Antecipando as temáticas que serão discutidas em Janeiro, na habitual reunião de líderes mundiais em Davos, o Fórum Económico Mundial lançou, no início da semana, o Outlook on the Global Agenda 2014, que elege os 10 principais desafios globais para o ano que se avizinha. O VER escreve sobre estas 10 tendências que alertam, acima de tudo, que neste mundo profundamente globalizado, o “bater da asa de uma borboleta” num extremo do globo terrestre pode, realmente, provocar uma tormenta. Mas não necessariamente no extremo oposto
POR HELENA OLIVEIRA

Com o contributo de cerca de 1600 especialistas que compõem a Network of Global Agenda Councils (NGAC), uma comunidade global de mais de 80 “conselhos” que representam “líderes do pensamento” de todo o mundo e a partir de uma nova e selectiva ferramenta de inquéritos, o relatório do FEM apresenta as 10 tendências globais – que podem ser igualmente traduzidas como riscos ou desafios – que mais impacto terão no novo ano que se aproxima.

De acordo com Klaus Schwab, fundador e presidente do FEM, ao se antecipar tendências, em conjunto com os impactos que infligirão nas suas áreas correspondentes, torna-se mais fácil abordar as respostas possíveis para a sua minimização, um trabalho que foi igualmente realizado pelo FEM, ao pedir à extensa rede de peritos – académicos, líderes empresariais e políticos, especialistas do sector não lucrativo, da tecnologia, saúde, agricultura, finanças ou desenvolvimento  – para que divisassem algumas respostas aos principais desafios eleitos.

Adicionalmente, o novo estudo do FEM alerta ainda para os principais desafios regionais, entre os quais se destaca a cruzada para de reconciliar o crescimento com o desenvolvimento sustentável. A desigualdade, o desemprego e a corrupção espreitam em todos os cantos do planeta, sendo urgente divisar respostas para os mesmos de acordo com os contextos regionais específicos.

De sublinhar igualmente, como o fez Drew Gilpin Faust, presidente da Universidade de Harvard e que assina o prefácio do relatório que, de ano para ano, o grau de acordo com o qual todos estes desafios se encontram interligados é cada vez maior. Sim, sabemos de cor a frase de que vivemos num mundo globalizado, mas são várias as ocasiões em que não vislumbramos ligações menos aparentes entre as grandes questões mundiais. Mas elas existem e cada vez mais. Um dos exemplos desta crescente interdependência focado por Drew Faust reside no facto de já não existirem grandes dúvidas que as alterações climáticas marcarão a agenda de 2014 (e dos anos vindouros) ou que a situação no Médio Oriente se continue a deteriorar. Não é preciso ter uma bola de cristal para o prever. Contudo, são poucos os que notaram que um dos factores que exacerbou a situação na Síria foi uma enorme seca que resultou dos padrões climáticos em profunda mudança. Ou, como alerta a presidente de Harvard, que a expansão das mega-cidades – uma outra tendência do top 10 – está a ser igualmente influenciada pelo aumento dos níveis do mar e outras mudanças climáticas. Ou ainda a questão da dependência energética e o impacto que a exploração de gás natural nos Estados Unidos poderá vir a ter nas políticas do Médio Oriente. A velha teoria do caos que é ilustrada pela história do bater de asas de uma borboleta parece fazer cada vez mais sentido no mundo cada vez mais pequeno e frágil em que vivemos.

O VER apresenta as 10 tendências em causa.

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1. Aumento das tensões sociais no Médio Oriente e no norte de África
Há apenas dois anos, a trajectória para os países que celebravam a Primavera Árabe parecia certa. O mundo assumia que as transições no Egipto, na Tunísia e na Líbia acabariam por estimular o (re)nascimento de sociedades mais pluralistas, que a democracia seria institucionalizada e que a prosperidade económica seria, mais cedo ou mais tarde, alcançada. A estrada apresentava-se ainda com alguns “buracos”, mas o caminho estava traçado. Ou assim se acreditava. Todavia, e com o crescimento da instabilidade política, muitos foram aqueles que começaram a questionar estes pressupostos e tanto as previsões regionais como as que servem para as trajectórias dos países em causa estão a deitar por terra esta esperança. A incerteza é cada vez mais acentuada, tal como acontece com a polarização social. E os peritos que fizeram parte do painel de avaliação dos maiores riscos para 2014 concordam que o aumento de tensões no Médio Oriente e no norte de África será o maior desafio a enfrentar globalmente no próximo ano.

Todavia e como é declarado no estudo, os dados recolhidos pelos inquéritos realizados pela rede de especialistas e pela rede de “conselhos” do FEM, permitem igualmente “sentir o pulso” das pessoas que habitam na região, sendo que existem algumas alterações significativas a considerar. Se, no passado, o mundo árabe divergia essencialmente em termos económicos, nesta era “pós-Primavera”, destacam-se outros contextos. Actualmente, 45% dos respondentes afirmam que o maior desafio que enfrentam é a instabilidade política, com apenas 27% a elegerem o desemprego como o principal problema da região em causa. E entre estes pontos de vista ideologicamente distintos, destaca-se a divisão entre aqueles que desejam que o Islão político tenha um lugar cativo na vida pública, ao passo que outros expressam antes o desejo de manter a religião e o governo como entidades bem separadas. A ausência de confiança entre partidos concorrentes, a atmosfera de intolerância na arena pública e a incapacidade para dar mais corpo a transições frágeis constituem os principais sinais e avisos do FEM para o aumentar das tensões na região.

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2. Disparidades de rendimentos são cada vez mais significativas
Protestos populares recordistas, insurreições históricas e motins um pouco por todo o mundo começam a “não ser notícia”, dada a sua frequência crescente. Todavia, não existe sinal mais preocupante em termos de turbulência social do que estas manifestações e o motivo, apesar de não ser novo, está a atingir proporções cada vez mais significativas. A desigualdade de rendimentos e o alastrar crescente do fosso que separa ricos e pobres foi considerado pelo painel do FEM como o segundo mais importante – em termos de prioridade e preocupação – mas é considerado pela maioria dos analistas que tiveram acesso ao relatório como o mais expressivo em termos de ameaça à paz social global.

A disparidade crescente em termos de riqueza afecta todas as dimensões da vida humana, sem excepção, com impactos profundos na estabilidade social no interior dos países e como uma ameaça em termos de segurança à escala global. E se os especialistas do FEM alertam para a urgência de soluções para as causas e consequências de um mundo crescentemente desigual, com “seguimento” em 2014, a verdade é que a facilidade com que as outrora classes médias estão a cair em situações de pobreza – sendo Portugal um claro exemplo dessa queda – é assustadora. Apesar do robusto crescimento macroeconómico que nos habituámos a ter como dado adquirido, são cada vez maiores os segmentos populacionais, nos denominados países desenvolvidos, que vêem o seu rendimento decrescer para níveis muito próximos da pobreza ou de pobreza efectiva, em alguns casos. De acordo com o relatório do FEM, a desigualdade de rendimentos crescente transformou-se numa ameaça significativa tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos, incluindo a América do Norte, onde esta questão aparece, nos dados trabalhados pelo estudo, como o desafio prioritário. Como se pode ler no relatório “a riqueza impressionante criada ao longo da última década [nos Estados Unidos] tem sido canalizada para uma porção cada vez minoritária da população e a disparidade tem origens cada vez mais comuns às que grassam nos países em desenvolvimento”. De acordo com o inquérito realizado para este estudo, dois terços dos cidadãos americanos acreditam que o actual sistema económico favorece os mais ricos. Todavia, e como tão bem sabemos, em alguns países europeus, “que se encontram ainda a recuperar da crise económica global, com milhares de cidadãos sem emprego”, a percentagem é muito mais elevada [dado que Portugal não consta neste indicador, o melhor exemplo vem da vizinha Espanha onde 89% da população acredita que o sistema económico favorece os ricos].

No que respeita às consequências, estas começam-se logo a fazer sentir no acesso à educação básica e secundária e também nos cuidados de saúde. Dado que a responsável por escrever o capítulo do estudo relativo a esta tendência é norte-americana, os dados que apresenta são muito centrados no seu país de origem. Assim, o que importa reter é que, de acordo com a maioria dos analistas, e dado que o fosso entre ricos e pobres se alarga continuamente, tanto nas métricas nacionais como internacionais, em termos de ameaça o que mais se teme é que as vozes da frustração invadam cada vez mais o espaço público e que a instabilidade social e a segurança global cresçam para níveis perigosos.

“Os distúrbios sociais que clamam pela mudança de um líder político para outro consistem numa manifestação das preocupações das pessoas no que respeita às suas necessidades básicas”, pode ler-se no relatório, que sublinha também que são os jovens que mais dispostos estão a participar nestes protestos, visto que “não têm nada a perder”.

São muitos os jovens detentores de graus académicos variados que não encontram emprego, sendo que em alguns países as taxas de desemprego jovem são superiores a 50%. Estima-se que ao alongo da próxima década e em particular nos países em desenvolvimento, com elevadas fasquias da sua população a terem menos de 30 anos, a ausência de acesso ao mercado de trabalho irá aumentar os riscos de distúrbios políticos e sociais.

Como referiu Ricardo Fuentes, da reconhecida Oxfam, “o principal problema com esta concentração de rendimentos é o facto de ela se autoperpetuar, passando de uma geração para outra e com impactos negativos no acesso à educação ou no acesso a melhores redes de conhecimento”,afirmou. E acrescenta: “esta autoperpetuarão significa que toda a ideia em torno da igualdade de oportunidades cai, simplesmente, por terra”. Para o chefe de pesquisa da Oxfam, este fenómeno leva a que as pessoas acreditem que o esforço e mérito pessoais não conduzem a lado nenhum e que os governos se limitam a ouvir as vozes dos ricos.

Para inverter a tendência do aumento da disparidade entre ricos e pobres e de acordo com o relatório, é necessário abordar a pobreza a partir de uma perspectiva integrada e com impacto de longo prazo. É necessário oferecer às pessoas a capacidade necessária de resiliência, de arriscarem e de ganharem competências para um futuro mais próspero. (sim, sim, mas como? – é inevitável perguntar). Mas também ter em conta outras desigualdades sociais como a discriminação de género, na medida em que raparigas e mulheres são desproporcionalmente afectadas pela pobreza.

Com vontade política e iniciativas estratégicas, pode ler-se no relatório, será possível evitar que “os nossos vizinhos globais”  – escreve a especialista norte-americana – caiam no abismo da pobreza e que, ao invés, sejam dadas oportunidades às novas gerações para que estas possam realizar o seu potencial máximo.

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3. Desemprego estrutural persistente
O mundo parece finalmente ter despertado para o problema da persistência do desemprego estrutural, ao ponto de ser consensual a ideia de que a não ser que se aborde esta problemática crónica, a agitação social poderá aumentar para níveis desmesurados, o mesmo acontecendo com as taxas de criminalidade, em conjunto com uma estagnação das economias e com a deterioração do tecido social. Mas e apesar de o facto já ter sido reconhecido pelos governos tanto dos Estados Unidos como da Europa – o desemprego tem aparecido, de forma consecutiva, como a principal preocupação das pessoas inquiridas em ambos os continentes – a inovação e investimentos necessário para colocar um ponto final no problema não passou ainda da teoria à prática. O relatório alerta que o desemprego estrutural já não pode ser entendido como um problema nacional, na medida em que extravasa fronteiras, sendo urgente, por isso, que os governos e o sector privado partilhem uma visão global sobre o mesmo e resistam a tendências proteccionistas.

O relatório alerta para a criação, por parte dos governos, de estruturas regulatórias que encorajem o emprego e a estabilidade económica, incentivando as empresas a criar postos de trabalho e, de seguida, a investir nos seus trabalhadores. Dado que o emprego para a vida deixou de ter lugar, quem não tem emprego hoje pode, muito provavelmente, ficar fora do mercado de trabalho para sempre. E se as soluções necessárias divergem de região para região – com os Estados Unidos preocupados com uma taxa de desemprego na ordem dos 8,5%, mas com a mesma a ficar-se nos 3.5% no sector tecnológico, por exemplo – o que dizer da Europa, da Ásia e do continente africano? O desemprego e, especificamente o desemprego jovem, consiste no segundo maior problema identificado nos inquéritos elaborados pelo FEM. Na Europa, com 54% de respondentes a identificarem-no como o maior problema, só é ultrapassado pela África subsaariana, com 81%. Mas é seguida de perto pela América do Norte, Médio Oriente e norte de África (53%) e pela Ásia (31%). É na América Latina que o desemprego preocupa menos os cidadãos, com apenas 29% dos respondentes a identificarem-no como a sua principal preocupação.

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4. Intensificação das ciber-ameaças
Há não assim tanto tempo, a frase “exército electrónico” só poderia fazer lembrar filmes de ficção científica. Mas a verdade é que já em 2013, um grupo denominado Syrian Electronic Army, aliado do regime de Bashar al-Saad, conseguiu, de forma temporária, paralisar as operações online de empresas como o Twitter ou o jornal The New York Times. De forma crescente, as denominadas armas digitais são utilizadas contra empresas, governos e indivíduos. O survey realizado pela Global Agenda diz-nos que são os maiores de 50 anos que mais preocupados estão com estes ataques cibernéticos, mas a verdade é que com a emergência da “nuvem” e com a ascensão da “internet de todas as coisas” – uma frase comum entre os techies – todos nós somos potenciais vítimas destes ataques. Com a proliferação de servidores e de um conjunto interminável de objectos que outrora eram somente físicos, mas agora estão ligados à rede – como frigoríficos, por exemplo – a segurança online torna-se cada vez mais complexa. O relatório dá o exemplo de uma empresa alemã de segurança em TI a qual, no início do ano, descobriu que as comunicações entre os aviões e a Terra não são encriptadas. O que significa que não é preciso ser-se um hacker muito inteligente para dar instruções erradas a um avião. O especialista de Harvard que assina esta “tendência” no estudo do FEM afirma que, dado estarmos numa fase de transição caracterizada pela migração de funcionalidades outrora isoladas para a “internet de todas as coisas”, existe uma panóplia de novas vulnerabilidades jamais imaginadas. E uma dessas vulnerabilidades é, obviamente, o ciber-terrorismo.

Todavia, a resposta proposta pelo relatório no que respeita a minimizar os perigos destes ataques acaba por ser surpreendente. Para o especialista de Harvard, os governos, o sector privado e as ONG devem-se concentrar na resiliência, ou seja, assegurar que não é tão catastrófico ser-se “hacked” em vez de se tentar eliminar todas as formas possíveis de hacking. Ou, por outras palavras, e no que respeita às ciber-ameaças, dando o exemplo da Wikipedia, é melhor ter-se mais editores a consertar o vandalismo e menos vândalos. Se não é possível evitar todo e qualquer ataque, há que investir nas pessoas e nos meios que os consigam gerir depois de ocorrerem.

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5. Inacção no que respeita às alterações climáticas
Depois dos últimos anos, nem os mais cépticos conseguem acreditar que as alterações climáticas constituem um mito. São tantos os eventos climáticos extremos, e em tantos lados, que se alguma dúvida persiste, também ela será “varrida” não tarda. E, se o mundo tardar em dar a devida resposta ao problema, o clima tem toda a capacidade, e em muito pouco tempo, de varrer ele mesmo os progressos alcançados nos últimos 20 anos, estejamos a falar de desenvolvimento económico ou social ou da protecção ambiental. E se esta ameaça aparece em 5º lugar, a mesma corresponde não tanto a uma inacção, mas sim a uma “acção definitivamente insuficiente”. Para a especialista em alterações climáticas das Nações Unidas que assina este tema, estamos ainda a tempo de optar por uma economia baixa em carbono. “Abordar a complexidade das alterações climáticas é assustador”, confessa, “pois não existe nenhum esforço humano que, de alguma forma, não esteja relacionado com este desafio”. Mas se é verdade que nos estamos a confrontar com uma economia profundamente transformadora, é igualmente certo que, em termos de complexidade, a mesma não seja assim tão diferente como foi a Revolução Industrial ou a revolução provocada pela Internet. Como escreve a especialista, “temos a tecnologia e os recursos financeiros necessários, só não temos a opção de ignorar o problema”. O relatório dá como dois bons exemplos, se bem que isolados, o compromisso forte feito pela Alemanha no que respeita a mudar a sua política energética e a Costa Rica, que pretende tornar-se, a breve trecho, neutra em carbono.

Tornar norma este tipo de compromissos é crucial, alerta o relatório. E acrescenta que independentemente do país que estiver em causa, não é possível que os decisores políticos fiquem à espera de uma “política perfeita”, sendo absolutamente inaceitável que aqueles que têm poder dêem a desculpa de estarem à espera “daquele que dará o primeiro passo”. As políticas e as acções têm de progredir lado a lado, proporcionando uma aprendizagem mútua. Adicionalmente, há que deixar claro que a luta contra as alterações climáticas não depende só da responsabilidade dos governos, das oportunidades para o sector privado ou de um exercício académico: todos nós temos de perceber que não se trata apenas de um desafio ambiental e, ainda menos, de um desafio futuro. É, ao invés, um desafio transformacional que temos de abraçar hoje. E não amanhã.

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6. A confiança reduzida nas políticas económicas
É um facto mais do que consumado: as pessoas perderam a confiança nas actuais políticas económicas e se estatísticas são necessárias para comprovar esta evidência basta olhar para a escassez de novo investimento e para as fraquíssimas taxas de “reemprego” em todas as economias desenvolvidas no pós-crise. O relatório oferece três razões por excelência para este declínio de confiança: o alcance e a intensidade da crise; o ritmo letárgico desde o seu deflagrar e as expectativas irrealistas face às políticas económicas desenvolvidas desde então.

Por outro lado, o fracasso do sistema financeiro serviu de reflexo ao fracasso do ambiente regulatório e a fraqueza da retoma sugere que os decisores políticos ou são displicentes ou isentos de verdadeiro poder. No que respeita aos dados recolhidos pelo relatório, as percentagens ilustram bem a desconfiança dos cidadãos face às políticas económicas em curso: nos Estados Unidos, 65% dos respondentes consideram que a situação económica do país se encontra em mau estado, contra 25% na Alemanha, 83% no Reino Unido e 99% na Grécia.

Se o objectivo é restabelecer os níveis de confiança, é necessário aprender com as lições da crise – algo que parece não estar a acontecer – sendo que a primeira destas lições passa pelo reconhecimento do grau mediante o qual a economia global está interligada. O relatório alerta para um papel mais agressivo por parte dos líderes do G20, não só ao nível dos responsáveis pelas finanças, mas também dos próprios chefes de Estado. Reuniões regulares com os chefes de Governo que representam dois terços da população mundial e 85% do PIB – que tiveram alguns efeitos na primeira resposta dada à crise, mas sem continuação efectiva – podem traduzir-se numa potencial forma para restaurar a confiança perdida. Os esforços de cooperação constituem o melhor caminho para se lidar com problemas estreitamente interligados e uma acção decisiva e eficaz dos líderes G20 poderá ser a única forma de a atingir.

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7. A ausência de valores na liderança
Assinada pelo arcebispo John Onaiyekan, a “tendência número 7” faz ressurgir a necessidade do bem comum como única forma para se alcançar a prosperidade de longo prazo. Dado que a percepção geral das pessoas no que respeita à ausência de valores na liderança está relacionada com o problema de os líderes pensarem apenas nos seus próprios interesses, em vez de serem motivados por razões “mais elevadas”, o arcebispo escreve que, mais do que uma preocupação face à ausência de valores, há que existir uma reflexão mais aprofundada sobre que tipo de valores precisamos. O facto de termos acesso a um manancial de informação sem precedentes dá origem a milhões de opiniões diferentes e, nesse sentido, a maior preocupação reside no facto de não se encontrar um caminho comum a percorrer, onde exista uma partilha de perspectivas, de valores e de uma visão global.

A existência de um conjunto de decisões responsáveis e globais, partilhadas por esses mesmos líderes, consiste no único caminho a trilhar para o desenvolvimento de uma base de conhecimento, que seja globalmente positiva e inclusiva. Existe sempre espaço para novas aprendizagens. “E se os líderes deixarem de aprender, então é o fim”, remata o arcebispo.

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8. A expansão da classe média na Ásia
“O crescimento inexorável das classes médias na Ásia colocará uma pressão esmagadora nos recursos globais”. A explosão das classes médias na Ásia – com cerca de 500 milhões de pessoas actualmente, mas com expectativas de crescimento para os 1,75 mil milhões até 2020 – pode ser encarada como uma das grandes mudanças sistémicas da história “mais recente”. De acordo com o relatório, as principais razões para esta explosão residem no facto de os asiáticos, na sua maioria, terem finalmente compreendido, absorvido e implementado reformas importantes, de que são exemplo a economia do livre mercado, o domínio da ciência e da tecnologia, uma cultura de pragmatismo e de meritocracia, em conjunto com a paz, o cumprimento das leis e, como é óbvio, a educação. Todavia e apesar de todos estes pontos positivos, nem tudo são boas notícias. E o maior desafio que se coloca nesta tendência em particular diz respeito, em primeiro lugar, ao ambiente. A expansão – ou explosão – das classes médias na Ásia significa uma aspiração comum, e legítima, por parte destes cidadãos para viverem de acordo com os níveis de vida do modelo ocidental, contribuindo para consequências desastrosas ao nível dos recursos globais. Dado que é impossível – sendo igualmente imoral – refrear este crescimento, a única hipótese reside no compromisso por parte das sociedades asiáticas em desenvolverem um maior sentido de responsabilidade no que respeita ao impacto sobre o ambiente (o compromisso deveria ser global, é claro).

Os líderes asiáticos reconhecem que algo tem de ser feito nesta nova arena. Mas, e no que respeita a soluções possíveis, é igualmente importante que os países desenvolvidos possam liderar pelo exemplo. E se o mundo pretende que um gigante como a China se transforme num parceiro responsável e preocupado com o ambiente global, não será com palavras que será convencida, mas sim com actos, assegura também o relatório.

Por seu turno, se existe uma forma de estas novas classes médias asiáticas contribuírem para esta dinâmica, será através de uma quantidade inimaginável de “brainpower” que poderá oferecer nos domínios da ciência e da tecnologia. Por exemplo, o nível de eficiência energética do Japão é 10 vezes superior ao da China. Assim e mais uma vez, se existe uma possibilidade de se retirar lições de parceiros bem-sucedidos, estas classes médias crescentes poderão, por exemplo, contribuir para o estudo das tecnologias verdes. E só assim será possível criar um maior crescimento económico, ao mesmo tempo que se reduz a utilização de recursos que, na verdade, se encontram muito perto do esgotamento.

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9. A importância crescente das mega-cidades
Do aquecimento global ao crescimento do número de sem-abrigo, das crises da dívida à escassez da energia, da insuficiência de água aos surtos de doenças, todos estes problemas que preocupam a humanidade habitam nas cidades. Mas também é verdade que são as cidades que representam a esperança da descoberta de soluções para estes enormes desafios, visto que é nelas que se desenvolvem “caldeirões” de inovação, ideias e criação de riqueza. Assim, um dos mais urgentes desafios para o século XXI é compreender as cidades e, por extensão, as mega-cidades, caracterizadas como zonas urbanas que albergam populações de mais de 15 milhões de pessoas e que estão a preencher a paisagem, em particular, no continente africano e asiático. O especialista que assina este desafio dá como exemplo um estudo que está a ser desenvolvido – denominado “Science of Cities” – que tem como objectivo analisar, quantitativamente, como funcionam as dinâmicas urbanas, ao nível social, económico e de infra-estruturas. E os resultados têm sido surpreendentes. Com base numa ampla gama de métricas urbanas, a pesquisa tem vindo a demonstrar que, em termos de escala, diferentes cidades “comportam-se” de forma muito similar. O que significa que se souber a dimensão de terminada população de uma cidade, em qualquer que seja a parte do mundo, é possível prever, com cerca de 80% a 90% de precisão, o seu rendimento médio, o número de casos de Sida, o número de patentes, a taxa de criminalidade, o número de bombas de gasolina, o comprimento das suas estradas, entre muitas outras realidades de diferentes âmbitos. Assim, e independentemente de questões históricas, geográficas ou culturais, é possível encontrar regularidades e constrangimentos sistemáticos que transcendem a individualidade de cada uma das cidades em análise. Como denominador comum, e na medida em que todas estas cidades partilham o mesmo “ADN efectivo”, pois todas são feitas de pessoas, estas organizam-se em redes sociais e funcionam como sistemas adaptativos complexos que se comportam de forma similar, independentemente da sua geografia, sistema político ou modelo económico. A pergunta que se faz é a seguinte: que trajectória seguirão estes aglomerados urbanos? Continuarão a crescer indefinidamente, sem melhorias consideráveis no que respeita às condições sociais que oferecem ou poderão seguir a trajectória de outras grandes cidades como Londres ou Nova Iorque que se desenvolveram até se transformarem em grandes engenhos económicos e metrópoles modernas? A pergunta fica em aberto, mas o desafio é importante demais para ficar sem resposta.

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10. A rápida disseminação da desinformação online
Qualquer que seja a nova tecnologia de comunicação emergente, a mesma passará sempre por uma fase na qual as pessoas se interrogam sobre os seus poderes e problemas.

Assim sendo, há que sublinhar que a disseminação da desinformação não constitui um desafio digital único. Mas são vários os exemplos recentes deste tipo de desafio, seja o massacre ocorrido em Newton em 2012, o atentado bombista em Boston, os protestos na Turquia e muitos outros “eventos” transmitidos em tempo real, seja via Twitter, Facebook ou mesmo pelos canais de televisão ávidos por audiências e que, com tanta informação a fluir ao mesmo tempo, optam pela não confirmação das fontes, limitando-se a exibir imagens ou palavras descontextualizadas, que geram mais desconhecimento do que informação e, em casos mais graves, rumores e notícias falsas com consequências potencialmente perigosas.

É assim imperativo que se sublinhe o volume e a disseminação célere da desinformação online, bem como a ideia de quando se está a lidar com os media sociais se está a lidar com “big data”. A solução reside numa mistura de processamento informático assistido e de doses reforçadas de avaliação humana que consigam contextualizar a informação veiculada. No que respeita à interpretação da desinformação, a avaliação humana permanecerá como crucial para a colocar em contexto. E é exactamente de contexto que se está a falar.

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