A desigualdade chega ao cérebro e a ciência afirma-o sem rodeios. A investigação sempre sugeriu diferenças estruturais muito subtis entre o cérebro masculino e o feminino. De um modo mais genérico, e não limitado apenas ao género, estas desigualdades podem ser definidas como a ocorrência ou co-ocorrência de rotulagem, estereótipos, perda de estatuto e discriminação num contexto em que ocorre exercício de poder. Contribui para resultados adversos na saúde mental de grupos marginalizados através da sua influência em processos a nível individual, interpessoal e estrutural

POR PEDRO COTRIM

Em todo o mundo, a desigualdade entre géneros de tem sido associada a um maior risco de problemas de saúde mental e a um rendimento académico inferior das mulheres em comparação com os homens. No ocidente, vive-se tendencialmente em sociedades cada vez mais igualitárias, mas o estigma é antigo como a humanidade e tenderá a ocorrer sempre que haja gente.

É um ferrão antigo. De um modo mais genérico, e não limitado apenas ao género, pode ser definido como a ocorrência ou co-ocorrência de rotulagem, estereótipos, perda de estatuto e discriminação num contexto em que ocorre exercício de poder. Contribui para resultados adversos na saúde mental de grupos marginalizados através da sua influência em processos a nível individual, interpessoal e estrutural.

A nível individual, o estigma manifesta-se como respostas psicológicas através das quais os indivíduos estigmatizados percepcionam e reagem ao estigma, incluindo a ocultação da identidade, perda de auto-estima e expectativas de rejeição. Formas interpessoais de estigma referem-se a processos de interacção que ocorrem entre a pessoa estigmatizada e a pessoa não estigmatizada, como o tratamento discriminatório.

Embora a maioria da investigação se tenha centrado nas consequências do estigma para a saúde mental a nível individual e interpessoal e de práticas institucionais que restringem as oportunidades, os recursos e o bem-estar dos estigmatizados representa um factor de risco acrescido de traços psicopatológicos entre as pessoas que são estigmatizadas. Por exemplo, os estudos mostraram que as pessoas que vivem em estados com menos protecções legais para o seu grupo (por exemplo, quando existem políticas de imigração restritivas), apresentam níveis mais elevados de perturbações psiquiátricas do que as pessoas que vivem em em estados com maior protecção.

Apesar das provas consistentes das consequências adversas do estigma para a saúde mental, os mecanismos biológicos através dos quais o estigma contribui para o risco de psicopatologia apenas agora começam a ser compreendidos.

Tem-se portante que o cérebro é afectado por experiências sociais e ambientais adversas. Como hipótese de trabalho do estudo «Country-level gender inequality is associated with structural differences in the brains of women and men», publicado em Março nos Proceedings of the National Academy of Sciences, a exposição a condições mais duras para as mulheres homens em países com desigualdade de género pode reflectir-se em diferenças na sua estrutura cerebral, com a possibilidade de este ser o mecanismo neurológico que explica parcialmente os piores resultados das mulheres nos países em que existe maior desigualdade de género. Este aspecto foi examinado através de uma meta-análise de efeitos aleatórios sobre a espessura cortical e as diferenças de área de superfície entre adultos saudáveis.

O que já dizia a ciência: a investigação sempre sugeriu diferenças estruturais muito subtis entre o cérebro masculino e o feminino. Por exemplo, os homens tendem a ter volumes cerebrais ligeiramente maiores, enquanto as mulheres apresentam frequentemente um volume relativamente maior em determinadas regiões cerebrais associadas ao processamento da linguagem e das emoções. No entanto, estas diferenças são observadas a nível de grupo e não se aplicam a todos os indivíduos.

A investigação tem explorado potenciais diferenças nas capacidades cognitivas entre homens e mulheres. Embora alguns estudos tenham referido variações em determinados domínios cognitivos, como as capacidades espaciais ou verbais, a magnitude destas diferenças é habitualmente muito pequena. Além disso, as variações individuais dentro de cada género diluem frequentemente quaisquer diferenças médias entre os géneros.

No entanto, algumas doenças neurológicas apresentam padrões específicos de género. Por exemplo, certas condições, como a perturbação do espectro do autismo (PEA) e a perturbação de défice de atenção e hiperactividade (PHDA) são mais frequentemente diagnosticadas no sexo masculino, enquanto outras, como a depressão e as perturbações de ansiedade, têm taxas de prevalência mais elevadas no sexo feminino. Estas diferenças podem contudo resultar de uma combinação de factores biológicos, genéticos e sociais.

É importante abordar o género e as descobertas neurológicas com cautela e reconhecer que a variação individual é significativa. As generalizações sobre capacidades cognitivas ou características neurológicas não devem jamais ser utilizadas para justificar a discriminação ou o tratamento desigual com base no género.

A ferramenta de aferição usada neste estudo é a famosa Ressonância Magnética Nuclear, uma técnica de imagiologia muito potente que permite estudar as estruturas, as funções e as trocas químicas do cérebro; fornece por isso informações detalhadas sobre a anatomia e a fisiologia do cérebro. Os aparelhos recorrem a campos magnéticos tão fortes que um objecto metálico pesado que esteja na sala onde é efectuado o exame ‘voa’ literalmente para o aparelho, sendo impossível retirá-lo sem que se desligue o campo. Como nos desenhos animados, sim.

A desigualdade de género tem um impacto profundo na sociedade ao criar um ambiente que prejudica significativamente as mulheres. As mulheres são vítimas de discriminação em muitos domínios, incluindo na educação, no local de trabalho e nos cargos públicos, e são afectadas de forma desproporcionada pelo agora conhecido trabalho não remunerado. No entanto, a desigualdade entre os géneros varia de país para país, e está quantificada através de medidas relacionadas com a saúde, a representação política, o nível de escolaridade e a participação no mercado de trabalho. Estes indicadores permitiram revelar associações entre a desigualdade associações entre desigualdade de género e pior saúde mental das mulheres e menor escolaridade.

No estudo mencionado, recorreu-se a um total de 139 amostras de 29 países diferentes, totalizando 7876 exames de RMN. As qualidades neurológicas foram aferidas, verificando-se poucas diferenças nas mulheres em comparação com os homens em países com igualdade de género, invertendo-se os achados nos países com maior desigualdade de género. Estes resultados apontam para o efeito potencialmente perigoso da desigualdade de género no cérebro das mulheres e fornecem provas iniciais para políticas de igualdade de género baseadas na neurociência.

As mulheres que vivem em países com elevados níveis de desigualdade de género qualidade de género experimentam muitos destes mesmos factores que estão ligados investigação anterior à estrutura cerebral. Estas experiências adversas incluem exposição à violência, bem como inferiores índices de escolaridade e menor acesso a cuidados de saúde adequados.

Um estudo anterior, Em consonância com esta perspectiva, um estudo anterior, «Smaller Hippocampal Volume Among Black and Latin Youth Living in High-Stigma Contexts», publicado em Junho do ano passado no Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, em 17 estados dos Estados Unidos encontrou-se uma associação de nível de tendência entre o volume do hipocampo entre o volume do hipocampo em raparigas de 10 anos e as opiniões sobre o género no mesmo estado. Neste estudo sugere-se evidentemente uma abordagem internacional para obtenção de respostas (ainda) mais definitivas.

Regressando ao estudo dos Proceedings of the National Academy of Sciences, verifica-se que nos países com maiores índices de igualdade de género, praticamente não surgem diferenças na espessura cortical no hemisfério direito entre os sexos. Os índices nacionais de desigualdade de género estão associados ao desenvolvimento económico. O nosso resultado manteve-se significativo após mais um factor de controlo com o PIB per capita do país em questão.

A desigualdade de género pode manifestar-se de diferentes formas, tais como disparidades na educação, no emprego, no rendimento, no acesso aos cuidados de saúde, na representação política e nos papéis e expectativas sociais. Estas desigualdades favorecem frequentemente os homens em detrimento das mulheres, embora seja importante notar que a desigualdade de género também pode ter impacto nos indivíduos que não se conformam com as normas binárias tradicionais de género.

A persistência das desigualdades parece ainda mais surpreendente por ser economicamente contraproducente, tanto ao nível do agregado familiar como da sociedade no seu conjunto; ainda por cima, os resultados escolares das raparigas são melhores, em média, que os dos rapazes nas sociedades ocidentais. Também aqui muitos estudos têm mostrado que as opções vocacionais, moldadas por expectativas externas, funcionam contra as raparigas. Os seus trabalhos continuam concentrados em estudos e ofícios considerados femininos.

As relações que se formam no sistema salarial e na esfera doméstica são, portanto, inseparáveis, desempenhando esta última simultaneamente para as trabalhadoras um papel de externalização do trabalho doméstico dos homens no lar, de formação “gratuita”, de justificação de sua desqualificação pela naturalização.4 de suas qualidades. Legitima também a sua exclusão do mercado de trabalho, sendo a questão da conciliação da vida profissional e familiar apenas para eles.

O género desempenha um papel dominante para a integração no mercado de trabalho. Como mostram numerosos estudos econométricos, com características relevantes equivalentes, as trabalhadoras não só estão mais expostos ao desemprego e ao subemprego, como também têm menos perspectivas de carreira. 

As disparidades de género na educação podem limitar as oportunidades das raparigas e das mulheres. Em algumas regiões, as normas culturais, as práticas discriminatórias e a falta de recursos podem impedir as raparigas de aceder à educação. Isto limita o seu potencial de crescimento pessoal, independência económica e bem-estar geral.

Os estudos mencionados não são ‘opiniões’, sem qualquer desqualificação para o termo; são a dita «ciência dura» em acção. O que se vê numa imagem obtida por ressonância magnética não é passível de ser desmentido. Vem portanto a ciência consolidar as teses de avanço social que temos observado. Ainda bem que a temos; de contrário, estaríamos ainda no tempo das cavernas.

Referências:

«Country-level gender inequality is associated with structural differences in the brains of women and men», VVAA, Proceedings of the National Academy of Sciences (2023)

«Smaller Hippocampal Volume Among Black and Latin Youth Living in High-Stigma Contexts», Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry (2022)

Oishi S, Graham J. Social ecology: Lost and found in psychological science. Perspect Psychological Science. (2010)

Noble KG, Houston SM, Brito NH, et al. Family income, parental education and brain structure in children and adolescents. Nat Neuroscience (2015)