Numa época de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade (V.U.C.A.), na qual vemos o dinheiro público a ser gasto de forma irracional, onde a corrupção é destaque nos principais jornais do mundo e os salários dos presidentes de empresas são 500 vezes maiores comparativamente aos mais baixos da organização, torna-se difícil acreditar que o capitalismo pode ser “consciente”
POR THOMAS ECKSCHMIDT

Mas a resposta é simples: SIM. Existem casos de empresas praticantes de um capitalismo mais consciente e, para nossa surpresa, estes são cada vez mais frequentes. Empresas de grande sucesso dedicadas a fazer o bem e a trabalhar por um propósito superior estão a aparecer em todas as partes do mundo. O capitalismo consciente, além de ser altamente lucrativo, vai ser um dos factores de diferenciação para se ter sucesso e bons resultados financeiros no futuro próximo.

O capitalismo consciente é um movimento global. É uma filosofia de negócios, para gerar prosperidade de forma humanizada, baseado em quatro fundamentos:

  • a liderança servidora, em que o líder serve o ecossistema e não o seu próprio ego;
  • o propósito superior de uma empresa não é gerar lucro, mas sim gerar valor para a sociedade e o resultado financeiro passa a ser consequência da realização desse propósito e geração de valor;
  • a integração das partes envolvidas (stakeholders), que reconhece a interdependência dos participantes do ecossistema empresarial e migra para modelos genuínos de “ganha-ganha-ganha”; e
  • a cultura responsável, que consiste numa forma de comportamento colectivo orientado por um propósito superior, que contribui para a continuidade do negócio no longo prazo, impedindo que o modelo seja copiado pela concorrência.

Este movimento existe desde 2007 nos Estados Unidos e foi criado pelo académico Raj Sisodia e pelo co-fundador e CEO da rede de retalho Whole Foods Markets, John Mackey. Em Portugal esse movimento ainda “gatinha” sem uma estrutura formal. Em 2018, Raj Sisodia esteve presente para uma palestra oferecida a 200 executivos para activar a rede consciente no país. Em 2019, eu próprio, enquanto co-autor com Raj Sisodia do livro Conscious Capitalism Field Guide (Harvard 2018), tive a oportunidade de realizar um programa de certificação Conscious Business Change Agent para apoiar organizações no processo de mudança através da criação de consultores especializados para essa jornada. Através da organização Conscious Business Journey (www.CBJourney.com), Portugal sediou o primeiro programa de capacitação em capitalismo consciente na Europa depois de percorrer cinco países (Brasil, Colômbia, Cuba, Israel e Estados Unidos) e certificar mais de 500 profissionais.

Este movimento global atrai académicos, profissionais autónomos, consultores, empreendedores e líderes de empresas que acreditam que os seus negócios podem gerar mais do que lucro e serem agentes de transformação da comunidade onde estão inseridos. O propósito do movimento por um capitalismo mais consciente é gerar prosperidade de forma humanizada, procurando inspirar executivos de empresas através da partilha de casos de sucesso e práticas conscientes.

É importante ressalvar que o capitalismo consciente não deve ser confundido com a responsabilidade social corporativa ou com o marketing de causas. Estes últimos podem ser considerados como fazendo parte integrante do quebra-cabeça de um capitalismo mais consciente, e são a evolução natural do nível de consciência dos líderes e das suas organizações, fazendo parte da solução.

O livro publicado pelo académico Raj Sisodia sobre o assunto em 2006, “Firms of Endearment”, que foi lançado em português no Brasil sob o título “Empresas Humanizadas – pessoas, propósito e performance”, demonstra que as organizações que seguem estes princípios de negócio, criando valor para toda sociedade com base no propósito superior e na integração dos seus actores têm um desempenho superior à média do mercado.

Numa análise das empresas destacadas neste livro, o desempenho das mesmas chega a 1600% contra 168% da média histórica do mercado – variação do índice da bolsa de valores dos Estados Unidos S&P 500 para um período de 15 anos. Outra comparação de desempenho foi realizada com as empresas mencionadas no livro “Good to Great” [traduzido em Portugal], de Jim Collins, que apresentam um desempenho de 178% no mesmo período, que também é bastante inferior ao desempenho das empresas humanizadas.

As empresas conscientes estão, de forma crescente, a assumir a responsabilidade pelo impacto de suas operações na sociedade e também pelo desenvolvimento das suas comunidades e do meio ambiente. Veja-se o caso de Howard Schultz, CEO da Starbucks, com mais de 21.000 lojas e mais de 140.000 funcionários, que decidiu apoiar os estudos de todos os seus colaboradores, mesmo que estes já não estivessem a trabalhar para a empresa.

Os casos de empresas conscientes estão a surgir por toda a parte e vários foram incluídos no livro “Conscious Capitalism Field Guide”, o qual oferece um mapa “passo a passo” para a implementação destes fundamentos partilhando exemplos de práticas de empresas conscientes, bem como depoimentos de líderes servidores. O caminho para se ser uma empresa consciente deixou de ser mais uma opção, para passar a ser uma necessidade de as mesmas manterem as suas operações numa nova economia que está a emergir. E este é um caminho sem volta: as empresas de hoje que querem fazer parte do manhã estão a ajustar-se agora para assegurar a sua presença num mundo que elas mesmas estão a criar, independentemente das iniciativas dos governos, da pressão das organizações não-governamentais ou de credos.

Assim, o que a sua organização está a fazer para a sustentabilidade de longo prazo?

Como é que você, enquanto líder, está a trabalhar para deixar um legado positivo na sua comunidade?

NOTA:

Venha conhecer mais sobre este movimento no website www.consciouscapitalism.org

ou consulte, em vídeo, a TED Talk sobre o assunto: TEDx Capitalismo Consciente

A 23 de Setembro deste ano, teremos um 2º Evento Europeu de Capitalismo Consciente que será realizado em Berlim

SOBRE O AUTOR:

Thomas Eckschmidt é co-fundador e CEO da CBJ – Conscious Business Journey, uma organização global criada para acelerar a mudança, e que oferece programas de certificação para consultores e outras iniciativas educacionais para acelerar a implementação dos quatro fundamentos do capitalismo consciente em todo o mundo.

Thomas lançou o movimento capitalista consciente no Brasil e apoiou o lançamento do mesmo em muitos países diferentes, como Espanha, Alemanha, Argentina e outros. É igualmente co-autor do livro Fundamentos do Capitalismo Consciente (2016) e de Conscious Capitalism Field Guide (Harvard 2018).

A sua jornada profissional no mundo corporativo (10 anos), consultoria (10 anos) em 20 países diferentes e enquanto empreendedor capitalista consciente valeu-lhe já 12 prémios, quatro patentes registadas e 14 livros publicados, o que lhe confere a capacidade e credibilidade para ser responsável pelo programa Conscious Business Change Agent Certification em todo o mundo, com 550 profissionais certificados em seis países. Saiba mais em www.CBJourney.com

Thomas Eckschmidt, CEO e co-fundador da Conscious Business Journey e co-fundador do movimento de capitalismo consciente no Brasil