Com raízes milenares e de tradição budista, o mindfulness – ou a atenção plena – há muito que tem vindo a seduzir o Ocidente, nomeadamente através da meditação e práticas afins. Mas, e nos últimos anos, são as empresas que o têm vindo a utilizar para aumentar a sua produtividade e performance. Numa indústria de valor superior a mil milhões de dólares, multiplicam-se as organizações que o têm acolhido, bem como os estudos que comprovam os seus benefícios
POR HELENA OLIVEIRA

“O mindfulness [atenção plena] já não deve ser considerado como um ‘nice-to-have’ para os executivos, mas sim como um ‘must-have’: uma forma de manter os nossos cérebros saudáveis, de reforçar a auto-regulação e a tomada de decisão e de nos proteger do stress tóxico”. A frase é de um, entre muitos, artigos publicados na Harvard Business Review, a revista de gestão mais famosa e “séria” do mundo e que muito tem contribuído para a credibilização deste movimento que, de forma crescente, está a tomar de assalto empresas de todas as dimensões. Programas curtos, longos, customizados, apps e formação de todos os tipos são oferecidos ao mundo corporativo como a grande panaceia para o clima de instabilidade, volatilidade e stress contínuo que caracterizam os tempos modernos num resgatar de uma prática milenar com raízes no budismo e onde o principal objectivo é “estar em contacto com o momento presente” e aumentar o bem-estar e, consequentemente, a produtividade. 

Tendo sido inicialmente adoptado pelas start-ups de Silicon Vlley, este movimento cedo se propagou aos gigantes tecnológicos como a Google, a Apple, o LinkedIn ou o Twitter, sendo agora utilizado na maioria das grandes multinacionais como a Bosch, a SAP, a Goldman Sachs, a Nike, entre muitas outras empresas pertencentes à Fortune 500 e, mais recentemente, estendendo-se igualmente ao ambiente corporativo da Europa. E não só. Vários governos estão igualmente a utilizá-lo, como é o caso do Parlamento no Reino Unido ou da Câmara dos Representantes nos Estado Unidos.

Só nos Estados Unidos, estima-se que o valor de mercado do mindfulness ascenda, em 2022, a um valor de 2,08 mil milhões de dólares. A juntar a todos os programas, aulas e “espaços para meditar” [não sendo a mesma coisa, a meditação é, na generalidade das vezes, utilizada como um sinónimo do mindfulness], existem mais de mil aplicações disponíveis para smartphones, num mercado liderado em 70% pela Headspace e pela Calm, e que em 2018 ascendeu aos 130 milhões de dólares. Irónico, no mínimo, já que uma das promessas do mindfulness é exactamente “saber desligar” dos nossos vícios tecnológicos. E já agora, se fizer uma pesquisa no Google sobre o tema, este devolve-lhe nada menos do que 110 milhões de resultados. 

Mas afinal a que se deve tanta popularidade e por que motivo é que o Ocidente se está a render, cada vez mais, a todos os supostos benefícios inerentes ao movimento do mindfulness? As explicações são muitas e provenientes das mais insuspeitas fontes: desde estudos realizados por grandes consultoras de gestão, a temas de capa das mais importantes revistas, a pesquisas na área das neurociências e a exemplos oferecidos pelas grandes empresas que asseguram que as suas forças laborais estão muito mais envolvidas e produtivas e que os custos relacionados com as maleitas do stress diminuíram significativamente. Na sua forma mais simples, o mindfulness oferece a forma ideal para prestar atenção ao momento presente, sem qualquer julgamento e não só ajuda a reduzir o stress, a ansiedade e os conflitos, como aumenta a resiliência e a inteligência emocional, contribuindo igualmente para uma melhor comunicação no local de trabalho.

De acordo com um artigo publicado na Knowledge@Wharton, mas assinado por dois partners do Boston Consulting Group (BCG), o mindfulness permite igualmente uma pausa no constante fluxo de estímulos em que estamos mergulhados, ajudando-nos a decidir de forma consciente e não reagindo reflexivamente a partir de padrões comportamentais enraizados. E é por isso que é também considerado como o contraponto ideal para os desafios da era digital, nomadamente para lidar com o excesso de informação e com a distracção constante.

Para os seus “apoiantes”, os seus benefícios são claros e comprovados. Os programas de mindfulness ajudam os líderes e os empregados a reflectir eficazmente, a concentrarem-se na tarefa que têm em mãos, a dominar níveis elevados de stress e a recarregar baterias rapidamente. Ao nível organizacional, e como escreve também o BCG, reduz as faltas por doença, aumenta a confiança na liderança e estimula o envolvimento dos colaboradores com a missão da empresa. 

Pesquisas comprovam benefícios

Mark Williams é professor de psicologia clínica na Universidade de Oxford e um dos académicos que mais se tem dedicado ao estudo dos benefícios do mindfulnes. Afirmando que trabalhar numa cultura onde o stress se assume como uma medalha de honra é tão só e simplesmente contraproducente, o professor relembra que no actual clima económico a todos é pedido que façam mais com menos e que as longas jornadas de trabalho só têm contribuído para que se ande a correr de tarefa em tarefa e que, mesmo que pensemos que – por estarmos sempre extremamente ocupados –estamos a trabalhar de forma eficiente, no que ao cérebro diz respeito, não é verdade. 

Assim e de acordo com as suas pesquisas, os benefícios neurológicos do mindfulness têm vindo a ser relacionados com um aumento da inteligência emocional, particularmente no que respeita à empatia e à auto-regulação. Na verdade, explica, é o desenvolvimento destas áreas que contribui para a nossa capacidade de gerir conflitos e comunicar de forma mais eficaz. O mindfulness também permite dar um passo atrás e considerar perspectivas alternativas ao invés de simplesmente reagir aos eventos utilizando a parte “menos inteligente” do cérebro. 

Já uma das especialistas mais reconhecidas do mundo no que respeita aos benefícios do mindfulness, Mirabai Bush – e particularmente famosa por ter sido uma das co-criadoras do programa “Search Inside Yourself “ utiizado na Google [que, entretanto, chegou a Portugal] -, afirma que “introduzir o midfulness no local de trabalho não previne a ocorrência de conflitos mas quando estes surgem (…) e com o tempo, aprendemos a desenvolver os nossos recursos interiores que nos ajudarão a navegar em situações difíceis, penosas e stressantes com mais calma, conforto e graciosidade”. 

Outras pesquisas, como relata a Scientific American, afirmam que a prática do mindfulness altera os nossos cérebros e a forma como nos comprometemos com nós mesmos, com os outros e com o trabalho. Quando praticado e aplicado, o mindfulness altera o sistema operativo da mente e, através de uma prática repetida, a actividade cerebral é redireccionada das partes mais primitivas e reactivas do cérebro, incluindo o sistema límbico, para a parte mais “nova” e racional do mesmo, o córtex pré-frontal.  Desta forma, a prática do mindfulness diminui a actividade cerebral responsável pelo mecanismo “fight-or-flight” [a resposta do nosso sistema nervoso autónomo a estímulos externos de ameaça] ao mesmo tempo que aumenta a actividade da parte do cérebro responsável por aquilo que é denominado como funcionamento executivo. Esta parte do cérebro, e as competências de funcionamento executivo que suporta, é também o centro de controlo dos nossos pensamentos, palavras e acções, bem como do pensamento lógico e do controlo de impulsos. 

Já Daniel Goleman, o “pai” do conceito do quociente emocional, em conjunto com o neurocientista Richard J. Davidson, dedicou igualmente o livroAltered Traits: Science Reveals How Meditation Changes Your Mind, Brain, and Bodyaos benefícios do mindfulness, sintetizando-os da seguinte forma:

  • Manter-se calmo e com a mente aberta. As práticas de mindfulness, tal como a meditação respiratória, estão associadas a volumes reduzidos da matéria cinzenta na amígdala, a região do cérebro que inicia uma resposta ao stress. E isto reduz a inclinação para interpretar um ambiente de incerteza como uma ameaça e a reacção de defesa ao mesmo. Desta forma, o mindfulness aumenta a agilidade mental, permitindo a mudança de atitudes como “mas aqui sempre fizemos assim” para “vamos ver o que acontece se tentarmos uma nova abordagem”.
  • Capacidade cognitiva. O mindfulness aumenta igualmente a memória de curto prazo e a capacidade para a realização de tarefas cognitivas complexas, libertando igualmente as pessoas a pensarem “fora da caixa”, o que as ajuda a lidarem melhor com a complexidade. E, no contexto da performance no local de trabalho, resultados comprovados incluem uma qualidade superior de tomada de decisão estratégica e uma colaboração mais eficaz.
  • Enfoque e clareza de pensamento. Como o laureado com o Nobel, Herbert A. Simon, observou, “uma riqueza de informação cria uma pobreza de atenção”. Esta observação, proferida pela primeira vez em 1971, é ainda mais certeira nos dias que correm. Manter um enfoque apropriado na era do excesso de informação digital é essencial. E a prática regular de mindfulness ajuda a reduzir os “passeios mentais” e a distracção.

Assim, e ao oferecer estes benefícios individuais, o mindfulness estimula o potencial de agilidade corporativa, ajuda as pessoas a inspeccionarem e a adaptarem os seus comportamentos em ciclos curtos, a relaxarem para que consigam renovar atitudes enraizadas e a pensarem mais claramente no turbilhão de estímulos digitais a que estão sujeitas. Ou, e em suma, o mindfulness ajuda a navegar no contexto da incerteza e da ambiguidade.

E como implementar a prática do mindfulness nas empresas?

Existem formas variadas para dar início à prática do mindfulness no mundo empresarial, sendo que, e de acordo com os especialistas, a melhor solução é a criação de um programa customizado que tenha em conta a cultura da organização. Determinar previamente os objectivos principais deste tipo de intervenções é importante e são muitas as organizações que optam por começar com pequenos programas-piloto primeiramente endereçados à liderança sénior. Mas, e de acordo com a pesquisa do Boston Consulting Group, as empresas têm ao seu dispor quatro tipos de intervenção por excelência. Vejamos cada um deles.

A formação da equipa de liderança, e como já anteriormente referido, assume-se como uma prioridade para a prática do mindfulness, sendo depois passível de ser extensível a toda a organização. Os líderes deverão aprender a integrar práticas formais e informais de mindfulness no seu dia-a-dia, sendo que as primeiras se revestem de uma meditação orientada e as segundas incluem exercícios de escuta e de plena atenção às tarefas que se tem em mãos.

Ao incutirem a consciencialização, a auto-regulação e a compaixão, os cursos de mindfulness abordam as causas psicológicas enraizadas de múltiplos problemas de liderança. E porque estes mesmos cursos encorajam o desenvolvimento natural de competências de gestão do tempo, mudança e conflito, outrora abordados nos cursos “normais” de liderança, a ideia é que o líder esteja predisposto a aceitar uma forma inteiramente nova de os abordar. Por exemplo, a Bosch, que tem vindo a apostar significativamente nesta prática ao longo dos últimos anos, antes de a adoptar percebeu que para alcançar os objectivos estratégicos e de gestão pretendidos, precisava de uma abordagem inteiramente nova à liderança. E, como afirma Petra Martin, responsável pelo desenvolvimento de liderança da empresa, “o mindfulness mostrou-se como uma alavanca essencial para mudarmos de uma cultura de controlo para uma cultura de confiança”. “A comunicação alterou-se completamente desde que introduzimos a nossa formação em mindfulness para mais de 1000 líderes na organização”, acrescenta. E, se no início, existiam muitos cépticos relativamente ao valor desta prática, actualmente o mindfulness é o novo normal para a empresa.

Para além da formação dos executivos, as organizações deverão avaliar se valerá a pena estender os seus benefícios a toda a organização, existindo muita gente que gostaria de tentar a meditação mas não faz ideia por onde começar. Uma formação de meio dia ou de um dia pode ajudar a introduzir as práticas mais básicas, como por exemplo a respiração, para que os empregados tenham um ponto de partida e, caso queiram, possam prosseguir para exercícios mais complexos.

Para reforçar os cursos de formação, algumas empresas – como a Google, o LinkedIn e o Twitter – oferecem meditação orientada durante as horas de trabalho. A Google foi ainda mais longe, estabelecendo “almoços silenciosos” e “espaços de silêncio”, os quais podem ser frequentados pelos empregados quando estes sentem necessidade de reajustar as suas mentes no meio de um dia intenso de trabalho.

Para os empregados que completaram um programa de meditação, a ideia é que continuem a praticar, através de denominadas micro-práticas, para que consigam dominar o mindfulness. E as empresas deverão incentivar este treino, promovendo workshops, por exemplo, que lhes permitam refinar e solidificar o que aprenderam. Estes workshops ensinam práticas variadas, como a chamada STOP, na qual os participantes aprendem a parar, a respirar devidamente e a observar (pensamentos, sentimentos e emoções). Estas micro-práticas são igualmente úteis para os mais cépticos, na medida em que os ajuda a sentir os benefícios depois de as experimentarem algumas vezes.

Por fim, os princípios do mindfulness podem também ajudar as equipas a colaborarem de uma forma mais eficaz. Por exemplo, se os membros da equipa dominarem a arte de se ouvirem uns aos outros, sem divisões de atenção e sem interrupções, é mais fácil a promoção do pensamento livre e criativo. Mas, neste caso, ter um coach como facilitador é essencial para se retirar os benefícios do mindfulness praticado por equipas. 

Se ainda não está convencido dos benefícios desta prática milenar aplicada às organizações, um dos casos de estudo mais divulgados que os comprovam é o da seguradora Aetna, que formou 13 mil empregados em mindfulness. E os resultados são visíveis: 28% de redução nos níveis de stress, 20% de melhoria na qualidade do sono, 44 minutos por semana ganhos em produtividade e, com os aumentos anuais de produtividade, a poupança de custos na ordem dos 3 mil dólares por empregado. Saiba também que na SAP começar uma reunião com pequenas meditações é já uma norma. E parece que resulta.

No geral, os benefícios das práticas de mindfulness incluem a melhoria geral da saúde e da gestão do stress nos empregados, o que se traduz em maior produtividade e numa melhor performance dos indivíduos, equipas e líderes. Todavia, existem também riscos potenciais aquando da sua implementação, nomeadamente o descomprometimento daqueles que não querem participar no movimento e o investimento perdido se o mindfulness não for devidamente integrado nos valores e cultura da empresa.

Editora Executiva