São sábias as palavras de Peter Drucker e servem na perfeição para demonstrar aos gestores que, se as suas organizações estão em apuros, está na altura de partir para a renovação das suas principais dimensões. Reconhecer que o mundo mudou e adequar os seus objectivos, estrutura, coordenação, valores e comunicação é a única receita para responder aos desafios da gestão na era da complexidade dinâmica
POR HELENA OLIVEIRA

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A acompanhar os dois dias do Drucker Global  Forum esteve o norte-americano Stephen Denning, autor do livro premiado “The Leader’s Guide to Radical Management: Reiventing the Workplace for the 21st Century”, colunista da Forbes e consultor de várias organizações espalhadas pelos cinco continentes. Afirmando que os participantes foram melhores a formular as questões certas, do que a dar respostas adequadas – sendo esse, sempre, o desafio da gestão – Denning sistematizou os tipos de abordagens que os gestores deverão ter em consideração para serem capazes de tomar decisões, realizar escolhas estratégias eficazes e gerir para mitigar os riscos que, de forma, crescente, espreitam as organizações.

Assim, sobre que principais temáticas deverão os gestores reflectir para fazerem de 2014 um ano menos complexo para a gestão das suas empresas?

Num artigo longo e bastante completo, Steve Denning faz a sua leitura da conferência de Viena e elege os grandes tema que dela emergiram, em conjunto com a sua visão enquanto consultor de gestão nos vários cantos do mundo. O VER apresenta, de seguida, os principais resultados.

Uma conferência realista
“Uma paixão partilhada no que respeita à gestão” pelas mais de três centenas de participantes nesta conferência  é como Steve Denning avalia o Peter Drucker Global Forum de 2013, o qual geralmente é realizado de forma a coincidir com a celebração do nascimento de Drucker, a 19 de Novembro de 1909.

Mas e se muitas das conferências sobre gestão são encaradas com alguma desconfiança face ao tédio que delas é costume emanar, em conjunto com um optimismo desmesurado que as costuma caracterizar, Denning assegura que esta foi diferente, pois os seus participantes não só partilharam a paixão pela transformação da gestão e da liderança nas organizações, tentando trabalhar no sentido de se levar a cabo essa mudança fundamental, como acreditam que a gestão tem um impacto por demais importante na vida de todos nós.

Mas, e citando dados recentes, uma das realidades mais importantes que deverá preocupar os gestores da actualidade prende-se com o facto de apenas 11% da força colectiva de trabalho se confessar “apaixonada” pelas funções que exerce na actualidade. Para Drucker, esta percentagem traduzir-se-ia numa verdadeira tragédia humana. Ao que Steve Denning lança o desafio: é mesmo só isto de que a raça humana é capaz?

Falando de Doris Drucker que, com 102 anos, não deixou de, como já é seu hábito, pronunciar o discurso de boas-vindas num vídeo exibido no início do Global Forum, Denning afirma ter a certeza que Drucker concordaria com a mulher no que respeita ao facto de denominada Revolução da Informação não estar somente relacionada com montanhas de dados agora disponíveis ou até com novas formas de comunicação, mas sim com uma ideia muito mais transcendente e “maior” : mudanças cruciais no comportamento humano e também no seu sistema de valores.

Ainda no que respeita à gestão e ao seu futuro, Denning não deixou de salientar a importância de o evento ter reunido diferentes gerações de gestores e de se terem identificado os principais desafios aos quais estes terão de dar resposta. Aliás, como foi afirmado no encerramento da conferência, os participantes foram melhores a formular as questões certas, do que a dar respostas adequadas. Mas esse é também e sempre o desafio da gestão.

Se existe algo que teria agradado a Drucker foi o realismo presente na conferência em causa. Cansado de eventos onde os grandes feitos da gestão são exacerbados, os lucros chorudos endeusados e o céu é pintado de cor-de-rosa e, em contrapartida, se opta pelo silêncio no que respeita à forma como muitas das grandes empresas se enchem de dinheiro, de que o tumulto financeiro de 2008 foi causado exactamente pelo fracasso em lidar com a complexidade excessiva ou o fracasso subsequente na retoma da economia global em conjunto com a falta de emprego para os cidadãos, Denning sublinha a imagem realista e sem floreados que imperou neste fórum: a maioria das mais importantes e “grandiosas” organizações do mundo está com problemas, principalmente no que diz respeito à forma como a liderança está a ser encarada e praticada.

Citando os números apresentados por John Hagel, da Deloitte, no seguimento da publicação do Shift Index pela consultora, Denning sublinha que quando a engenharia financeira e os gadgets são retirados da “big picture”, esta fica muito mais tremida. A taxa de retorno dos activos norte-americanos representa apenas um quarto do seu valor comparativamente a 1965 e as empresas são crescentemente incapazes de retirar os benefícios económicos das suas actividades. Adicionalmente, num mundo em que a inovação é a chave, não é só a tragédia pessoal acima mencionada para os 89% da força laboral que não sentem paixão por aquilo que fazem que é preocupante: é, igualmente, um problema maior de performance que afecta as empresas que dependem da paixão dos trabalhadores no que respeita à criatividade e à inovação, as quais, na actualidade, fazem parte de uma maioria avassaladora.

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Novas ferramentas para as empresas em apuros
De acordo com Denning, Peter Drucker teria ficado bem impressionado pela convergência optimista que pairou na conferência sobre a forma como as organizações deverão ser geridas e como deverão lidar com a complexidade dinâmica. Se os oradores apresentaram perspectivas muito diferentes no que respeita à sua visão sobre a complexidade, para o colunista da Forbes, há razões para acreditar que um terreno comum foi também partilhado. Para Denning, esta convergência torna-se mais visível se olharmos para as cinco principais dimensões de uma organização, não só no que respeita aos fundamentos defendidos por Peter Drucker, como também pelos vários participantes da conferência.

Objectivos
Um dos princípios mais defendidos por Drucker e por ele declarado em 1973 rezava que “o único propósito válido de uma firma é o de criar um cliente”. E esta declaração foi a base de muitas das intervenções dos participantes no Fórum Global.

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De acordo com Denning, um dos participantes chamou a atenção para o facto de nunca ter ouvido falar tanto de propósito como nos dois dias do evento [o VER tem vindo, especialmente ao longo do último ano, a chamar a atenção para esta nova buzzword da gestão, tendo-lhe até dedicado um artigo que apela ao seu “cultivo” por parte dos CEOs]. Uma das razões para tal, segundo a interpretação de Denning, é a de que num mundo ambíguo, dinâmico, complexo e confuso, o propósito ajuda a conferir uma bússola orientadora. E também reflecte o facto de o equilíbrio do poder no mercado ter pendido para o cliente em detrimento da própria organização. Ou seja, senhor de múltiplas escolhas, em conjunto com informação instantânea e de confiança e com a possibilidade de comunicar com outros seus pares, o cliente tornou-se, colectivamente, o “patrão” da empresa.

E foram vários os oradores que, apesar de forma diferente, expressaram a ideia de que o lucro para os accionistas deve ser encarado como o resultado, mas não como o objectivo das empresas:
“As empresas não podem ser geridas exclusivamente de acordo com valores monetários. O valor do accionista é importante, mas não é o único. Uma economia somente encorajada pelo dinheiro não funcionará” (Fredmund Malik)

“O propósito é a cola que mantém as pessoas em conjunto” (Rick Goings, CEO da TupperWare Brands)

“Uma organização que prospera devido ao sentimento do propósito atrai os talentos de forma natural” (Tim Brown, CEO da IDEO)

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Estrutura
A maioria dos oradores referiu-se igualmente, e de formas diferentes, à mudança na estrutura de trabalho nas organizações, com enfoque para os gestores que deixaram de ser controladores de indivíduos para passarem a ser facilitadores de equipas e de redes auto-organizadas, tanto no interior como no exterior da organização. Esta é, como sabemos, uma forma muito diferente de se estruturar o trabalho, principalmente porque grande parte do mesmo é agora realizado no exterior da organização, tanto nas redes de parceiros como em conjunto com os clientes com quem a empresa interage.

Coordenação
Mas, e assim sendo, de que forma é que o trabalho pode ser coordenado, quando o seu objectivo, e até mesmo grande parte do próprio trabalho, reside para além dos limites da empresa? Mais uma vez, e apesar da terminologia diferente utilizada, algum consenso se gerou:
“Alguns chamam-lhe design thinking” (Tim Brown e Roger Martin)

“Outros denominam-no como pegada leve” (Charles-Edouard Bouée, Roland Berger Strategy Consultants)

“No sector público, fala-se de agilidade estratégica (Yves Doz) ou teste, aprenda e adapte-se”  (Michael Hallsworth)

“Estamos a assistir ao desenvolvimento das regras dinâmicas do jogo” (Mikko Kosonen)

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Apesar dos diferentes rótulos, estes oradores estão a descrever uma forma emergente de se coordenar o trabalho na era da complexidade dinâmica. Adicionalmente, é uma abordagem que resolve um dilema que predominou na gestão do século XX, nomeadamente, como era possível levar-se a cabo a inovação contínua ao mesmo tempo que se tinha de realizar uma execução disciplinada. De acordo com Denning, a gestão do século passado sempre oscilou entre estes dois pólos e nunca conseguiu uma abordagem correcta. Se se atingia uma delas, perdia-se a outra, garante Denning.

A realidade é que essa burocracia hierárquica, com as suas regras, planos e relatórios, simplesmente não era capaz de conseguir que o trabalho fosse feito. As novas abordagens para coordenar o trabalho, que foram emergindo ao longo dos últimos 15 anos, resolvem esse dilema, pois permitem tanto a inovação contínua como a execução disciplinada.

Estas novas abordagens incluem trabalhar em ciclos curtos iterativos, conferindo autonomia às pessoas, permitindo um feedback directo por parte dos consumidores ou dos seus representantes no final de cada ciclo. Ao longo do processo, o gestor enquanto controlador é substituído por alguém que permite a emergência da criatividade e remove os impedimentos anteriormente existentes.

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Valores
Como já se afirmou várias vezes, a organização do século XX funcionava num ambiente de eficiência e previsibilidade. Mas o mundo mudou. As organizações lineares movidas por estes dois princípios terão problemas em florescer, pois falta-lhes a capacidade para sentirem e se adaptarem à complexidade dinâmica dos ambientes que as rodeiam.

Os valores que aumentarão sobremaneira a sua importância são a transparência, a melhoria contínua e a sustentabilidade.

E foram vários os oradores que sublinharam a importância crescente da transparência:
Natarajan Chandrasekaran, da TCS, sublinhou que todos os dados têm de ser visíveis a todos os níveis; Rick Goings falou de um “sala grande” com todos os dados à vista para que as pessoas possam ver tudo o que se está a passar; Don Tapscott recuperou uma sua velha ideia, a de que as empresas estão “nuas” e que, por isso, têm de se adaptar; e, no geral, todos os oradores sublinharam que à medida que o mundo se torna mais dinâmico e complexo, a liderança tem de ser “autêntica”, um atributo para o qual  a transparência é a chave.

Por outro lado, esta necessidade de melhoria contínua e de inovação tem origem na mudança fundamental subjacente ao poder, o qual, no mercado, foi transferido do vendedor para o comprador, e que exige também uma mudança do enfoque interno para o enfoque externo. A empresa, por seu turno, muda de uma dinâmica de “dentro para fora” que obedecia à premissa de “distribuir coisas aos clientes” para uma dinâmica de “fora para dentro” que assenta em “compreender e ir ao encontro dos desejos também em mudança dos clientes”.

O CEO da Tata, por exemplo, sublinhou a importância de uma reimaginação contínua da própria empresa, para ser possível acompanhar o ritmo da tecnologia e dos desejos dos clientes em constante mutação.

Por último, a sustentabilidade tornou-se também num factor crítico para o estabelecimento de relacionamentos que crescerão em conjunto com a empresa no tempo, substituindo a ideia de uma “transacção única”. E, tal como afirmou um dos participantes, “não se deve pensar em alterar os produtos, deve-se, sim, pensarem alterar vidas”.

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Comunicações
A comunicação, que era predominantemente de “sentido único” e do topo para as bases, na organização do século XX, tornou-se interactiva e multidimensional, e mais horizontal que vertical. Não é verdade que a comunicação vertical tenha desaparecido, diz Denning, mas a comunicação horizontal tornou-se muito mais importante, tanto no interior como no exterior da empresa. Em vez de se dizer às pessoas o que deverão fazer a partir de uma perspectiva de autoridade, as comunicações transformaram-se em conversas nas quais existe um respeito mútuo relativo tanto aos pontos de vista como às competências dos intervenientes.

Para ilustrar esta mudança, Steve Denning volta a lembrar o exemplo do gigantesco banco global JP Morgan que, no passado dia 15 de Novembro, lançou, ou tentou lançar, na verdade, um esforço de comunicação com os seus clientes numa sessão “ao vivo” denominada @askJPM no Twitter. Mesmo antes de a sessão ter início, os membros do JP Morgan que iriam responder à sessão de perguntas foram forçados a abandonar a mesma, devido ao esmagador fluxo de mensagens negativas que estavam a ser enviadas pelos seus clientes.

Para Denning, este é um excelente exemplo de uma organização pertencente ao velho mundo, a tentar marcar posição no novo mundo e que de repente compreendeu (espera-se) que não estava verdadeiramente a par da sua actual situação ou do tipo de relacionamento que tinha com os seus clientes. E é também um bom exemplo que espelha o que Doris Drucker quis dizer quando, no vídeo que endereçou ao fórum global, afirmou que o novo mundo da comunicação e dos media sociais não diz apenas respeito a marcar presença no Twitter ou no Facebook. Esta “revolução” tem a ver com comportamentos e valores e, por isso mesmo, envolve um repensamento fundamental da forma como uma organização opera e como comunica com o mundo que a envolve.

Editora Executiva