Apesar da proliferação de relatórios, de compromissos expressos em estratégias organizacionais e de rótulos que pretendem convencer os consumidores que existe uma luta global a favor de um planeta sustentadamente equilibrado, a verdade é que há ainda um longo caminho a percorrer para que indivíduos e empresas se preparem para ganhar esta guerra. Assim, novas competências em sustentabilidade para a gestão precisam-se, como foi demonstrado num debate no ISEG
POR HELENA OLIVEIRA

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Os desafios da Sustentabilidade para a Gestão estiveram em debate, na passada quinta-feira, no ISEG. A instituição, que comemora este ano o seu centenário, aproveitou a ocasião para apresentar uma nova pós-graduação em Gestão da Sustentabilidade, cuja primeira edição terá lugar em Setembro.

A professora Helena Martins Gonçalves, coordenadora da mesma, abriu a sessão com a apresentação de vários estudos, nacionais e internacionais, que comprovam que esta temática é cada vez mais uma urgência para a generalidade das empresas, sublinhando a notoriedade crescente do conceito de desenvolvimento sustentável, mas alertando também que questões como os produtos e o consumo sustentável são ainda conceitos relativamente desconhecidos para a sociedade portuguesa.

No que respeita à Pós-Graduação nesta temática em particular, a ideia é abordá-la de uma forma transversal a todas as áreas da empresa, desde a gestão financeira, ao marketing e comunicação, à qualidade e aos recursos humanos. O objectivo é oferecer aos alunos uma perspectiva integrada para que possam estar aptos a desenvolver uma estratégia de sustentabilidade eficaz e geradora de mais-valias para a empresa, colaboradores e comunidade, assente num equilíbrio entre as vertentes económica, social e ambiental. Razão pela qual alguns dos convidados do debate – e que leccionarão algumas das disciplinas da mesma – estiveram também presentes na conferência em causa.

Victor Gonçalves, também professor no ISEG e que terá a seu cargo o módulo sobre governance, estratégia e sustentabilidade, apresentou uma análise retrospectiva das práticas de sustentabilidade que, a seu ver, têm surgido de forma reactiva a algumas questões globais: a escassez dos recursos naturais, o aumento do preço das licenças de CO2, as pressões provenientes dos grupos ambientalistas – a par das dos consumidores – sem esquecer a necessidade das empresas as aplicarem para uma melhor consistência do seu sistema financeiro foram as principais causas elencadas pelo professor para explicar esta emergência.

Apesar da crise financeira e económica, e como também demonstraram os estudos apresentados por Helena Martins Gonçalves, a sustentabilidade continua na ordem do dia e (bem) vivida pela gestão de topo das empresas. De acordo com Victor Gonçalves e citando dados de um estudo realizado em 2010, mais de metade das empresas da amostra em causa aumentaram os seus esforços de sustentabilidade no passado ano. O facto poderá ser explicado pelos benefícios – finalmente integrados no mindset das empresas -, inerentes às práticas de sustentabilidade e das consequentes recompensas.

Apesar de já sobejamente comentados, os benefícios para as empresas que adoptam práticas de sustentabilidade merecem ser sublinhados: da inegável melhoria da reputação da marca, a uma maior vantagem competitiva dada à possibilidade de um maior acesso a novos mercados e consequente aumento da sua quota nos mesmos, sem esquecer a integração de regras de compliance regulatórias, a sustentabilidade obriga ainda a uma maior inovação nos modelos de negócio e a uma eficiência crescente, devido à redução dos custos, nomeadamente energéticos e de desperdícios.

Alertando para o facto de não existir um conceito de sustentabilidade que seja universal – o que dá origem a muitos equívocos e também a práticas menos adequadas – Victor Gonçalves recordou a forma como é definido o desenvolvimento sustentável no famoso Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento e assim baptizado devido à então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Bruntland e que chefiava estas questões na ONU no início da década de 80: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias necessidades”.

Já no que respeita aos desafios identificados para as empresas, o professor enumerou a indispensabilidade de se estabelecer não só relacionamentos com os diferentes stakeholders, a par de uma verdadeira actuação com os mesmos e, muito importante, a necessidade de se prestar informação transparente sobre as actividades da empresa, algo a que se referiu igualmente, Rita Almeida Dias, na sua intervenção sobre os relatórios e as métricas da sustentabilidade vigentes. Victor Gonçalves referiu também a importância de um bom modelo de governance e de uma cultura na empresa que premeie as verdadeiras práticas de sustentabilidade, ao contrário das organizações que continuam a “cair na tentação” das práticas de greenwashing.

O “sweet spot” da sustentabilidade e as tendências nos relatórios
Lançado em 2006, o livro The Triple Bottom Line, escrito pelo antigo responsável de sustentabilidade da PricewaterhouseCoopers, Andrew Savitz, lançava o conceito do “sweet spot” da sustentabilidade, ou seja, o ponto de intersecção dos interesses das empresas com o bem comum. Mencionado por Luís Rochartre, o secretário-geral para o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD) considera que este trabalho de Savitz constitui ainda, cinco anos passados, um bom exemplo do que realmente representa o verdadeiro valor da sustentabilidade na criação de valor para a empresa.

Citando estudos de entidades tão diversas como o World Wildlife Fund, nomeadamente o Living Planet Report de 2010, Luis Rochartre alertou para o facto de o planeta estar já a viver 50% acima das suas possibilidades no que respeita à procura dos recursos naturais, com um consumo perigosamente excessivo e com emissões de carbono “astronómicas”. Focando a pegada ecológica, um dos indicadores utilizados no relatório e que mostra que a procura pelos recursos naturais duplicou desde 1966 – estando a população humana a utilizar o equivalente a 1,5 planetas para suportar as suas actividades – o secretário-geral do BCSD Portugal mencionou igualmente o Índice de Desenvolvimento Humano e o facto de que quanto mais ricos os países, mais recursos gastam, para alertar também para uma das oportunidades da sustentabilidade – a dos negócios inclusivos e do conceito de “valor partilhado” defendido por Michael Porter. Rochartre chamou ainda a atenção para a denominada tecnologia ecológica e para o livro de Peter Senge, The necessary revolution, como uma boa fonte de inspiração para os líderes de negócio que realmente querem alterar a sua abordagem relativamente às questões ambientais. Luis Rochartre terminou a sua prelecção afirmando que, para colocar o modelo da sustentabilidade em prática, é necessário transformar a responsabilidade em oportunidade e, seguidamente, integrar esta oportunidade na estratégia.

“O que não se consegue medir, não se consegue gerir e o que não se consegue gerir, não se consegue mudar” foi o lema escolhido por Rita Almeida Dias, da Sustentare, que esteve igualmente presente na conferência para falar sobre as tendências de reporting em sustentabilidade.

Focando as linhas de orientação para a elaboração de Relatórios de Sustentabilidade, nomeadamente as directrizes do GRI (Global Reporting Initiative), Rita Almeida Dias referiu igualmente a liderança da Europa no que respeita à publicação deste tipo de relatórios – só em 2010 foram publicados mais de cinco mil relatórios – e o facto de as organizações terem que obedecer a um conjunto de acções como as que se seguem: preparar, dialogar, definir, monitorizar e divulgar.

No que respeita aos benefícios destes relatórios, a consultora em sustentabilidade considera como necessário que nestes se identifiquem os pontos fortes, mas também os fracos em matérias de sustentabilidade por parte das empresas, conhecer melhor as expectativas dos stakeholders, identificar riscos e oportunidades, melhorar o sistema de gestão – no sentido de se reduzirem custos operacionais -, atrair e motivar os colaboradores e promover a inovação entre negócios e departamentos. Desta forma, não só a organização mantém a sua “licença para operar”, como se pode tornar muito mais atractiva para os investidores.

Todavia, existem alguns desafios ainda que as empresas têm de ultrapassar. Para já, devem as empresas definir metas concretas e alcançáveis nos relatórios e garantir o compromisso de todos os colaboradores com estas mesmas metas. O relato real do desempenho das organizações e, se possível, a comunicação dos resultados negativos da mesma (algo que a maioria ainda não está disposta a divulgar), são essenciais para que se produza um relatório claro e eficaz. Rita Almeida Dias que defendeu, logo no inicio da sua apresentação, a importância fulcral da ética para a sustentabilidade, alertou igualmente  que a consistência e a honestidade patente neste tipo de divulgação podem definir a organização no que respeita a uma separação entre “trigo e joio”.

Já as tendências que se avizinham passam por uma nova geração de directrizes do GRI (G4) que, em princípio, serão lançadas em Maio de 2013. Para já, as tendências apontam para relatórios integrados, para a comunicação trimestral de resultados, para uma particular atenção no que respeita à comunicação para públicos não especializados e a para a multiplicidade de meios existentes para a divulgação dos mesmos, tanto online como offline. A preocupação em se criarem microsites para o efeito é também uma tendência crescente.

Marketing ganha mais três Ps
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Carolina Afonso escolheu para tema da sua tese de mestrado “o consumidor verde português: perfil e comportamento de compra”. A tese, que viria a dar lugar ao livro “Green Target” foi igualmente a abordagem escolhida para figurar na conferência organizada pelo ISEG. Explicando sumariamente a mudança de valores que parece estar a dar origem a uma nova classe de consumidores, a especialista em marketing sustentável sublinhou, todavia que, dada a proliferação de produtos “verdes” a invadirem o mercado, estes novos consumidores sentem-se ainda bastante confusos no que respeita à sua “veracidade” face aos homólogos convencionais. A partir de um inquérito realizado com uma amostra de 186 indivíduos, com o intuito de aferir o perfil do “consumidor verde” português, Carolina Afonso chama a atenção para o facto de as variáveis sócio-demográficas analisadas – sexo, idade, habilitações literárias e rendimentos – não serem relevantes para explicar o comportamento do consumidor ecologicamente consciente. Todavia, quando se analisam as variáveis psicográficas, conclui-se que tanto a eficácia percebida – ou seja, acreditar que as acções individuais têm um papel relevante no combate à destruição ambiental – e também o altruísmo, constituem os principais motivos para explicar as alterações de comportamento ecologicamente consciente deste novo estilo de consumidor.

Desta forma, os dados deste estudo poderão dar origem a um repensar das estratégias de marketing, no sentido em que o planeamento deverá não só incluir o impacto económico e financeiro dos produtos e serviços, como a sua componente ecológica.

Carolina Afonso alertou ainda para a urgência de se adicionar aos 4 Ps do marketing – produto, preço, posicionamento e promoção – os 3 Ps da sustentabilidade (planet, profit, people), sem esquecer os cinco passos identificados para um marketing sustentável eficaz. A saber:

  1. Conhecer o cliente – se é ecologicamente consciente e se valoriza os atributos ecológicos nos produtos;
  2. O necessário envolvimento do cliente no processo (cada vez mais o consumidor valoriza a sua própria integração nos seus processos de escolha e compra)
  3. A transparência ou a comunicação elucidativa (em contraponto ao greenwashing)
  4. A garantia ecológica, que desfaça as dúvidas e desconfianças dos consumidores relativamente ao compromisso ecológico
  5. Considerar o preço – que constitui o maior obstáculo para a disseminação deste “movimento” – na estratégia de posicionamento e de segmentação, alertando para o facto de este tipo de produtos evidenciar uma valor acrescido.

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