O Acordo de Paris alcançou um compromisso global histórico, no que ao alcance de um esforço universal, estrutural e progressivo para combater as alterações climáticas (contendo o aquecimento global), diz respeito, e que mereceu o elogio dos principais líderes mundiais. Mas não vincula metas ou prazos nacionais para o principal problema que a humanidade enfrenta a este nível – reduzir as emissões de gases com efeito de estufa –, o que desde logo suscitou fortes críticas de cientistas e organizações ambientais
POR GABRIELA COSTA

Limitar o aumento da temperatura global a 2º C, idealmente a 1,5º C, até ao final do século. Alcançar a neutralidade de emissões de gases de efeito de estufa (GEE), isto é, garantir a descarbonização da economia até 2050. Reforçar o financiamento anual de quase mil milhões de euros para os países mais pobres se adaptarem às alterações climáticas. Rever as metas nacionais de redução de emissões a cada cinco anos, mantendo-as ou incrementando-as.

Nestes quatro pontos essenciais se resume o resultado de duras e longas horas de negociações, durante treze dias (e algumas noites) que eram já o culminar de meses e meses de trabalho, anunciado com um dia de atraso face ao prazo previsto para o final da COP 21 pelo seu presidente, Laurent Fabius. Um acordo desde logo considerado “histórico” por todos os principais líderes mundiais, mas “céptico” por cientistas, ambientalistas e organizações empenhadas em combater as alterações climáticas. Até aqui, nada de novo, para quem acompanha há anos as Cimeiras do Clima e os esforços e pseudo-esforços dos países, da UE e da ONU.

Mas desta vez “histórico” quer dizer “imparável”, “essencial para a humanidade”, ou “o mais ambicioso da história”, nas vozes de líderes políticos como François Hollande, Ban ki-moon ou Barack Obama – e é-o, efectivamente, no que ao alcance de um compromisso universalmente vinculativo e efectivamente estrutural, progressivo e global, diz respeito.

E “céptico” estende-se à pouca ambição com que as 196 partes (195 países e União Europeia) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) se escusaram a estabelecer compromissos mais do que voluntários – sem metas, portanto – para a redução de emissões de gases com efeito de estufa, principalmente de dióxido de carbono (CO2), os quais só serão revistas a cada 5 anos (após a entrada em vigor do Acordo de Paris, em 2020), bem como à insuficiência na acção – nomeadamente até lá – e no estabelecimento de prazos para reduzir as emissões de carbono de modo a atingir os objectivos propostos de conter o aumento da temperatura e trocar os combustíveis fósseis por energias limpas, de modo a compensar todas as emissões até 2050.

E foi assim que, ao mesmo tempo que no Paris-Le Bourget, visivelmente emocionado, o presidente da COP 21, Laurent Fabius, declarava ao mundo a obtenção do Acordo de Paris, sob fortes aplausos e rodeado por François Hollande e Ban Ki-moon, uma multidão saía à rua, em várias capitais europeias e noutras cidades – Paris incluído, apesar do forte policiamento e da proibição de fazer manifestações públicas – com palavras de ordem contra a insuficiência do acordo e a necessidade de pressionar governos e empresas para alargarem a ambição de salvar não o planeta, mas a humanidade.

Como dizia uma manifestante anónima que acompanhou a marcha entre o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel, durante a qual foi transportada uma faixa gigante vermelha (simbolizando as linhas vermelhas intransponíveis de um acordo com justiça climática), “o problema é que embora falem de um objectivo de 2º ou 1,5º, as medidas apontam para um aquecimento de 3º C, e isso é um crime contra a humanidade”.

“EUA: o poder supremo” - © Parker Pfister
“EUA: o poder supremo” – © Parker Pfister

Esforços nacionais progressivos rumo à descarbonização

O documento, que reuniu o consenso de quase 200 países e da União Europeia, estabelece uma meta a longo prazo que limita o aumento da temperatura média no planeta “bem abaixo dos 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais” (limiar a partir do qual os cientistas prevêem grandes impactos e catástrofes ambientais), e apela aos países no sentido de “prosseguirem esforços” para travar o aquecimento global a 1,5º C (limiar necessário para garantir a sobrevivência dos países mais vulneráveis), ponto relativamente ao qual o Acordo de Paris, pura e simplesmente, “convida o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas a divulgar um relatório especial em 2018 sobre os impactos do aumento da temperatura média global em 1,5º C em relação ao período pré-industrial, e sobre os efeitos globais relacionados com as emissões de GEE”.

O texto reconhece, contudo, o que os cientistas já anunciaram há muito e vieram, no rescaldo da COP 21 reafirmar: se nada for feito, e já, em relação a esta matéria, os termómetros irão disparar entre 2,7º C a 3º C, de acordo com as estimativas para as denominadas INDCs – Intended Nationally Determined Contributions, isto é, os planos de acção nacionais.

Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa é pois um objectivo fulcral, mas sem metas nacionais: não há data marcada nem percentagens fixadas para este enorme desafio no texto final da COP21, o qual refere, textualmente, que se deve fixar o desígnio de “atingir um pico das emissões de gases de efeito de estufa o mais cedo possível”, para de seguida “alcançar a neutralidade das emissões dos gases com efeito de estufa até à segunda metade do século”.

Uma recomendação demasiado vaga para viabilizar, só por si, aquela que é a determinação do último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, segundo o qual só a descarbonização (zero emissões) da economia até 2050 permitirá limitar o aumento de temperatura a 1,5 graus.

Porque a verdade é que a quase maioria dos perto de 200 países (186) já apresentaram os INDC que pretendem implementar para reduzir as EEG até 2030 (os restantes deverão fazê-lo até à próxima Cimeira do Clima, que terá lugar em Marrocos, em Novembro de 2016) e, como reconhecem os autores do documento que firma o Acordo de Paris, as propostas voluntárias dos países são insuficientes: “anotamos com preocupação que os níveis de emissões de gases com efeito de estufa em 2025 e 2030, resultantes das intenções de contribuição determinadas a nível nacional não caem dentro dos cenários de menor custo dos 2º C”.

Resta a esperança de que os países desenvolvidos, incumbidos de continuar a assumir a liderança deste processo, aumentem voluntariamente a sua ambição na implementação de metas de redução de emissão absoluta em toda a economia; e que os países em desenvolvimento, responsáveis por reforçar os seus esforços de mitigação e adaptar a sua realidade, à medida das “diferentes condições nacionais”, à aproximação dessas mesmas metas, se voluntariem também para fazer muito mais pelo clima.

A revisão ‘em alta ‘das estratégias nacionais de combate às alterações climáticas até 2020 (incluindo as de desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, como as energias limpas) e, a partir desse ano, a cada cinco, necessariamente de uma forma progressivamente ambiciosa, já que não será permitido aos países envolvidos “reduzir metas ou objectivos” constitui um – porventura, o único – “sistema de avaliação periódica relevante” para contrariar essa insuficiência dos efeitos sob a descida da temperatura global dos planos de combate às alterações climáticas já submetidos por cada país, até 2025 ou 2030.

Apesar de a maioria das decisões a tomar sobre a estrutura do novo regime ficar adiada para os próximos anos, os representantes dos países reunidos na Cimeira do Clima pedem, no Acordo, “transparência na informação fornecida” por cada país (incluindo Estados fundamentais para esta batalha e que não fazem parte do protocolo de Quioto, como a China e a Índia) acerca das suas contribuições, incluindo nessa comunicação “informação quantificável nos pontos de referência, prazos ou períodos de implementação, alcance e cobertura”, nomeadamente no que concerne “a estimativa e contabilização das emissões de gases de efeito estufa de origem antropogénica”. Serão ainda elaboradas recomendações sobre a “necessidade de promover transparência, rigor, plenitude, consistência e comparabilidade” dos dados face à metodologia usada para avaliar as metas nacionais e a metodologia dos relatórios internacionais.

Finalmente, no que respeita ao financiamento dos países mais pobres pelos mais ricos, com vista a promover o investimento em energias sustentáveis (como as renováveis) e soluções de baixo carbono, e fornecer meios para que implementem acções quer de mitigação quer de adaptação aos efeitos das alterações climáticas, os países desenvolvidos devem continuar a disponibilizar 100 mil milhões de dólares por ano até 2025, e reforçar progressivamente este apoio financeiro, depois dessa data. Os países em desenvolvimento são convidados a participar.

Fica assim criado um mecanismo internacional de financiamento de danos induzidos pelas alterações climáticas, embora as contribuições destes últimos sejam voluntárias, e a ajuda das nações mais ricas dependa de doações sujeitas a um quadro de intenções nacionais, criticam vários especialistas climáticos.

Diferenças à parte, tanto quanto às obrigações de financiamento quanto às de cortes nas emissões, o Acordo de Paris, alcançado a 12 de Dezembro, com unanimidade (como era exigido) pelas partes da UNFCCC, reconhece que “as alterações climáticas representam uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades e para o planeta”, o que “exige a maior cooperação possível de todos os países”. Depois de ser traduzido para as seis línguas oficiais das Nações Unidas, o documento será simbolicamente assinado a 22 de Abril de 2016, Dia da Terra, na sede da ONU, em Nova Iorque. De sublinhar que o Acordo só poderá entrar oficialmente em vigor quando pelo menos 55 países, que representem 55% das emissões globais de gases com efeito de estufa, ratifiquem o acordo, o que deverá acontecer em 2020.

© Arnaud Bouissou – MEDDE / COP 21
© Arnaud Bouissou – MEDDE / COP 21

As estratégias de consenso nas negociações

No que ao envolvimento e responsabilização por parte de todos os países diz respeito, a universalidade do Acordo de Paris foi conseguida. A pulso, mas foi. Este é realmente o primeiro acordo global de acção climática que a humanidade alcança.

Mas como é que se consegue tal feito, que obriga a um compromisso comum – embora diferenciado – entre 195 países? Persistindo e convencendo os líderes que estão perante “a muito rara oportunidade de mudar o mundo”, ao adoptarem “o primeiro acordo universal da história das negociações climáticas”, como afirmou François Hollande, num apelo de última hora: “nações do mundo, a decisão está nas vossas mãos”. Endurecendo o tom e lembrando-lhes que, mesmo sem terem sido “satisfeitas as exigências de todos”, “está em jogo a credibilidade colectiva” dos governantes, como também disse o presidente francês, na recta final para o entendimento possível.

Exigindo responsabilidades em nome de todos os cidadãos do mundo, e deixando recados aos governos e às empresas para que cumpram e aumentem as suas ambições: “estamos quase no final de um caminho e sem dúvida no início de outro”. “É o melhor equilíbrio possível”, e “o mundo inteiro conta com todos nós”, invocou o presidente da COP 21, Laurent Fabius. “Vamos agora acabar o trabalho. O mundo inteiro está atento”, insistiu o secretário-geral da ONU, também envolvido nas negociações até ao momento da apresentação do texto final do acordo.

Admitindo que ninguém pretendia repetir o fracasso da cimeira climática de Copenhaga”, em 2009, Fabius defendeu que “a nossa responsabilidade com a história é enorme”, questionando: se falharmos hoje, como iremos reconstruir esta esperança?”

Os líderes reconstruíram, de algum modo, essa esperança, numa proposta de acordo “diferenciada, justa, durável, dinâmica, durável e juridicamente vinculativa”, segundo o ministro dos negócios estrangeiros francês, que garantiu as conversações com os vários ministros como anfitrião da Cimeira e que, ao lado de Hollande e de Ban Ki-moon, muito contribuiu para o sucesso da liderança da União Europeia nas negociações para um acordo largamente aplaudido como consensualmente “histórico”.

Mas ao qual só se chegou graças a várias tácticas de negociação e manobras de comunicação… para além da já referida pressão sobre os representantes das delegações dos vários países, exacerbada no culminar dos trabalhos pela França e pelas Nações Unidas, especialmente em relação a países susceptíveis de complicar o resultado final, como os EUA, a China ou a Índia, foi preciso flexibilizar o texto, no que dizia respeito às obrigações de corte de emissões de gases do efeito estufa por parte dos seus signatários.

A estratégia francesa passou simplesmente por alterar um tempo verbal, já na última versão do documento, e numa altura em que todos davam por garantido que o primeiro acordo global contra as alterações climáticas seria finalmente aprovado na capital francesa. Onde se lia “as partes que são países desenvolvidos deverão (“shall”, em inglês) continuar a liderar os esforços e a adoptar metas absolutas de redução de emissões para o conjunto da economia”, passou a ler-se “as partes que são países desenvolvidos deveriam (“should”) continuar a liderar os esforços e a adoptar metas absolutas de redução de emissões para o conjunto da economia”.

A troca de duas letrinhas apenas evitou que, eventualmente, o acordo final acabasse mesmo por ser inviabilizado, concretamente pelo governo norte-americano que, apesar de ter dedicado grande atenção à luta contra as alterações climáticas no segundo mandato de Barack Obama, ficaria numa posição complicada perante o Senado, se aceitasse um grau de vinculação legal dos objectivos de cada país para os cortes nas emissões pré-determinado por outros.

Mais curioso ainda foi a técnica sul-africana de negociação adoptada na COP 21 com o objectivo de se chegar a um consenso. Tradicionalmente usada pelos povos Zulu e Xhosa para ajudar a simplificar discussões entre partes em confronto, a “indaba” (assim se chama esta estratégia), foi testada por responsáveis da ONU na Cimeira de Paris, que encorajaram desta forma os líderes mais controversos a falar frente a frente e a apontarem as chamadas “linhas vermelhas”, isto é, as barreiras que para si são intransponíveis, para de seguida apontarem possíveis soluções para um bem comum, conciliando assim – pouco a pouco e em sessões privadas, o que permitiu que países com posições contrárias dialogassem sem estarem sob escrutínio colectivo – as diferentes vontades e intenções dos países. O resultado? “O que outrora era impensável é agora imparável”, como anunciou ao mundo, visivelmente congratulado, o presidente francês.


Comunidade internacional não pode esquecer os mais vulneráveis

Tempestade de areia em Jaisalmer, Rajasthan, na Índia - © Steve McCurry
Tempestade de areia em Jaisalmer, Rajasthan, na Índia – © Steve McCurry

Este é realmente o primeiro acordo global de acção climática que a humanidade alcança. O primeiro que implica o esforço e o compromisso de todos os habitantes da “casa comum” que o Papa Francisco exorta, na sua encíclica Laudato Si, na adopção de metas para a resolução daquela que é, porventura, a maior ameaça que a humanidade enfrenta. Não o planeta, que perdendo a sua biodiversidade, sobreviverá, mas nós, as pessoas.

Saudando, no Vaticano, a adopção do Acordo de Paris, Francisco pediu que a comunidade internacional prossiga na defesa do ambiente e das populações “mais vulneráveis”. Para o Papa, a concretização deste acordo “exigirá um compromisso comum e uma generosa dedicação por parte de cada um: desejando que seja garantida uma particular atenções às populações mais vulneráveis, exorto toda a comunidade internacional a prosseguir com solicitude o caminho empreendido, no rumo de uma solidariedade que se torne cada vez mais actuante”, concluiu.

Neste contexto, os países que subscrevem o documento final da Cimeira do Clima “devem respeitar, promover e ter em consideração as respectivas obrigações em relação aos direitos humanos, dos migrantes, das crianças e das pessoas em situação vulnerável, e o direito ao desenvolvimento, à igualdade de género, à capacitação das mulheres e à equidade internacional”, quando desenvolverem ações para combater as alterações climáticas, prevê o texto final do acordo.

Para a Cáritas, a COP21 “deve dar resposta à urgência das graves alterações climáticas, mas deve também servir como um marco para a criação de uma visão unificada para o futuro da humanidade sem deixar ninguém para trás”. Também a Aliança Internacional de Agências Católicas para o Desenvolvimento (CIDSE), avisa que será necessário o mundo estar profundamente empenhado em trabalhar com e para as pessoas afectadas pelas alterações climáticas. “Para proteger os mais pobres e vulneráveis, a economia global precisa de reduzir as emissões de carbono até 2050″, afirmou o seu secretário-geral, Bernd Nilles.

As duas organizações defendem que os combustíveis fósseis não devem receber mais subsídios e que devem ser extintos “de forma gradual, o mais rapidamente possível, ou o mais tardar até 2050”, e que a energia sustentável “deve ser acessível a todos”.

Representando mais de 180 organizações católicas em todo o mundo, a Caritas e a CIDSE apelam ao combate às mudanças climáticas, protegendo os direitos humanos de todos, o que “será a chave para a erradicação da pobreza, da fome e da desigualdade”.