A entrada de accionistas estrangeiros no capital das empresas nacionais, mediatizada nos últimos dias pela conclusão de compra da posição estatal de 21,35% da EDP pelo gigante chinês Three Gorges, constituiu o mote para uma conversa com Pedro Rocha Matos, Partner da Heidrick & Struggles, sobre os desafios que os conselhos de administração têm em mãos para florescer em tempos conturbados. Adaptação e reinvenção são algumas das palavras de ordem que os “maestros” deverão perseguir
POR HELENA OLIVEIRA

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Com a potencial entrada de accionistas estrangeiros de peso em empresas portuguesas, que tipo de desafios se podem esperar ao nível do conselho de administração (board), tanto no que respeita aos seus modelos como relativamente às diferenças culturais?
Na minha visão são três os principais desafios.
O desafio da diversidade. Pressupondo que os novos accionistas são estrangeiros, a diversidade cultural, de experiências e de background serão seguramente desafios a gerir, sendo que a diversidade no board consiste numa boa prática por introduzir novas perspectivas na gestão estratégica e táctica na companhia.

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Pedro Rocha Matos é Partner e administrador executivo da H&S em Portugal
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O desafio do equilíbrio de forças e do consenso. A existência de novos accionistas acarreta seguramente a necessidade de alinhar expectativas e objectivos, equilibrar poderes, tendo em vista a construção de uma visão partilhada da estratégia da empresa.

E, por último, o desafio do onboarding. Integrar novos accionistas no modelo de governo da companhia deve necessariamente implicar, na minha visão, um processo de acolhimento e integração dos representantes dos novos accionistas, na realidade e contexto da companhia. O processo de onboarding, prática comum nas grandes empresas multinacionais, consiste num processo estruturado de imersão e integração dos novos administradores, por forma a assegurar uma curva rápida de desempenho e minimizar disrupções na gestão da companhia.

Assim, o Chairman e o CEO têm aqui um papel determinante e devem trabalhar intensamente no sentido de criar um modelo de governo robusto, equilibrado, transparente e alinhado com os objectivos estratégicos e potenciar um verdadeiro espírito de corpo na equipa de gestão da companhia.

De acordo com um estudo realizado pela H&S, é dito que o papel do chairman e uma cultura ideal no interior do board poderá estabelecer a diferença entre florescer ou fracassar nos tempos de turbulência que vivemos. Assim, que tipos de competências deverão ser privilegiadas num chairman nesta altura em particular?
O Chairman é um líder distinto da Organização. A globalização, a sociedade de informação e a proliferação de diversos stakeholders com interesses directos e indirectos na companhia, determinam que o Chairman conheça mais da sua companhia e dos mercados onde opera, esteja mais envolvido na definição estratégica da empresa e que proporcione mais suporte ao CEO e à equipa executiva. Neste sentido, destacaria oito competências críticas onde os chairman deverão, no futuro demonstrar, elevada proficiência:

  • Proactividade
  • Planeamento e organização
  • Visibilidade
  • Gestor de equipa
  • Facilitador de decisões
  • Escuta activa
  • Energizador e mobilizador
  • Elevado coeficiente de Inteligência Emocional

Que tipo de cultura poderá ser considerada como “ideal” nesta perspectiva?
O Chairman pode facilmente ser comparado a um Maestro. É ele que estabelece a ritmo e influencia as interacções e o estilo de trabalho dos membros da equipa executiva. Quando a cultura no board se torna tóxica, provavelmente a única solução será substituir o Chairman. No entanto, há que ter presente que a eficácia do board demora tempo e requer, provavelmente, mudanças pessoais ao nível de cada membro da equipa executiva. O board é um órgão único e cada empresa tem a sua realidade, pelo que não há uma definição absoluta de uma cultura “ideal” do mesmo. Há, no entanto, algumas características universais essenciais, que contribuem para uma eficaz dinâmica de funcionamento do board:

  • Liderança e gestão de excelência
  • Visão partilhada sobre o rumo estratégico da companhia
  • Espírito de corpo
  • Agenda claramente definida e efectivo follow up
  • Definição clara de prioridades e alocação de responsabilidade em função dos skills
  • Enfoque na estratégia e nos objectivos de negócio
  • Balanço equilibrado de contribuições de cada membro
  • Gestão de personalidades dominantes e contidas, potenciando igual contributo de todos
  • Alcançar decisões suportadas no consenso (não na maioria)
  • Balanceamento entre interacções formais e informais entre os vários membros do board
  • Alinhamento entre cultura do board e a cultura da companhia

O estudo apontava também para o facto de, apesar de terem sido observados esforços significativos para aumentar os padrões de governance, tem sido dada atenção insuficiente aos aspectos comportamentais em oposição aos desafios técnicos no interior dos boards. Gostaria que comentasse este gap, exemplificando os aspectos comportamentais necessários para um aumento de eficácia dos mesmos?
Sem dúvida que neste novo contexto de mercado, a vertente soft será o factor determinante para o sucesso do governance da empresa. A criação de uma verdadeira equipa de elevada performance no board será determinante para ultrapassar os momentos de agitação dos mercados. Destaco três domínios essenciais onde nos devemos concentrar:

  • Cultura do board, referida anteriormente
  • Características comportamentais dos membros do board: auto-consciência e auto-domínio emocional, consciência organizacional, espírito de equipa, transparência, coragem e optimismo, catalisador da mudança, capacidade de realização, liderança inspiradora e capacidade de criar redes de relações.
  • Por último, a eficácia do board depende em muita da capacidade dos vários membros trabalharem em equipa, respeitarem a diversidade e a diferença, ajustarem temperamentos, alavancarem nos diferentes backgounds, consensualizarem opiniões, fomentarem redes de relações e criarem um verdadeiro espírito de corpo.

Face ao período que antecedeu a denominada Grande Recessão (2008), que novos desafios têm os CA de ultrapassar para manter a sua eficácia?
Novos grandes desafios se avizinham neste novo contexto, de facto, dos quais destacaria:

  • A diminuição da capacidade de financiamento das nossas empresas
  • A inevitabilidade de internacionalizarmos as nossas empresas, quase como condição de sobrevivência, para mercados emergentes e outros em crescimento acelerado
  • A entrada de accionistas estrangeiros no capital das nossas empresas
  • O aumento da competitividade do mercado local e internacional
  • A necessidade de gerir diferentes stakeholders locais e internacionais, para além dos tradicionais (colaboradores, clientes e accionistas)
  • O aumento da carga regulatória e de mecanismos de supervisão, nomeadamente, sobre temas de governance

Estes são alguns dos desafios que implicam necessariamente que as nossas empresas se transformem, se adaptem, se reinventem e se tornem mais atléticas. O CA terá aqui um papel determinante ao ter a visão, a coragem, a capacidade de mobilização e de motivação da organização para a concretização da sua estratégia e objectivos de negócio, agora mais do que nunca, como condição de sobrevivência.

E que principais competências se pedem, actualmente, aos membros do board?
Para além da excelência no domínio técnico, hoje é exigido a um administrador elevada proficiência nos domínios das competências soft, de entre as quais destacaria:

  • Conhecer as suas próprias forças e os seus próprios limites;
  • Ser capaz de ler as suas próprias emoções e de reconhecer os seus efeitos; usar o “instinto” para orientar as decisões.
  • Mostrar honestidade e integridade;
  • Adaptação a ambientes de mudança e a situações em que é necessário ultrapassar dificuldades;
  • Estar pronto para agir e aproveitar oportunidades;
  • Ver o lado positivo dos acontecimentos;
  • Captar as “ondas”, as redes de decisão e as políticas que atravessam a organização;
  • Reconhecer e satisfazer as necessidades dos diferentes stakeholders;
  • Utilizar visões irresistíveis para orientar e motivar as pessoas;
  • Desenvolver as capacidades dos outros dando-lhes feedback e orientação;
  • Resolver desacordos e disputas;
  • Cultivar e manter redes de relações;
  • Cooperação e capacidade para gerar espírito de equipa;

O colapso financeiro mundial implicou a criação de novas regulamentações que devem ser cumpridas pelos órgãos de governo das empresas. Quais os principais enfoques das mesmas?
O colapso financeiro mundial provocou um processo profundo de revolução de práticas e quebra de paradigmas. Do ponto de vista do governance foram criados novos normativos aplicáveis às empresas, essencialmente focados em:

  • Transparência de informação
  • Separação clara de poderes
  • Processos e práticas de funcionamento
  • Avaliação de performance e compensação

As regras são hoje mais exigentes, e mais alinhadas com padrões de boas práticas, como é o caso Inglês, o escrutínio é hoje feito por uma multiplicidade de stakeholders (que não só o accionista), estamos a viver tempos difíceis, pelo que os administradores têm que ser necessariamente mais proficientes e a sua gestão mais eficiente.

A competitividade e os modelos de compensação são duas das áreas eleitas como prioritárias no vosso estudo. Face aos demais países europeus e numa altura em que a Europa está a braços não só com uma crise política e económica mas, de forma inerente, também de competitividade, qual a posição de Portugal nestas matérias?
No meu chapéu de especialista em gestão de talento, destaco sem dúvida alguma, a necessidade de apostarmos verdadeiramente no talento português. As empresas são feitas de pessoas e este é o activo crucial para o seu sucesso. Neste sentido destacaria alguns vectores que parecem importantes:

  • A necessidade de cada vez mais se aproximar o ensino em geral, da realidade das empresas portuguesas. É fundamental que os alunos percebem desde cedo a realidade do mundo das empresas. Hoje a disrupção é ainda enorme entre o que se aprende na escola e o que se exige numa empresa.
  • As competências hoje exigidas aos quadros técnicos e gestores vão muito para além de conhecimentos técnicos. A vertente emocional e comportamental é um factor diferencial. O ensino e as empresas têm aqui um papel determinante na preparação desta nova geração, o mundo mudou muito, hoje temos uma realidade multi-relacional e global que exige um outro naipe de competências;
  • Ter bem presente que temos, em Portugal, 350.000 PME e que esta é realidade do nosso tecido empresarial. Estas empresas têm que ser uma aposta de futuro, temos que conseguir injectar o nosso talento nestas empresas.
  • A aposta das empresas em mecanismos de motivação, retenção e desenvolvimento do seu activo humano. Parece um desígnio já muito gasto, mas a verdade é que continuamos ainda muito focados em pacotes de remuneração atractivos que, no contexto actual, deixam de ter aderência e, mais ainda, talvez não sejam tão valorizados por esta nova geração, comparativamente a gerações anteriores.

Dadas as diferentes estruturas dos boards, a par dos distintos ambientes de corporate governance existentes na Europa, não é fácil assinalar um conjunto de boas práticas que sirvam a todos. Todavia, decerto que existem algumas que devem ser comuns. Que boas práticas elege, no geral, e, para Portugal, no particular?
Portugal, à sua dimensão, capacidade e tendo presente a sua história, realidade económico-financeira e especificidades do tecido empresarial, está empenhado na convergência com as práticas de referência a nível internacional. Por outro lado, a agitação dos mercados estimula e desafia à mudança e à inovação. Neste sentido, o governance das nossas empresas cotadas, sendo um dos aspectos cruciais para o sucesso na criação de valor para os stakeholders foi, necessariamente, positivamente impactado. Destacaria pela positiva, sobretudo, a evolução na transparência na divulgação de informação sobre os modelos de governo e a estruturação e competitividade dos modelos de compensação. Como apostas para o futuro destacaríamos: a diversidade de experiências no board (género, background profissional, nacionalidades…) e as práticas e eficácia da avaliação de performance dos membros do board.

A Heidrick & Struggles desenvolveu uma metodologia de “Board Efectiveness” que se destina a avaliar precisamente a eficácia do board. Que principais etapas são inerentes a esta metodologia?
Esta metodologia é para nós um instrumento de trabalho facilitador na criação de uma “high performing team” no board. A figura abaixo espelha as principais etapas desta metodologia:

A nossa experiência diz-nos que grande parte das empresas se concentra na vertente técnica do modelo de governance e na avaliação anual e plurianual do desempenho dos membros do Board. Por falta de benchmark com boas práticas, coragem, visão ou tempo são raras as empresas que chegam a fase do “advanced board”. Mas é precisamente a partir desta fase que saímos da esfera da “função de administrador” e entramos na esfera da “pessoa” que ocupa o cargo de administrador, analisando as suas características individuais de liderança, comportamentais e de inteligência emocional e a forma como impactam a dinâmica de funcionamento da equipa do board.

Este processo, permite efectuar um diagnóstico confidencial e rigoroso, que requer coragem e grande veracidade, e que pode potenciar uma evolução a nível individual, tendo em vista uma maior eficácia do funcionamento em equipa. O grande entrave deste tipo de processo está, sobretudo, na dificuldade (ou falta de coragem) dos membros do board reconhecerem que, tal como as suas equipas, têm aspectos onde melhorar na sua dinâmica de funcionamento como equipa, talvez por não querem expor ou por se acharem já bastante seniores ou pela resistência natural a este tipo de processos. No entanto, são já vários os casos de sucesso de implementação em termos internacionais e o reconhecido retorno desta abordagem. Acreditamos que, no contexto nacional, pela necessidade de agora, mais do que nunca, termos que ser competitivos a todos os níveis, os boards se tornem sensíveis a esta abordagem.

2012 será um ano complexo para as empresas. Que principais desafios antecipam para esta nova era de dificuldades?
Alguns dos desafios têm sido referidos ao longo desta nossa conversa, no entanto, sistematizaria os seguintes pontos:

  • Financiamento: assegurar fontes de financiamento, seja através da banca, de fundos, de investidores privados ou de accionistas, num contexto complexo de escassez de dinheiro. Este será seguramente um desafio acrescido para os CFO.
  • Competitividade: tornar as empresas competitivas no contexto nacional e nos mercados internacionais, o que implica visão, coragem, propensão para o risco e uma gestão eficaz de recursos. A coesão da equipa de gestão será determinante para a criação de uma visão partilhada de futuro.
  • Sustentabilidade: assegurar a sustentabilidade da empresa, procurando abordagens inovadoras de geração de retorno e mais-valias para os seus stakeholders, o que pode implicar repensar o negócio, a cadeia de valor e a estratégia da empresa. A capacidade de pensar “out-of-the-box” de todos os colaboradores da empresa tem que ser potenciada.
  • Talento: constituir equipas coesas, complementares, comprometidas, focadas e orientadas para resultados, com elevado coeficiente de inteligência emocional. Este é o desafio de todos os gestores de pessoas.
  • Sorte: trabalhar muito, com determinação, resiliência, auto-motivação, resistência e esperar que a nossa “estrela da sorte” brilhe.

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