Uma académica de Stanford partilha os motivos devido aos quais os algoritmos não são sofisticados o suficiente para tomar este tipo de decisões estratégicas… ainda
© Stanford Graduate School of Business
Traduzido por HELENA OLIVEIRA

Em 2014, a Amazon lançou um novo algoritmo de recrutamento para ajudar a encontrar o melhor dos candidatos a emprego. Depois de um ano em experimentação, a empresa viu que a ferramenta tinha uma visão preconceituosa contra as mulheres e discretamente acabou com o programa. Quando a Reuters trouxe a história a lume em Outubro último, John Jersin, líder de produto do LinkedIn Talent Solutions, ofereceu a sua opinião sobre o cenário geral da contratação algorítmica. “Certamente que não confiaria em nenhum sistema de IA hoje para tomar uma decisão de contratação sozinho”, disse. “A tecnologia ainda não está pronta”.

Implícito no seu comentário está a noção de que, um dia, estes sistemas estarão “prontos”. Mas um trabalho realizado por Adina Sterling, professora assistente de comportamento organizacional na Stanford Graduate School of Business, questiona o seu optimismo, relacionando-o com um profundo – e profundamente problemático – equívoco do papel estratégico do recrutamento.

Num novo paper escrito em co-autoria com Daniel W. Elfenbein da Washington University em St. Louis e publicado na Strategy Science, Sterling expressa de que forma o recrutamento inteligente é indissociável da estratégia corporativa de longo prazo, explicando também por que motivo delegar a responsabilidade de contratação nas máquinas, pelo menos no futuro próximo, irá muito provavelmente comprometer o seu potencial estratégico.

“Com a tecnologia a dar passos em frente nesta função, estamos a viver o momento em que estas questões de nível estratégico elevado têm de ser consideradas como extremamente importantes”, declara.

Da Monster.com ao recrutamento algorítmico

A utilização de máquinas no recrutamento tornou-se generalizada há quase um quarto de século, quando plataformas de carreiras como a Monster.com emergiram na web. Estes websites permitiam às empresas acelerar o ritmo e expandir a escala do recrutamento. Vagas de trabalho que outrora punham em campo 20 candidatos eram subitamente inundadas por 200 numa questão de minutos. “A vasta maioria do trabalho realizado desde então tem-se concentrado neste lado da procura”, afirma Sterling. “Tem a ver com o preenchimento da pool [de talento] com candidatos que pensamos precisar e separá-los dos outros que não queremos”.

Hoje em dia, entre 65% a 70% das candidaturas de emprego são tocadas em primeiro lugar por uma máquina. Depois da primeira selecção, os candidatos que melhor se adequam são depois, e na maioria dos casos, “entregues” a um humano. E enquanto os computadores estão a ficar melhores no que respeita a compreender a informação, a filtragem relativamente restrita oferecida pela maioria dos algoritmos de recrutamento cria um problema. “Está a tornar-se crescentemente difícil encontrar talento ‘peculiar’, dado que existem candidatos que não se enquadram directamente numa única categoria”, diz Sterling. Consideremos alguém com experiência na comédia de improvisação a candidatar-se para um lugar nas vendas. Um responsável pelo recrutamento poderá reconhecer-lhe algum potencial, enquanto o mesmo não acontecerá muito provavelmente com um computador.

Ao mesmo tempo, a utilização de algoritmos e de inteligência artificial (IA) está a expandir gradualmente o âmbito do recrutando para uma verdadeira selecção. Apesar de ainda não estar disseminado, o desenvolvimento desta prática em grande escala está no horizonte. “Mas, e mesmo assim, transferir o suprimento e selecção para as máquinas consiste num problema fundamental se começarmos a percepcionar a contratação como algo verdadeiramente estratégico”, declara Stering. “Existem ainda muitas coisas que os seres humanos fazem e que estão relacionadas com a estratégia, sendo que os académicos precisam de perceber o que é que os gestores estratégicos deverão estar a fazer num contexto de contratação”

O recrutamento enquanto estratégia

Para reivindicar o recrutamento como estratégico, Sterling e Elfenbein definem primeiro o que pretendem dizer com este termo. Uma decisão é estratégica, afirmam, quando vai ao encontro de quatro critérios:

  1. Irreversibilidade: a irreversibilidade significa que assim que uma decisão é tomada os stakeholders ficam comprometidos entre si, que as escolhas disponíveis para os concorrentes foram irrevogavelmente alteradas e que algumas opções estão necessariamente excluídas enquanto outras se mantêm abertas.
  2. Interdependência: tal implica que o benefício de uma decisão está dependente de um alinhamento relativo ou complementaridade com outras decisões tomadas algures na empresa. A este respeito, a interdependência coloca um premium na partilha de conhecimento e na coordenação entre os decisores.
  3. Concorrência. A concorrência significa que as respostas dos concorrentes influenciam o valor das diferentes alternativas. Os decisores têm, assim, de se colocar nos sapatos destes concorrentes e prever de que forma é que poderão reagir a cada uma das alternativas colocadas em muitos futuros imaginados.
  4. Aprender sob o signo da incerteza: As empresas são responsáveis pela incerteza inerente à contratação; elas contratam não só para a execução de um novo trabalho, mas também “com um olho” na aprendizagem de novos conhecimentos e na possibilidade de se relacionarem com novas pessoas, comunidades, clientes e fornecedores.

Depois de conduzirem uma série de entrevistas com responsáveis por recrutamento, com especialistas em IA e machine learning e com executivos de startups de tecnologia de pessoal, Sterling e Elfenbein argumentam que cada uma destas condições se aplica à contratação, tendo esta assim que ser considerada como estratégica. “E as coisas que se podem programar e automatizar – ou por outras palavras, o que as máquinas já estão a fazer no recrutamento – não são aspectos estratégicos da mesma. Os aspectos estratégicos englobam a existência destes quatro elementos”, sublinha Sterling.

Assim, o recrutamento estratégico significa não se pensar somente nas competências de um candidato – a abordagem do “melhor atleta” – mas também em como seleccionar o talento de forma holística e consistente e integrá-lo na organização. E significa também manter esta estratégia de capital humano no longo prazo, na medida em que estes compromissos não podem ser invertidos sem custos.

Em suma, recrutar não consiste numa procura única do candidato mais apropriado para um trabalho específico, mas um processo semelhante ao preenchimento de uma lista de requisitos. Recrutar exige uma visão global da empresa e da sua direcção num mercado em mudança. E os computadores não possuem esse tipo de visão.

O papel da IA

Tudo isto não significa que os algoritmos de recrutamento devam ser descartados. Mas o seu papel no departamento de Recursos Humanos, afirma Sterling, tem de ser enquadrado com a centralidade estratégica inerente à decisão de quem a empresa contrata. O que significa duas coisas.

Em primeiro lugar, os responsáveis pelo recrutamento têm de observar cuidadosamente o que está “debaixo do pano” dos algoritmos que têm ao seu dispor. “Existem muitos filtros através dos quais um conjunto de candidatos já passou e que os responsáveis não fazem a mínima ideia”, diz. “E apesar de os algoritmos serem eficientes, é comum perderem de vista algum detalhe que já estava presente há 10 anos quando a IA não era assim tão predominante”. Considere-se, mais uma vez, o candidato a um lugar nas vendas que era comediante de improviso.

Em segundo, e depois de determinarem se estes filtros precisam de ser ajustados, os responsáveis pelo recrutamento devem pensar acerca do valor concreto do seu algoritmo de contratação. Sim, classifica/ordena os currículos rapidamente. Mas o que faz mais? E o que é que não faz? De seguida, devem enquadrar estes conhecimentos na consideração alargada da empresa e da sua trajectória estratégica. De que forma é que um algoritmo cego apoia ou dificulta este movimento?

“Eu gostaria muito que os gestores responsáveis pelo recrutamento tivessem o bom senso de saberem que são responsáveis por aquilo que os algoritmos estão a fazer”, afirma Sterling. “Eles deveriam, no mínimo, perceber que esta é uma responsabilidade sua”.

Esta peça foi originalmente publicada pela Stanford Graduate School of Business sob o título “Don’t Let Artificial Intelligence Pick Your Employees

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