamento e a tristeza mental têm de ser trabalhados activamente, encorajando-se os trabalhadores a desenvolverem um regime pessoal: fazer exercício em casa, meditar e assegurar que se continua a falar com as pessoas, mesmo que essa socialização seja virtual, pois os empregados têm de estar felizes, mentalmente relaxados e produtivos, pelo menos tanto quanto possível.

E os gestores deverão pensar: como é que conseguiremos sobreviver nesta altura e ainda retirar algo de positivo da situação? Um dos pontos positivos pode ser exactamente a utilização destas ferramentas que já deveríamos, de qualquer das formas, estar a usar. À medida que o tempo passar, os trabalhadores poderão concluir que gostam desta flexibilidade, não tendo de se deslocar diariamente para os seus locais de trabalho, podendo estar interessados em trabalhar remotamente de forma contínua. Assim e desta forma, as empresas deverão ter os processos adequados, bem como os incentivos certos para permitir essa flexibilidade.

Prithwiraj (Raj) Choudhury é Professor Associado na Unidade de Gestão de Operações e Tecnologia na Lumry Family Foundation

As pessoas terão de aprender a trabalhar em conjunto de forma criativa

Espero que seja desta que se aprenda que esconder más noticias nunca é uma boa ideia. Tal irá significar uma renovação do nosso compromisso em dominar as competências de liderança para dizer a verdade e envolver as pessoas nesta tarefa árdua de criação de soluções em conjunto.

Dominar o planeamento e a gestão das equipas terá de ter um enfoque ainda mais necessário – ou, mais precisamente, dominar aquilo que eu chamo de teaming – na medida em que se terá de trabalhar em grupos flexíveis cujos membros poderão ir mudando, estando muitas vezes em diferentes locais, para abordar desafios em particular.

Dependendo do tempo que durar a presente situação, poderemos assistir a uma mudança de estruturas organizacionais estáticas para formas de equipas dinâmicas. E isto só poderá funcionar mediante condições de segurança psicológica e quando os líderes afirmarem claramente que cada membro da equipa é bem-vindo para falar sobre novas ideias, preocupações e sim, más notícias.

Ter um alargado número de pessoas em todo o mundo que começaram a trabalhar remotamente é algo sem precedentes. O único paralelismo de que me lembro será o da Segunda Grande Guerra, quando vagas enormes de mulheres entraram na indústria transformadora pesada pela primeira vez. E a situação actual é ainda mais notável dada a velocidade a que tudo está a acontecer. Esta mudança aconteceu em dias e não meses. E as empresas poderão ser capazes de aprender a moverem-se mais depressa, agindo, como resultado, mediante formas mais ágeis.

Amy C. Edmondson é Professora de Liderança e Gestão

As práticas operacionais padronizadas serão elevadas a um novo nível

Muitas das mudanças que as empresas irão ter de fazer a curto prazo são óbvias: reduzir dramaticamente as viagens, mais oportunidades de trabalho a partir de casa, alterações nas operações de negócio para reduzir o contacto humano e aumentar a higiene no local de trabalho.

E acredito que assistiremos a alterações muito interessantes depois de passada esta emergência de saúde pública. No passado, as empresas usaram as lições aprendidas durante períodos de disrupção para melhorarem as suas práticas operacionais padronizadas. Por exemplo, a grande recessão forçou os empregadores a revisitarem os seus modelos de pessoal. E o resultado cifrou-se numa mudança permanente no rácio de trabalhadores em part-time versus em full-time em toda a economia. A Covid-19 poderá desencadear alterações similares.

No que respeita aos negócios que mais impacto sofrerão com a Covid-19, alguns sectores – como o das viagens aéreas ou a hotelaria – estão já sinalizados. O mesmo acontecerá com indústrias que estejam relacionadas com grandes ajuntamentos de pessoas, como muitas formas de entretenimento – desporto, cinema, concertos – sem esquecer as conferências de negócios e as feiras profissionais.

No tempo intermédio, assistiremos também às dores das empresas que mais dependem das cadeias globais de fornecimento. Quando as empresas deixarem de ter em stock as suas matérias-primas ou produtos fornecidos por bases de fornecedores longínquos, é natural que enfrentem desafios significativos para corresponderem à procura.

Joseph B. Fuller é Professor de Práticas de Gestão e co-lidera a iniciativa School’s Managing the Future of Work.

Envolvimento cívico e responsabilidade social serão cruciais

É costume afirmar-se que a sorte protege os audazes. E a sorte certamente que favorece as empresas com preocupações alargadas relativas a todos os seus stakeholders e com boas práticas de trabalho, pois estão melhor preparadas para lidar com a crise, ou para mitigar os seus efeitos, tal como a actual pandemia de coronavírus.

Se existe uma altura para “pensar fora do edifício” e estar-se mais consciente do sistema alargado, é agora. Operar em silos e prestar atenção a apenas alguns stakeholders conduzirá a vulnerabilidades de ordem variada. As empresas não estão só dependentes das cadeias de fornecimento globais e do que acontecer nos outros países, mas também do estado das instituições existentes na sua comunidade. Os ecossistemas nos quais as empresas operam significam que uma disrupção numa indústria ou num conjunto de actividades produzem um efeito cascata em outras.

As empresas que se regem por orientações fortes relativamente aos seus stakeholders e parceiros estão melhor preparadas para sobreviver e ultrapassar crises, pois podem planear em conjunto, ganhar conhecimento local umas das outras, e recorrer à boa vontade para regressar rapidamente ao negócio quando a crise diminuir.

O envolvimento cívico e a responsabilidade social podem passar de um “nice-to-have” para algo que seja essencial. Encorajar o crescimento de fornecedores locais e regionais através do desenvolvimento económico regional e de estratégias de formação profissional enriquecerá o ecossistema local. Uma pandemia deixa bem claro que existe interesse por parte das empresas em contribuir para a resolução de problemas, tal como a adequação do sistema de saúde público, as disparidades no acesso aos cuidados de saúde, a disponibilização de cuidados de emergência às crianças, banda larga universal e acesso à Internet ou a educação de pessoas em competências de vida como a resiliência e a adaptabilidade, bem como competências tecnológicas.

Pensar fora das estruturas tradicionais ajuda igualmente o interior das empresas. Qualquer que seja a razão clássica para que as pessoas não gostem de mudanças em circunstâncias normais é exacerbada por esta crise: perda de controlo, excesso de incerteza, surpresas, demasiadas diferenças face às rotinas normais, preocupações sobre a competência face a novas tecnologias, efeitos cascata provenientes de alguma disrupção alheia, ameaças a planos futuros.

É importante que as pessoas sintam que existe algo de positivo que possam fazer para serem úteis e reganhar algum controlo no que respeita a rotinas e competências. Renovar e reforçar boas práticas de trabalho pode fazer uma enorme diferença em termos de produtividade e bem-estar. Por exemplo:

  • Comunicação abundante. Briefings regulares, comunicação proveniente dos vários níveis da organização e diálogos “no corredor”;
  • Formação cruzada, para que as pessoas possam substituir-se caso haja necessidade;
  • Horários de trabalho flexíveis que sejam compatíveis com a vida pessoal;
  • Clareza nos objectivos. Avaliação dos resultados e impacto e não simplesmente do tempo despendido;
  • Delegação de poder nos níveis mais baixos para que as pessoas posam tomar decisões rápidas;
  • Propósito alargado. Uma ênfase na missão e valores que guiam a empresa e de que forma os trabalhadores podem contribuir para os mesmos.

Uma forma de alcançar os objectivos “fora do edifício” e dentro da empresa é delegar poder às equipas para passarem algum do seu tempo em processos de brainstorming sobre a forma como podem fazer a diferença nas suas comunidades, agora e em tempos vindouros. Tal poderá unir e inspirar as pessoas e poderá igualmente criar boas ideias para a inovação quando a atenção se voltar para o futuro do negócio.

Rosabeth Moss Kanter é Professora de Administração de Empresas.

Reuniões presenciais serão cada vez menos necessárias

Todas as organizações irão aprender que podem aproveitar a tecnologia de uma forma muito mais eficaz para operarem e conduzirem os seus negócios remotamente. Teremos consciência de que serão necessárias muito menos reuniões presenciais do que o que pensávamos.

As empresas que irão perder serão as que têm negócios relacionados com viagens, tais como as companhias aéreas e os hotéis. E vamos descobrir que não precisamos de viajar tanto só para termos reuniões.

Gary P. Pisano é Professor de Administração de Empresas

Trabalhadores aprenderão a repensar as suas prioridades

À medida que esta crise se for desenrolando, poderemos assistir a uma diferente cadência nos dias de trabalho. Actividades laborais normais sofrerão disrupções em combinação com a vida pessoal a partir do momento em que se começar a trabalhar a partir de casa. Os colegas com quem costumamos conversar logo de manhã não estarão no sítio do costume, e as reuniões normais e a fila de emails que costumam ocupar os dias poderão ser “baralhados” mediante formas inesperadas, dependendo em parte se a crise diminui ou amplia as exigências de trabalho. Em qualquer dos casos, esta é uma boa altura para se fazer um balanço das prioridades e repensar os padrões de colaboração.

Ao auditar as suas responsabilidades laborais e compromissos relativamente a projectos, em conjunto com todas as reuniões, emails e outras ferramentas que utilize para colaborar, é possível tornar-se mais focado e intencional relativamente à forma como despende o seu tempo. Antes da crise, poderá ter sentido que estava com excesso de trabalho com demasiadas reuniões e emails intermináveis, ficando com a sensação de que o tempo nunca é suficiente para cumprir todas as suas funções. A mudança para o trabalho a partir de casa, apesar de todos os desafios que lhe estão inerentes, pode também ser uma oportunidade para reflectir nas suas prioridades e configurar um novo plano para as conseguir alcançar.

Quais são os seus objectivos mais importantes, especialmente durante esta crise? Para si próprio, para a sua equipa e para a sua organização, que itens existentes na sua lista de “coisas a fazer” devem ser considerados como prioritários e quais os que podem ser adiados? Em que áreas é que pode adicionar valor face a objectivos colectivos com os quais se importa, seja através da realização de tarefas individuais especializadas, da gestão de projectos, inspirando pessoas devido ao seu estilo de liderança ou contribuindo para a comunidade e a camaradagem em tempos difíceis?

Fale com os seus colegas sobre as funções para as quais se sente mais equipado par lidar a partir do ambiente de trabalho doméstico e perceba em que medida é que as mesmas se coadunam com as dos demais trabalhadores de forma a assegurar que se mantém alinhado.

Configure igualmente as suas actividades colaborativas – tanto as reuniões em vídeo e áudio em conjunto com todas as formas de comunicação escrita – para as adequar às suas funções, ao mesmo tempo que guarda tempo para a execução de trabalho individual em conjunto com o que precisa para estar com a sua família e realizar actividades especiais. Clarifique e, se necessário, negocie os seus compromissos com equipas e colegas através da sua rede, e tendo em conta as novas e emergentes realidades organizacionais, e seja realista sobre as reuniões que organiza e os convites que recebe. Ao reajustar os seus padrões de colaboração, poderá rentabilizar o tempo que “passa no trabalho” da melhor forma possível.

Jeffrey T. Polzer  é Professor de Gestão de Recursos Humanos

FONTE Working Knowledge – Business Research for Business Leaders, HBR

Editora Executiva