Chama-se African Governance Initiative (AGI), foi criada em 2005 pelo então primeiro-ministro britânico Tony Blair e tem como objectivo apoiar uma nova geração de líderes africanos. Num artigo escrito a duas mãos, Blair e Kate Gross, a responsável executiva da organização, explicam por que acreditam que o destino de África só pode estar na mão dos africanos
Mas não me interpretem mal. Há muito que me considero um defensor das ajudas. E esse foi o motivo devido ao qual e enquanto primeiro-ministro britânico, lutei furiosamente para que o G8 colocasse África na sua agenda, duplicasse os fundos de ajuda e que deixasse cair o pesado fardo das suas dívidas. E os resultados são visíveis: 10 vezes mais pessoas receberam tratamento para o vírus HIV-Sida entre 2003 e 2008 e o número de pessoas a viver na pobreza foi cortado, globalmente, para metade. A ajuda permanecerá um aspecto vital nas crises humanitárias – basta pensarmos na importância da ajuda alimentar para milhões de pessoas que estavam a morrer de fome na região de Sahel [região de África situada entre o deserto do Saara e as terras mais férteis do sul e que normalmente compreende os países como o Senegal, a Mauritânia, o Mali, o Burkina Faso, o Chade, o Sudão, a Etiópia, a Eritreia e a Somália]. Todavia, a ajuda internacional é apenas parte da história, um capítulo que se tornará menos e menos relevante nos anos vindouros. O ritmo de mudança em África é estonteante e a forma como o resto do mundo trabalha com os países africanos tem necessariamente de mudar também. As oportunidades para a África da actualidade são vastas. A democracia está a instalar-se. Setenta por cento dos africanos têm menos de 30 anos. Espera-se que os gastos dos consumidores cresçam cerca de 80% até 2020, sendo que a classe média totaliza já mais de 300 milhões de pessoas. África é igualmente detentora de 60%, a nível mundial, de terra arável não utilizada. E, muito em breve, os fluxos de investimento directo estrangeiro ultrapassarão os da ajuda internacional. O que os países africanos precisam para agarrar estas oportunidades são governos e economias que façam a sua quota-parte. Governos que sejam proclamados em eleições livres e justas e que, seguidamente, sejam capazes de oferecer bens públicos tão díspares como as infra-estruturas ou a educação; governos que sejam capazes de atrair investimentos que produzam empregos e benefícios de longo prazo. Em países como a Libéria, o Ruanda ou o Malawi, devastados por décadas de conflitos e desgoverno, a capacidade dos governos para irem ao encontro destas necessidades não é um dado adquirido. Assim, e apesar da ajuda internacional permanecer importante, mediante certas circunstâncias, para África, nós, nos denominados países desenvolvidos, temos de alterar o nosso enfoque e ajudar a construir a capacidade de os governos africanos tomarem o destino nas suas próprias mãos, a manter a expansão das suas economias e a assegurar que os benefícios do crescimento sejam alcançados por todas as pessoas. E esse foi o motivo devido ao qual eu estabeleci a Africa Governance Initiative; para apoiar a nova geração de líderes africanos na construção das instituições governamentais necessárias para transformar os seus países. Apoiar os líderes africanos E o que é que encontra no seu primeiro dia em funções? O normal: uma crise económica com tendência para piorar, com o Fundo Monetário Internacional a pressioná-lo para desvalorizar a sua moeda e cortar os subsídios para os pequenos agricultores que o elegeram; uma lista de investidores do sector mineiro que querem reunir consigo para assegurar que as suas concessões não sofrerão alterações; ofertas de ajuda dos maiores filantropos e agências do mundo, cada um dos quais a tentar vender “o melhor projecto”; e, por um último, um gabinete que terá de entrar em funções. E para o ajudar a fazer tudo o que está nos seus planos, … bem, na verdade, nada a assinalar. Certamente nenhuma das máquinas burocráticas bem oleadas que temos no Ocidente; nenhum staff presidencial, nenhum assessor de imprensa, nenhum departamento para assuntos legislativos. Ou, por outras palavras, quase ninguém para o ajudar a implementar a visão que há tanto tempo tem vindo a desenvolver. Na Africa Governance Initiative (AGI), acreditamos que o mundo desenvolvido foi rápido a agir contra os maus líderes, mas lento a apoiar os bons. O que, em muitos casos, até é compreensível. África já viu muito mais Mobutus do que Mandelas. A AGI tem como base uma crença profunda de que um dos maiores desafios que enfrentam os líderes africanos prende-se com o facto de não saberem o que fazer acontecer na prática. As nossas equipas trabalham lado a lado com funcionários públicos africanos, desde os Chefes do Estado-maior até aos analistas juniores para fortalecer as instituições que precisam de oferecer bens públicos, sendo que políticos experientes trabalham conjuntamente com os próprios líderes, proporcionando o tipo de apoio que apenas alguém que “já andou com os mesmos sapatos” pode fazer. A ênfase na capacidade de governo e liderança é importante por três razões. Em primeiro lugar, porque os governos podem mudar a vida dos cidadãos para melhor. Sem um governo eficaz, as estradas ou as centrais eléctricas não podem ser construídas. Os cuidados de saúde e a educação não poderão ser fornecidos. Mas nos casos em que os governos trabalham, os resultados são claros. Basta tomarmos como exemplo a redução da pobreza no Ruanda: um milhão de pessoas retiradas da situação de pobreza em apenas cinco anos. Em segundo lugar, uma governança eficaz aumenta a resiliência do próprio estado – elevando as hipóteses de um país evitar conflitos e manter a sua democracia. O terceiro motivo para o desenvolvimento de um governo eficaz prende-se com o facto de os governos poderem tomar as rédeas do seu próprio desenvolvimento, reduzindo a dependência da ajuda externa. Para que o desenvolvimento se torne sustentável, a transferência da responsabilidade para o governo em causa tem de ser uma realidade. Para além do facto de esta transferência constituir, obviamente, o desejo dos próprios líderes africanos. Desde que a AGI foi fundada, já trabalhou com a Guiné, Libéria, Ruanda, Serra Leoa, Sudão do sul e, mais recentemente, com o Malawi. A AGI é única no trabalho que realiza no interior do próprio “coração” do governo, no que respeita aos gabinetes do presidente e do primeiro-ministro. Para a AGI, a confiança é um pré-requisito para o sucesso. Apenas vamos para onde somos convidados e, apesar de parecer invulgar, os convites são provenientes dos chefes de Estado. Devido à forma como trabalhamos, no interior do “ciclo” onde, geralmente, os forasteiros não são bem-vindos, a construção de uma relação de confiança com os governos é crucial. E esta relação será crescentemente importante com toda a gente que trabalhe na área do desenvolvimento, à medida que vamos abandonando o velho paradigma do doador/receptor para uma abordagem baseada numa parceria genuína entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. Tal como acontece com a vida, no desenvolvimento não existe uma receita para a edificação da confiança. Mas existem três elementos verdadeiramente importantes: o primeiro, a capacidade de gerar empatia, de nos colocarmos no lugar do outro; em segundo, a necessidade de não se seguir uma determinada agenda mas sim o caminho dos nossos parceiros; e, a terceira, a necessidade de se estar sintonizado com as políticas de reforma, algo a que a maioria das organizações de desenvolvimento não está habituada. Artigo originalmente publicado na Stanford Social innovation Review. Adaptado com permissão. |
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Helena Oliveira
Editora Executiva