Elegendo estes temas como os principais factores de mudança para os quais trabalhadores, líderes e gestores têm de estar preparados para o futuro laboral que se avizinha, Diogo Alarcão, ex-CEO da Mercer e gestor versado nas disrupções que terão lugar nos próximos cinco a 10 anos no mundo do trabalho, partilhou a sua visão e reflexão sobre os vários fenómenos que, tendo já alguma expressão no presente, serão reforçados nos anos vindouros. Salpicada com estatísticas e dados recentes, a sua apresentação clarifica vários aspectos que parecem não ter sido ainda adequadamente explorados numa altura em que o futuro é já… daqui a uns minutos
POR HELENA OLIVEIRA

O futuro do trabalho e os desafios da gestão foi o tema (bem) escolhido por Diogo Alarcão, ex-CEO da Mercer e gestor profundamente atento às novas realidades no que ao contexto laboral diz respeito, para mais uma conferência de preparação para o Congresso da ACEGE, a qual teve lugar no Funchal.

Começando por afirmar que não é mágico, cartomante ou astrólogo e que a sua visão sobre a temática assenta em muitos estudos e relatórios que têm sido feitos ultimamente e que permitem antecipar como serão as novas formas de trabalho nos próximos cinco a 10 anos, o também actual membro da direcção da Fundação Gonçalo da Silveira escolheu, para a sua apresentação, referir algumas estatísticas breves para ajudar à compreensão da dimensão deste fenómeno, adicionar-lhe alguns conceitos próprios e defendidos também pelos estudiosos da nova economia e concluindo com os principais desafios que se colocam aos gestores e líderes ao longo da próxima década, a qual será manifestamente diferente da que conhecemos agora.

O gestor relembrou igualmente que o futuro do trabalho está já a ser influenciado por alguns factores, um deles provocado pela pandemia – o facto de termos sido “obrigados” a ir para casa trabalhar e sermos agora confrontados com o regresso ao escritório – e que parecem não existir dúvidas de que este futuro passará, na generalidade, por modelos híbridos, a par da crescente aceleração da digitalização e automação com impacto inegável nas funções e nas tarefas que desenvolvemos. O orador afirmou também acreditar que existe uma crescente preocupação com a necessidade de termos um sistema mais justo, equitativo e sustentável, exactamente para suprir as falhas que estes novos modelos de trabalho apresentam. Vejamos de seguida, os principais factores que irão influenciar a forma como trabalharemos no futuro.

Pessoas e máquinas, destruição e criação de postos de trabalho e maior equidade social

Uma maior mobilidade social e maior coesão social. A prosperidade económica e sustentabilidade do planeta. A tensão e complementaridade entre as tarefas que são desenvolvidas pelas pessoas e as que são desenvolvidas pelas máquinas.

Estes são, na visão de Diogo Alarcão, os principais factores que irão influenciar a forma como trabalhamos no futuro, se bem que, em determinada escala, sejam uma realidade com a qual já estejamos a lidar no presente.

Citando o estudo “The Future of Jobs” realizado pelo Fórum Económico Mundial (FEM) em 2020, no qual é perspectivada a forma de trabalho para os próximos cinco ou seis anos, e começando pela questão da tensão que existe, e que será cada vez mais reforçada entre as tarefas que são desenvolvidas pelas pessoas e aquelas que são desenvolvidas por algoritmos e pela inteligência artificial, existem algumas estatísticas a ter em particular atenção. A primeira assenta no facto de 43% dos inquiridos planearem reduzir a mão-de-obra como consequência da inovação tecnológica e 34% das empresas respondentes afirmarem que esperam a sua expansão pela mesma razão, o que reforça a ideia de que, e em simultâneo, a digitalização e a automação estão a destruir, mas também a criar, novos postos de trabalho, com estes últimos, e porque têm uma natureza diferente, a exigirem novas competências.

Citando ainda o mesmo estudo, 41% dos inquiridos a nível mundial planeiam usar colaboradores para desempenhar trabalhos especializados num prazo de cinco anos, com o tempo despendido nas tarefas actuais a ser assegurado em 50% por pessoas e nos restantes 50% por máquinas. O que, e de acordo com o FEM, tal poderá representar 85 milhões de postos de trabalho que deixarão de ser ocupados por pessoas nos próximos cinco anos. Por outro lado, o FEM prevê igualmente que em 2025/6 possam vir a ser criadas 97 milhões de funções e tarefas que não conhecemos ainda, mas que estarão adaptadas ao modelo híbrido, neste caso tendo em conta o binómio pessoa-máquina. Ou seja e como resume, esta tensão e complementaridade irão certamente influenciar a forma como nós trabalhamos.

Falando de seguida sobre a questão da maior mobilidade e coesão sociais, o orador cita um outro estudo intitulado Global Talent Trends, realizado pela Mercer para 2020/21 e que contem dados bastante interessantes. Um deles assenta no facto de 50% dos colaboradores inquiridos desejarem trabalhar em organizações com políticas de remuneração responsáveis. Ou seja, e como afirma “não vale pagar muito a uns e pouco a outros, não vale promover sempre os mesmos, ou seja, é necessário que exista equidade salarial”.

Por outro lado, 49% dos colaboradores afirmam desejar organizações que protejam a saúde e o seu bem-estar financeiro. Ou seja, a questão da carreira deixou de ser a única prioridade para o trabalhadores. Outro dado do mesmo estudo citado por Diogo Alarcão e relacionado com a lógica da mobilidade social refere-se ao facto de 37% dos inquiridos declararem que são motivados pelo valores e princípios corporativos, o que indica que o propósito da organização terá um forte impacto na forma como cada um nele se envolve. Por fim, 36% dos colaboradores que responderam a este inquérito valorizam organizações que promovem a equidade social e a protecção do ambiente.

Assim, e para o orador, existe um fundamento estatístico científico para assegurar que estes factores irão certamente influenciar a forma como nós trabalhamos.

A economia gig: vantagens e desvantagens para os colaboradores

Feita a introdução, Diogo Alarcão explicou então o que se espera que sejam essas novas formas de trabalho, que já existem, mas que apresentarão um forte crescimento nos próximos ano, começando pelo conceito da economia “gig”, aquela que, muito provavelmente, será a mais vivida pelos nossos filhos ou netos.

Os gigs são trabalhadores que não querem trabalhar para uma única empresa, mas sim para várias, realizando múltiplas tarefas de curto tempo para múltiplos empregadores. E, no que respeita às vantagens para os trabalhadores, de sublinhar a total liberdade em termos de horários de trabalho e do tipo de tarefas a desempenhar. Ou seja, os gigs são responsáveis pelo seu rendimento – não sendo a empresa que lhes paga o salário no final do mês -, são eles que têm de garantir as condições para auferirem um rendimento, são donos da sua formação e da sua carreira. Assim, e apesar do individualismo patente, tudo o acima mencionado é considerado como uma vantagem para os que preferem enveredar por este caminho em detrimento de estarem “presos” a uma estrutura hierárquica rígida e na qual a progressão é lenta.

Já no que respeita às organizações, o tipo de vantagens que gozam a partir desta economia gig parece igualmente óbvio, em particular por contarem com uma força de trabalho flexível e com a capacidade de irem buscar pessoas quando há menos ou mais procura e com menos encargos fixos.

Todavia e como não há bela sem senão, são também evidentes as desvantagens para os que abraçam este tipo de “liberdade laboral”.Desde logo e para os trabalhadores, menor segurança e protecção social, seja em termos de seguro de saúde, pensões, reformas ou apoio em caso de invalidez, tudo isto representando um enorme desafio no que respeita a estas nova estruturas.

Já para as organizações, e de acordo com o orador, um dos principais inconvenientes assenta na ausência do sentido de pertença, na medida m que estes trabalhadores não estão vinculados a nenhuma empresa, o que normalmente se traduz em menor envolvimento e compromisso.

Os nómadas digitais e o trabalho em plataforma(s)

Relembrando que existem várias formas de pensar o trabalho no futuro com base nesta economia gig – e, desde já com exemplos amplamente conhecidos como os freelancers e as agências de trabalho temporário – o gestor elege duas novas realidades deste novo mundo laboral, as quais estão igualmente em franco crescimento.

Em primeiro lugar, os nómadas digitais, que são pessoas que decidiram não ter um posto de trabalho fixo, não trabalhar numa única cidade, que querem viajar, mas também que querem continuar a trabalhar, daí serem nómadas e digitais, porque trabalham exclusivamente de forma remota.

Diogo Alarcão ilustra este fenómeno com alguns números: em 2019, 7,3 milhões de americanos consideravam-se nómadas digitais, sendo que em 2020 eram já 11 milhões a considerarem-se como tal.

Um aspecto interessante destes nómadas digitais – que pertencem à geração millennial e também à Z – esta última a entrar recentemente no mercado de trabalho – diz respeito ao facto de, na sua generalidade, conseguirem o melhor de dois mundos: normalmente trabalham para empresas sedeadas nos países desenvolvidos – com custos de vida elevados – mas escolhem locais com custos de vida mais baixos e que correspondem às suas expectativas, como a liberdade de poderem trabalhar remotamente, de terem melhor qualidade de vida, de se dedicarem ao desporto, entre outras. Apesar de não existirem ainda dados concretos, o gestor mencionou um exemplo português e directamente derivado da pandemia: de acordo com o aumento dos alugueres de casas na Costa Vicentina, o número de jovens trabalhadores que ali residiram entre um a três meses em 2020 aumentou consideravelmente.

A segunda nova forma de trabalho em ascensão, menos conhecida mas igualmente desafiante, é a do trabalho em plataforma. Todos nós conhecemos a Uber, uma das plataformas mais conhecidas do mundo, com cerca de 4 milhões de prestadores de serviços e presente em 70 países. Mas e para a conferência em causa, Diogo Alarcão escolheu a maior plataforma a nível mundial, a Up Work, que conta neste momento com cerca de 12 milhões de freelancers inscritos, em várias áreas, desde o design à enfermagem, passando pela arquitectura ou pela engenharia, e 5 milhões de empresas que podem recorrer aos seus serviços. Como afiança o gestor, esta nova realidade do trabalho em plataformas será cada vez mais habitual.

Para a audiência predominantemente cristã que o estava a ouvir, mas não só, o orador chamou igualmente a atenção para o facto de ser necessário a existência de uma preocupação dos gestores e empresários no que respeita a estes trabalhadores, na medida em que existem diferenças substanciais entre eles.

Citando um estudo também elaborado pela McKinsey, estes trabalhadores podem ser “distribuídos” em quatro grandes categorias. A primeira, denominada “free agents”, integra as pessoas que trabalham por opção nestas plataformas, sendo esta a sua principal fonte de rendimento. Existem depois os “casual earners” que nelas trabalham igualmente por opção, mas não como fonte principal de rendimento. Ou seja, o trabalho que fazem é um “extra”, realizado fora de horas e provavelmente porque o que o seu empregador fixo lhes paga não é suficiente para prover às suas necessidades.

Na terceira categoria, baptizada como “provisionals” – e é relativo a estes que Diogo Alarcão apela a um olhar cristão por parte dos empresários e gestores – incluem-se o trabalhadores que têm nestas plataformas o seu principal rendimento, mas que prefeririam relações de trabalho estáveis, ou seja, estão lá porque não têm alternativa. Por último, e próximo dos “provisionals”, estão os “ financially strapped”, ou os que são absolutamente dependentes do trabalho que conseguirem obter das plataformas para necessidades tão básicas como alimentar os filhos ou pagar a renda da casa, o que tem de ser motivo de interpelação para os gestores e empresários cristãos na medida em que esta nova forma de trabalho pode também criar tensão para os mais desprotegidos e mais pobres.

Diogo Alarcão, enquanto liberal e crente na economia de mercado, não considera que o caminho seja o de proibir estas plataformas, mas sim criar mecanismos que permitam que as mesmas continuem a desempenhar o seu papel , que é o de dar trabalho e permitir o acesso a esse mesmo trabalho a pessoas que pode estar em zonas geográficas em que não existe ofertas de emprego, sendo por isso a sua importância inegável.

A juntar às desvantagens enunciadas anteriormente, o orador falou igualmente dos riscos associados a esta nova forma de trabalhar, desde o facto de não existir direito a um salário mínimo nacional porque são trabalhadores independentes, à menor previsibilidade de rendimentos que poderão vir a auferir, a um menor acesso a programas de formação e requalificação e também uma menor protecção jurídica porque há menos escrutínio externo sobre o que se passa, realmente, no interior destas plataformas.

Assim e reiterando a ideia de que o caminho não é, de todo, proibir o seu funcionamento, e na qualidade de gestor experiente, o desafio reside, sim, e a seu ver, na criação de estímulos para que estas plataformas possam oferecer garantias mínimas a estes colaboradores, sobretudo ao que se encontram incluídos nas duas últimas categorias referidas no estudo da McKinsey.

Os desafios para líderes e gestores

Na opinião de Diogo Alarcão, estas novas formas de trabalho irão exigir um conjunto de competências, em particular ao nível da empatia e da comunicação, a par da necessidade de vinculação, pois não nos podemos esquecer que as pessoas não poderão estar juntas de forma regular, que podem nem sequer conhecer o responsável pelo projecto A ou B e que acabam mesmo por não ter quaisquer laços vinculativos nem com os “colegas” nem com a organização.

Assim, e para as vincular, é preciso que os líderes saibam criar um novo sentido de pertença e de camaradagem. E como? Para o gestor a resposta reside em pedir mais feedback, na comunicação, na partilha de objectivos e remunerando, de forma criativa, o desempenho dessas pessoas. Ou e em suma, é começar a olhar para essas pessoas que não são nossos colegas de trabalho, mas que interagem connosco, tendo em mente que precisam de nós tal como nós precisamos deles e que, portanto, é crucial incutir esse sentido de pertença.

Diogo Alarcão alerta assim para a necessidade de que vai existir, por parte de líderes e gestores, uma nova forma de gerir as suas equipas e organizações. E, a seu ver, a chave reside em colocar a pessoa no centro da liderança, ou seja, que as decisões a serem tomadas tenham obrigatoriamente de ter em consideração o nosso colega, o nosso chefe ou o nosso subordinado.

Todavia, e para que tal aconteça de forma favorável, é crucial que líderes e gestores se libertem de alguns hábitos e formas de fazer as coisas que foram adquirindo ao longo da sua vida profissional. Será necessária uma dose de coragem para esta mudança e saber como motivar e atrair e reter talento, sendo muitos os estudos sobre comportamento organizacional que afirmam que a transparência e a autenticidade são elementos cruciais para a gestão do futuro, em particular das gerações mais jovens que, sendo nativos digitais, estão habituados ao imediatismo e desejam respostas ou feedback o mais brevemente possível. E isso, na visão do orador, será um desafio tremendo para as organizações, as quais, dentro de 20 anos, não existirão como as conhecemos hoje.

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