O Ciclo de Debates da ACEGE conheceu mais um episódio: um jantar-debate com António Pinto Leite organizado pelo núcleo de Torres Vedras. A apresentação do ex-presidente da ACEGE foi muito tocante e contada, em grande parte, na primeira pessoa, o que deu um alento extraordinário a esta narrativa. Aqui a transcrevemos, lembrando-nos sempre do amor e das palavras de Cristo
POR PEDRO COTRIM

António Pinto Leite, ex-presidente da ACEGE, começa por agradecer e manifestar a sua alegria pelo evento. Acredita ter realizado mais de 200 apresentações desde que o tema «amor como critério de gestão» surgiu na sua vida em 2009, tendo-o convertido em livro em 2012.

Declara-se feliz, sustentando que quem é feliz, apesar das dificuldades, olha para qualquer tema difícil sempre com energia e alegria. Nunca perdeu o sentido da felicidade, nem sequer nas pré-tragédias que viveu.

Passa de seguida a abordar as empresas, que, segundo ele, são um bem extraordinário na sociedade. O também sócio fundador da Morais Leitão conclui que Deus ama as empresas; não ama tudo o que é feito dentro das empresas, mas ama estas comunidades de pessoas que, na sua luta pela vida com outras empresas, sobrevivem e dão sonho, esperança, realização e pão a milhões de pessoas.

António Pinto Leite confessa ter-se afastado do privilégio da fé durante vinte anos. Manifesta o seu agrado com um «que é bom ser cristão» muito enfático. Segundo ele, esta companhia de Cristo dá desassombro e tudo simplifica, mesmo o que parece impossível. Sustenta que esta boa interferência faz falta na nossa vida que que nunca teria chegado às conclusões que apresenta sem a ajuda de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Segundo António Pinto Leite, o tema que «O amor como critério de gestão. É possível?» talvez se possa traduzir em «Para um cristão, é possível dirigir uma organização sem amor?». Na sua opinião, o tema é antes este e a resposta é um rotundo «Não».

Confessa ter-se deparado com a frase que muda a sua forma de pensar por via de um bispo luterano que morreu nos campos de concentração: «o centro vital da ética cristã é o amor». O ex-presidente da ACEGE assegura jamais ter visto «ética» e «amor» no mesmo raciocínio, tendo pesquisado autores nacionais e estrangeiros, códigos de ética e a doutrina social da igreja; jamais encontrou esta combinação, conta-nos.

António Pinto Leite ficou perturbado, pois esta frase surgiu poucas horas antes de lhe caber a abertura de um congresso da ACEGE sobre outro tema. Teve a clara noção de que Deus Nosso Senhor lhe dissera para abrir o tema. Acreditou que iria fazer uma figura ridícula; seriam 400 pessoas, com 350 homens, e que teria de falar de amor a outros homens, de amor nas empresas. Mas confiou-se a Jesus Cristo: «Seja o que Deus quiser!»

Foi aqui, em 2009, que iniciou este caminho sem perceber muito bem o que estava a fazer. Sentiu uma tal perplexidade que teve necessidade de a pacificar de forma racional; o livro que resulta é racional. Não é um livro romanesco; é, necessariamente, um livro com um toque de espiritualidade, mas não é um livro espiritual, assegurando que é um livro racional de um homem muito pragmático.

Em chegado ao fim da sua carreira, nas diversas vertentes, conclui que a vida lhe correu bem porque é pragmático e faz acontecer. Afirma ter este lado que a gestão exige e que o progresso impõe, tendo-se sentido muito apaziguado quando descobriu qual era o critério de decisão de todos os seus temas de vida, tendo verificado que na empresa eram os mesmos.

Quando leu aquela frase, «o centro vital da ética cristã é o amor», o que lhe acudiu foi: «bom, só há uma ética, não há duas. A ética do amor é o amor em todo o lado, e também dentro da empresa». Confessa ter sido perturbador e havia que esclarecer coisas o perturbaram: amor e exigência, por exemplo. Como é que com a exigência evidente na vida empresarial se consegue meter o amor? Confessa não ter resolvido a questão imediatamente.

António Pinto Leite afirma que, no entanto, há algo prévio: não pode pôr em causa esta questão. Deus estava a dizer-lhe que era assim; se ele não compreendesse, a falha estaria nele. Teve sempre a sensação de que com a companhia de Deus seria capaz de chegar ao «como». Sugere um procedimento do mesmo modo; o que é uma qualquer grande empresa ao pé de Cristo? É como os Xutos & Pontapés ao pé de Beethoven, pois não há comparação. A orientação empresarial que Cristo concede é sempre certeira, produtiva, multiplicadora e pacificadora.

O que também o preocupou: amor e sofrimento. O sofrimento que um gestor ou líder empresarial tem de ocasionar na sua organização. Também a questão do amor e da produtividade, pois o amor induz uma ideia de relaxamento, compreensão e compaixão. De igual modo, o amor e o talento: António Pinto Leite é fundador de uma das maiores casas de advocacia em Portugal e tornou-se especializado em talento; naquela casa entravam jovens com médias muito elevadas e suscitava-se a questão de como gerir o talento; um jovem com muito talento, devido à sua vontade de subir na vida, é muito manipulável, pelo que há obviamente imperativos éticos de observância muito rigorosa.

Em relação à exigência, confessa não ter sabido resolver a questão. Tinha a noção de que Deus o havia levado a passear por vários sítios para lhe mostrar a solução para as suas questões: «a exigência é incompatível como o amor». Deus disse-lhe «vai lá ver o que é que escrevi». Teria então de encontrar um critério que estaria escrito no que Ele dissera: «ama o outro como a ti mesmo». É comum a outras religiões. «Ama o outro como a ti mesmo e traduz isso em gestão».

António Pinto Leite prossegue, afirmando que, para o gestor, é muito importante a forma como actua e como o transmite ao trabalhador ou ao accionista, que investiu, arriscou e espera o retorno.

E como é que se trata o fornecedor, o cliente, todos aqueles que estão em interacção com a empresa? O também autor afirma que «tratar o outro como gostarias que te tratassem se estivesses no seu lugar» tem uma grande componente do amor cristão que nos leva a descobrir «outros» em relação com a empresa que não estavam manifestos e que não constam nos manuais de gestão.

É preciso amar os concorrentes, adverte António Pinto Leite. Conta de uma ida à Madeira e em que iria ser entrevistado na televisão. Fora advertido de que o jornalista não gostava da Igreja; era muito agressivo, mas que era um bom jornalista. Colocou umas perguntas ao também advogado, que lhe fala do amor aos fornecedores. António Pinto Leite ri-se com a ideia da conversa posterior do jornalista com os seus amigos, de estar ufano com a antecipação e de ter ficado sem resposta: «Eu lá ia, pronto para o trucidar, e ele vem-me com o amor como critério de gestão. Não consegui responder». A plateia ri-se com gosto da ideia.

António Pinto Leite prossegue, contando que Deus o levou a um encontro de sábios da economia portuguesa: os responsáveis pelas maiores empresas e, ao mesmo tempo, católicos. Um há que lhe diz: «gosto da sua ideia, mas é impossível. É impossível meter o amor nas empresas, pois a exigência é incompatível com o amor». A reposta de António Pinto Leite, com a intuição do momento: «senhor engenheiro, quais são as pessoas que mais ama na vida? Os seus filhos? E há alguém com quem seja mais exigente?». Sorri, afirmando que o interlocutor tem uma resposta adorável, à engenheiro, e logicamente imbatível: «está resolvido».

Confessa que a paternidade se transformou num dos instrumentos de reflexão, de procura de respostas enquanto procurava a solução para o que se pergunta no tema deste encontro. Afirma ter efectuado avaliações a centenas de jovens talentosos na sociedade de advogados e recorda-se de os tentar situar em relação aos filhos e aos seus feitios. E uma forma de amar é supor «o que dirias tu à pessoa tal?»

Dá o exemplo de uma advogada talentosíssima que falha clamorosamente um prazo no meio de Dezembro. Diz ter tirado à jovem trinta por cento da cotação, desatando ela a chorar. A situação recorda a António Pinto Leite o seu próprio pai, que chorava depois dar palmadas aos filhos. Sugere-lhe «fale com a sua mãe», pois esta questão da paternidade era para ele muito relevante. No dia seguinte apareceu-lhe radiosa. «Então?», pergunta. «Falei com a minha mãe; respondeu-me que se fosse eu no lugar do doutor Pinto Leite não recebias nada». Não há ninguém que se ame mais que um filho e por quem mais se faça, mas maior exigência não há.

Há ainda o tema do sofrimento, prossegue. Era o mais procurado nas conferências, pois as pessoas sofriam por causa da crise económica, e com isso causavam sofrimento nas empresas. Deus levou-o ao hospital de Braga. Entra no auditório, no enorme auditório, e vê uma mancha indistinta e interpelativa de enfermeiros e médicos. Ao fim de quinze ou vinte minutos estava o tema em cima da mesa: «como é que se despede com amor? Como se concilia uma coisa com a outra?» A resposta estava nas batas, assevera António Pinto Leite: «vocês, que estão aí de branco, o que nos fazem? Picam-nos, tiram-nos órgãos, fazem-nos biópsias. A resposta estava à minha frente. Causam-nos sofrimento para nosso bem, para que a nossa vida seja sustentada. Todos os dias os médicos e os enfermeiros vêem pessoas a morrer; as empresas estão sujeitas à mesma lei da vida: as empresas não estão fora do contexto da vida».

A noção de que é por amor que aquelas pessoas fazem outras sofrer toca outro ponto fundamental, que é a reflexão do pensamento cristão sobre a questão do bem maior e essencial da vida. Não se pode tentar chegar a todo o lado porque se corre o risco de não se chegar a lado algum. O bem maior de uma empresa não é a sua sobrevivência; é a sua sustentabilidade. Deus não pede que o gestor de uma empresa dê a empresa aos pobres. Deus espera que aqueles a quem Ele deu os talentos, e não são muitos, façam progredir estas comunidades e as tornem cada vez mais acolhedoras de esperança e futuro; Ele está à espera de que o façam de uma forma sustentável.

O ex-presidente da ACEGE confessa-se muito afectivo, mas muito racional; não conseguiria andar para a frente se não resolvesse problemas da ordem da razão. Confessa que, com a modéstia própria a um advogado, à pessoa que estudou letras, se dedicou um pouco à economia e à gestão. Nos manuais afirmava-se que o lucro era o retorno financeiro dos capitais investidos. Não saíam dali, da maximização do lucro, sendo essa a função do gestor, e também a ambição razoável e natural do dono da empresa e do accionista, declara António Pinto Leite, que, como sócio, foi dono e gestor da minha sociedade. E onde é que Deus me levou? À sua sociedade.

Afirma que não tinha solução nos anos da troika, mas que foi na própria empresa que a encontrou. Estava muito preocupado porque havia 200 advogados e 90 colaboradores e se atravessavam anos complicados; para quem dirigia as empresas, exigia-se uma cautela grande. António Pinto Leite impressionou-se e sentia compaixão, como sempre. Solicitou ao director financeiro que se aumentassem as pessoas – eram 90 e tratava-se de um aumento de dez por cento; os advogados não careciam de aumentos. Conta que o responsável pelos dinheiros, um coração de ouro, lhe disse que não valia a pena, afirmando que «as pessoas apenas querem é manter o emprego, não estão a pensar em aumentos».

Foi então ter com o seu co-presidente: «João, isto não tem nada de lógico. A decisão financeira não tem sentido. Como aceito que aceito que seja criticável numa perspectiva de gestão, disse-lhe que pagava do meu bolso. Que me retirassem dos lucros no final do ano. A sociedade teria de ter pessoas que estivessem bem. Respondeu-me que não seria eu a pagar, mas a sociedade».

A proposta chegou ao conselho de administração. António Pinto Leite tornou a apresentá-la e a propor o pagamento do seu bolso. Há uma pessoa que dá imediatamente um salto: o António Lobo Xavier, presente neste jantar-debate da ACEGE. «Isso nem se discute! Aumentam-se as pessoas e paga a sociedade!». Talvez tenha sido a decisão mais errada na perpectiva banal da gestão, mas talvez a decisão mais rápida que o ex-presidente da ACEGE jamais presenciou.

António Pinto Leite percebeu que para todos os que haviam investido na sociedade, o retorno também era o bem-estar das pessoas. Afirma que a ideia já foi estudada e trabalhada em diversos sítios, incluindo Harvard e Stanford: a remuneração do capital investido não é apenas o retorno financeiro; é também o que se quer receber em troca. Se se actuar nas motivações de quem investe, podem responder-se a questões do bem comum, do bem-estar dos colaboradores, da melhoria das condições de vida, de apoio ao ambiente. O lucro tem de incluir estas métricas e Deus Nosso Senhor resolveu-o, garante.

No amor e no talento. Nas inúmeras conferências em que participou, com assistências dos alunos que terminavam os cursos, ocorreu a António Pinto Leite fazer uma pergunta. «Há três empresas, todas pagam o mesmo, oferecem formação no estrangeiro, possibilidade de progressão, mas há uma em que se afirma: o critério de gestão da minha empresa é o amor. Qual escolhem?». Eram várias dezenas e as pessoas respondiam todas, sem excepção, que escolhiam esta última.

É prova suficiente, assevera o advogado, garantindo que a atractividade, na captação de talento, assim como a sua retenção, o amor é um grande factor de escolha e muito diferenciador das empresas, tal como as que se apresentam como familiarmente responsáveis e características semelhantes.

Ainda a respeito da questão da produtividade., António Pinto Leite conta sobre o primeiro MBA em que participou: o professor que o convida confessa-se desagrado, pois afirma que ensinam os gestores a ser amorais e, se necessário, imorais.

Na apresentação, no anfiteatro da universidade, pergunta: «Um líder humano faz uma organização humanizada?». Garante que a resposta, em uníssono, foi afirmativa, significando que se projectavam muito no líder. Talvez se tenha olhado para o líder de uma forma de certo modo autobiográfica, pois a ideia «eu vou ser líder, eu vou conseguir transformar»; António Pinto Leite acredita que fosse esta a ideia.

A segunda pergunta foi: «Quem acha que uma organização humanizada faz pessoas felizes?». Mais uma vez, resposta unânime. Uma outra questão: «Uma organização de pessoas felizes é mais produtiva?». Todos de acordo: estas organizações mais produtivas são mais competitivas. António Pinto Leite fechou este exercício com a narrativa do líder humanizado e que patenteia amor.

O ex-presidente escreveu o livro e dá Graças a Deus por chegar a este ponto. O caminho que foi feito passa pelo Código de Ética da ACEGE, que terá cerca de 50 anos. As alterações efectuadas em 2015, na sequência destas alterações dos grupos Cristo na Empresa e dos núcleos regionais da ACEGE, consagraram com o «como» e o «se». Afirma-se «Não há ética cristã sem amor, e, assim sendo, não há ética dos negócios cristã sem amor. Pela nitidez do evangelho, não está na liberdade de um líder empresarial cristão discutir se assim é, mas apenas compreender como é». Ainda há outra ideia: «Sendo o amor o critério de Deus, e confiante de que a economia social de mercado está em harmonia com o Seu desígnio, acreditamos que o amor é o mais virtuoso, o mais justo, o mais exigente, o mais competitivo, o mais sábio, o mais produtivo, o mais sustentável e o mais atraente critério de liderança».

António Pinto Leite afirma que é um caminho que se tem vindo a fazer e que tem sido enriquecido por muita gente. A ACEGE faz parte de uma organização internacional, a UNIAPAC, que teve um congresso em Lisboa. O ex-presidente da ACEGE, foi falar e ficou impressionado porque ninguém falava de amor. Havia testemunhos de vida extraordinários, mas realmente ninguém falava de amor. Ele foi falar de amor e reconheceu-se que abordara um assunto que mais ninguém tinha tratado.

Segundo António Pinto Leite, a vida continuou e continuou a receber textos da UNIAPAC, sempre profundos e interessantes, sempre sempre, mas sempre sem abordar o amor, e que no próprio dia do jantar recebe uma mensagem de um livro da UNIAPAC em que se afirma finalmente «loving». O ex-presidente da ACEGE acredita que é transformador, que transforma as pessoas por dentro, e que é mais fácil dizer «Cristo» numa empresa que dizer «amor»; «Cristo ainda é um terceiro, amor sou eu, sem defesas, com os meus defeitos e as minhas vergonhas»

António Pinto Leite refere ainda a situação do filho mais velho, entrado num programa de CEO da Pepsi. Colocado na Sérvia, percebeu que as organizações eram absolutamente verticais num mundo de trabalho rigoroso e duro. Um chefe manda, quase com maus modos, e assim tem de ser feito, esteja ou não certo. Mas acrescentou que os subordinados do filho, quando esperavam uma ordem, receberam um abraço.

Com esta mensagem de amor, António Pinto Leite termina esta inolvidável apresentação do jantar-debate da ACEGE no núcleo de Torres Vedras; uma noite perene.