A mudança de perspectiva face à realidade laboral originada pela pandemia obrigará muitos líderes empresariais a questionarem o que consideravam como dados absolutamente adquiridos e, em muitos casos, a criarem um novo mundo do trabalho capaz de manter os seus trabalhadores envolvidos, produtivos e devidamente preparados para enfrentar os novos desafios que caracterizarão a era pós-Covid. Apesar de muitas incógnitas, um conjunto de docentes da Harvard Business School expressou as suas visões, dúvidas e apostas para o futuro que se segue e sem unanimidade nas respostas. Existe apenas uma ideia que os une: a de que nada vai voltar a ser como era e de como isso pode ser assustador. Mas, e se tudo correr bem, igualmente benéfico e transformador
POR HELENA OLIVEIRA

Depois da prova superada por muitas empresas de, num curtíssimo espaço de tempo, terem sido capazes de enviar os seus trabalhadores para casa com a boa surpresa de verem os seus níveis de produtividade manterem-se elevados ou sem grandes alterações, eis que o contexto da pandemia parece ter acalmado e é tempo de regressar à normalidade do escritório. O problema é que a normalidade ficou lá atrás e os locais de trabalho tal como os conhecíamos, bem como as rotinas que os orientavam, deixarem de existir. Não só o trabalho remoto ganhou pontos jamais imaginados, não só no que respeita aos trabalhadores, mas também aos próprios empregadores, como as ideias convencionais que caracterizavam o próprio contexto laboral sofreram, e graças à pandemia, alterações consideráveis e que podem ser permanentes.

A unidade de pesquisa dedicada à liderança empresarial da Harvard Business School pediu a vários membros do corpo docente da prestigiada escola de negócios para partilharem as suas ideias sobre este novo mundo do trabalho, apesar das muitas incógnitas que o mesmo encerra, bem como sugestões para ajudar as empresas a retirar o melhor partido desta disrupção criada pela pandemia. O VER sumariza de seguida algumas das visões partilhadas por alguns destes professores, esperando igualmente ajudar os lideres empresariais portugueses a saberem lidar com o que aí vem e com o que não volta(rá) mais.

“A flexibilidade será o que separará os vencedores dos vencidos”, Rosabeth Moss Kanter

Na sequência da pandemia e da transição para o trabalho remoto, as expectativas das pessoas de poderem continuar a organizar as suas vidas sem horários rígidos e impostos pelas empresas poderá ter mudado para sempre as rotinas laborais. Quem o afirma é a reconhecida pensadora de Gestão, Rosabeth Moss Kanter , que acrescenta também que tendo em linha de conta que esta experiência correu muito melhor do que se pensava e dado que a incerteza não mostra ainda sinais muito animadores de abrandamento, a flexibilidade será o que separará os vencedores dos vencidos. Ou seja, e mesmo nos casos em que se trabalha mais arduamente e ao longo de mais horas, os trabalhadores querem controlar o “quando” e o “onde” relativamente às suas funções profissionais. Tal não significa, contudo, que se deva descurar a importância das relações humanas, o que é absolutamente fundamental também em contexto de trabalho.

Por outro lado, existem igualmente mudanças nas expectativas dos líderes. Como afirma, estamos perante a emergência de novos papéis organizacionais, incluindo “chefes de saúde, chefes gurus do clima, chefes da diversidade e czares de inclusão”, e outros papéis orientados para as mudanças que estão a ter lugar em todo o mundo. E, como sublinha, “alguns CEOs estão até a encontrar um novo significado para o ‘E’ [de Executive] no seu título transformando-se em Chief Empathy Officers”.

Dado que a pandemia deu também origem a novas competências, CEOs “exemplares”habituaram-se a comunicar com os seus empregados mais frequentemente e de uma forma mais ampla, consolando-os devido às suas perdas, sentindo uma empatia muito mais genuína relativamente às suas questões familiares e trabalhando também de uma forma muito mais próxima com as equipas, na medida em que as habituais “camadas” organizacionais foram removidas. E porque se tornou mais difícil saber onde é que as pessoas estão em determinada altura, torna-se mais crítico ainda perceber onde se encontram em termos “mentais”.

A reconhecida professora de Harvard chama igualmente atenção para o aumento do esgotamento profissional. “Falei com vários vice-presidentes seniores que partem sem razão aparente, bem como com COOs e CFOs que se retiram da corrida para o cargo de CEO”, diz, alertando para o facto de, e para termos uma era pós-pandémica de sucesso, os melhores talentos passarem a exigir agora uma maior atenção ao lado humano a par de uma reafirmação da missão e dos valores das empresas para que trabalham.

Por outro lado, e na medida em que a criatividade é cada vez mais necessária para melhorar as ligações humanas e promover um sentimento de pertença, Moss Kanter dá o exemplo de uma grande empresa tecnológica, cujas equipas de trabalho à distância estavam dispersas por numerosos locais, e que inventou um novo papel para aumentar a baixa moral: “mayors” ou voluntários que receberam pequenos orçamentos para ligar pessoas que vivem na mesma zona através de eventos com o objectivo de ganharem novos talentos não relacionados com competências laborais (concertos ou comédia, por exemplo).

Quando a pandemia (eventualmente) terminar, seguir-se-á a recuperação económica, mas esta não resolverá todos os problemas actuais, defende ainda a docente de Harvard, recordando que o ano que passou foi caracterizado pela escassez e pelo aumento da desigualdade. “Restaurantes, retalhistas e oficinas de reparação têm cessado a sua actividade, e o desemprego tem afectado desproporcionadamente mulheres e minorias”, sublinha ainda. E, no interior de organizações que abrigam a uma mentalidade de escassez (quem será o próximo a ser despedido?), a “traição” e a perda do foco no trabalho seguem-se de imediato. E, como defende, culturas de escassez e desconfiança são más para os negócios.

A terminar, e com o seu mais recente livro a intitular-se Think Outside the Building: How Advanced Leaders Can Change the World One Smart Innovation at a Time, a “senhora” de Harvard deixa uma mensagem final e também uma questão:

“Da empatia como um atributo chave da gestão à equidade no ecossistema, os líderes empresariais serão cada vez mais chamados a demonstrar que o bem-estar se junta à riqueza como um objectivo fundamental dos negócios. Será que mais líderes estarão à altura do desafio?”

“A questão que se coloca não é se o trabalho remoto vai continuar, mas sim em que situações é que o mesmo faz sentido”, Amy C. Edmondson

“Demasiadas pessoas perguntam se voltaremos ao normal. Para mim, a palavra problemática é ‘voltar’. Não há como voltar aos tempos pré-Covid. Há apenas um caminho em frente – um futuro novo e incerto que nos oferece uma oportunidade para um repensar criterioso”, afirma Amy C. Edmonson, professora de Liderança e Gestão.

Como declara, a Covid-19 introduziu mudanças extraordinárias na forma como trabalhamos, sobretudo ao forçar muitas pessoas a trabalhar remotamente. Naturalmente, isso trouxe benefícios, mas também desafios. E sublinha, “somos criaturas sociais que precisam de estar juntas durante algum tempo para se sentirem ligadas e para gerarem novas ideias e soluções. A questão que se coloca não é se o trabalho remoto vai continuar, mas sim em que situações é que o mesmo faz sentido”.

Na visão de Amy Edmondson e conceptualmente, a questão é simples. Trabalhar a partir de casa funciona melhor para tarefas relativamente independentes e quando o trabalho pode ser facilmente partilhado à distância. Trabalhar em conjunto com outros é (mais) importante quando as tarefas são interdependentes, quando requerem que a partilha de conhecimento tácito flua facilmente e quando as necessidades de coordenação não são programadas nem previsíveis. Assim, e como sugere, uma avaliação clara do tipo de trabalho que os empregados fazem ajudará a determinar o grau de dependência da proximidade que a empresa precisa para manter a qualidade das suas operações.

Para a professora de Liderança e Gestão, a criação de futuros acordos de trabalho deverá basear-se no que o trabalho exige de nós e não nas nossas preferências. Para muitas empresas e no actual contexto, a via mais lógica será a de “misturar” dias em casa e no escritório. Mas uma abordagem híbrida não funcionará se for deixada meramente à escolha individual: deve ser estruturada, de modo a que as pessoas estejam juntas de forma previsível no que respeita às funções que apresentam maior interdependência. “Assim, a simplicidade conceptual dará origem a uma complexidade operacional que permitirá resolver os mecanismos para decidir e conceber estas novas fórmulas que produzam, de igual modo, o contentamento dos trabalhadores e a sua produtividade”.

E, para dar o tiro de partida, a também autora do livro The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth reforça a ideia de que os líderes organizacionais precisam de se comprometer a dizer a verdade sobre o que a empresa realmente precisa, ao mesmo tempo que devem envolver as pessoas no trabalho árduo de criar soluções em conjunto.

“Os líderes devem concentrar-se em como tornar o trabalho inspirador, estimulante e envolvente, quer esse trabalho seja feito no escritório ou não”, Gary P. Pisano

Na era pré-Covid, utilizávamos normalmente a frase “ir para o escritório” ou “ir para o trabalho” pois isso significava um acto “físico” na medida em que entrávamos num carro ou num transporte público para lá chegar. O ano que passou mudou a forma como definimos o escritório, que já não significa um lugar físico, mas sim um”estado de trabalho”.

Quem o afirma é Gary P. Pisano , Professor de Administração de Negócios e que acredita que na era pós-Covid iremos aceitar que o escritório não é necessariamente um espaço físico, mas esse tal “estado de trabalho”, o que não significa, contudo, que não vamos para os lugares a que chamamos escritório ou “trabalho”. Em particular e no que respeita às limitações que muitos trabalhadores têm – como ter filhos pequenos em casa, por exemplo, ou viverem num lugar sem as condições necessárias para executar as suas tarefas profissionais, então esse lugar físico chamado escritório pode ser crítico.

Por outro lado, afirma Pisano, é obvio que existirão situações em que a presença física será necessária e não podemos descurar o facto de que um almoço em equipa ou as normais pausas para o café são cruciais para fortalecer relacionamentos e níveis de confiança, “eventos” que não podem ser substituídos virtualmente.

Todavia, o que Pisano defende é que os líderes empresariais deverão ser o mais flexíveis possível na forma como pedirem às pessoas para trabalharem e sempre com o objectivo de se encontrar o melhor equilíbrio para ambas as partes. E, como afirma, “a ideia de que se deve estar fisicamente presente para se ser produtivo não é válida. Os líderes devem concentrar-se em como tornar o trabalho inspirador, estimulante e envolvente, quer esse trabalho seja feito no escritório ou não”.

“É pouco provável que os trabalhadores regressem alegremente ao seu local de trabalho tendo em mente o ‘acordo anteriormente vigente’, no qual o empregador estabelecia regras padrão de emprego e a mão-de-obra simplesmente as aceitava”, Joseph Fuller

“O rápido e inesperado deflagrar da Covid-19 e a amplitude do seu impacto irão alterar permanentemente a natureza do trabalho em muitos tipos de empregos. E, cada vez mais, as empresas estão a pôr de lado a noção de voltar ao normal e a questionar-se sobre os parâmetros do ‘novo normal’. Mas e para Joseph Fuller , professor de Práticas de Gestão e co-responsável da iniciativa Managing the Future of Work, esta expectativa não é propriamente realista, pois o que defende é que “os empregadores têm de se preparar para o ‘próximo normal’”.

Como escreve, “as mudanças operadas pela Covid são tão amplas e tão generalizadas que irão afectar a forma como o trabalho evoluirá após o fim da pandemia. Isso levar-nos-á ao ‘fim do princípio’, parafraseando Winston Churchill”. A seu ver, e tendo em consideração o “legado” deixado pela pandemia, os analistas estão a identificar várias mudanças, sendo que as que geram maior unanimidade incluem uma maior utilização do trabalho remoto, uma redução permanente nas viagens de negócios a par da adopção acelerada da tecnologia digital. Todavia, Fuller discorda desta “unanimidade”. Como afirma, e apesar de considerar que estas alterações são importantes, apenas constituem o tal “novo normal”, sendo que é ao “próximo normal” que devemos dar particular atenção. E, a seu ver, este será uma “função” das mudanças na forma como muitos trabalhadores vêem a sua relação com os empregadores – especialmente aqueles que mais procurados são devido às competências que possuem. Assim e tendo em conta que, para responder à Covid, os empregadores elevaram pública e inequivocamente a saúde e o bem-estar dos seus empregados como a sua maior prioridade, o professor de Práticas de Gestão declara também que a natureza absoluta dessa obrigação não será facilmente cumprida.

Fuller acredita também que é pouco provável que os trabalhadores regressem alegremente ao seu local de trabalho tendo em mente o “acordo anteriormente prevalecente”, no qual o empregador estabelecia regras padrão de emprego e a mão-de-obra simplesmente as aceitava. Pelo contrário, diz. “Os trabalhadores esperam não só o direito de determinar a adequação das medidas de segurança no local de trabalho, mas também que os empregadores considerem as suas circunstâncias individuais, como por exemplo possíveis obrigações de prestação de cuidados a descendentes ou ascendentes, ao conceberem as suas funções e avaliarem o seu desempenho”. E, a seu ver, este será o grande desvio da definição da relação patrão-empregado, que há muito constitui uma tradição consagrada pelo tempo.

“O que pode parecer uma melhoria na conveniência e eficiência neste momento, pode acabar por se revelar num pacto com o diabo para gestores e empregados”, Arthur C.Brooks

Arthur C. Brooks, professor de Práticas de Liderança Públicas na Harvard Kennedy School e professor de Gestão na Harvard Business School, considera-se um optimista. E, enquanto tal, uma das primeiras coisas que pensou quando os confinamentos obrigatórios levaram milhões de trabalhadores a trabalhar em casa foi que esta “estadia” cultural e tecnológica iria inaugurar uma nova era de eficiência e prosperidade. Como recorda, a necessidade é a mãe da invenção e, de facto, em poucas semanas ou meses, a tecnologia que permite o trabalho remoto melhorou drasticamente, com pessoas em todo o mundo a tornarem-se fervorosas adeptas do teletrabalho. Em simultâneo, no que respeita à ideia “Zoom para sempre”, são muitas as empresas que estão a equacionar esta possibilidade, com a maioria dos trabalhadores a manifestar o seu total acordo face à mesma.

Todavia, e como afirma, para além de optimista, Brooks considera-se também um realista e acredita que tanto os empregadores como os trabalhadores devem pensar muito bem se uma mudança permanente para o trabalho remoto é uma ideia assim tão boa. Como vários outros analistas apontam, corremos o risco de sairmos de uma pandemia de coronavírus para entrarmos numa pandemia de solidão e isolamento, com riscos potencialmente perigosos.

Como refere também, a investigação pré-pandémica e os novos estudos realizados durante o período de confinamento mostram um aumento acentuado da solidão dos empregados afectos a ambientes de trabalho a partir de casa. Para além do custo humano, a solidão conduz a taxas mais elevadas de burnout, de rotatividade e de desinteresse por parte dos empregados. E, ao contrário do que se pensa, sublinha, “uma melhor tecnologia não está a aumentar a sensação de ‘ligação’ e, em muitos casos, tem até o efeito oposto”.

Para o professor de Harvard, um modelo permanente de trabalho a partir de casa poderá dar início a uma crise de saúde mental, mesmo que gradual, na força de trabalho, o que resultará num pesadelo para os Recursos Humanos. “O que pode parecer uma melhoria na conveniência e eficiência neste momento pode acabar por se revelar num pacto com o diabo para gestores e empregados”, alerta.

“Todos nós seremos mudados para sempre por esta experiência e a transição para um mundo pós-pandémico será lenta e atribulada, o que trará desafios e factores de stress”, Boris Groysberg

“À medida que a pandemia da Covid-19 parece começar a dar tréguas, não podemos esperar acordar um dia e encontrar as nossas vidas miraculosamente restauradas e iguais ao que eram em tempos pré-pandémicos. Todos nós seremos mudados para sempre por esta experiência e a transição para um mundo pós-pandémico será lenta e atribulada, o que trará desafios e factores de stress”, afirma Boris Groysberg, professor de administração de empresas em Harvard.

A seu ver, muitos trabalhadores regressarão ao trabalho sofrendo a perda de um ente querido que foi vítima do vírus, outros terão de lidar com questões de saúde mental que surgiram durante a pandemia, ou com restrições financeiras devido ao despedimento de um cônjuge, enquanto outros ver-se-ão obrigados a dar maior apoio aos filhos que regressam à escola após um ano com aulas online e sofrendo com o isolamento social a que foram votados. E a lista poderia prosseguir.

Adicionalmente, e ao contrário dos tempos pré-pandémicos em que não era assim tão comum um trabalhador sofrer de um conflito pessoal que tivesse um impacto significativo no seu trabalho, à medida que se regressa a uma nova rotina pós-pandémica, e de acordo com Groysberg, praticamente todos os empregados terão provavelmente desafios pessoais que irão contribuir para um “desvio” da sua energia e atenção na condução das suas tarefas.

Assim, e como alerta, se tratar seus empregados com generosidade ao longo da pandemia foi importante, continuar a fazê-lo no rescaldo da mesma será igualmente crucial. Ser criativo e inovador nesta promoção da compreensão e gentileza será mais uma tarefa que os líderes empresariais terão de ser capazes de cumprir eficazmente. “Ao preocupar-se sinceramente com o bem-estar dos seus funcionários e ao fazer o que pode para o promover, a força de trabalho estará mais empenhada e, a longo prazo, mais produtiva”, garante o professor de gestão.

Todavia, Groysberg chama também a atenção para a distinção entre o que é demonstrar compreensão e facilitar demasiado as vidas dos empregados. Ou seja, mesmo que os trabalhadores tenham problemas “novos” na sua vida, os quais são indutores de stress, continua a ser missão dos líderes ou gestores ajudar a que estes cumpram os seus objectivos. E talvez seja mais benéfico se eles souberem que os seus superiores hierárquicos estão disponíveis para conversas francas e honestas, ou se lhes for oferecida maior flexibilidade para conciliarem as suas vidas profissionais e pessoais.

Por último, uma palavra dirigida também aos líderes, que devem ser igualmente compassivos consigo próprios. Afinal, também suportaram as dores da pandemia, têm também de gerir uma vida com muitos elementos de stress, tanto em casa como na empresa, e reconhecer que também podem estar a precisar de ajuda é extremamente importante.

Afinal, todos somos humanos.

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