Foi apresentada na passada quarta-feira, em Bruxelas, uma proposta que visa uma quota de 40% de mulheres em lugares não executivos de topo das empresas cotadas em bolsa, até 2020. A medida, apesar de considerada como histórica, não é isenta de críticas. Todavia e como demonstra um estudo feito em 128 países e analisado pelo VER esta semana, as barreiras que continuam a existir e a marcar a desigualdade de géneros têm de ser, definitivamente, transpostas. E quando não vai a bem, tem de ir a mal. Ou, neste caso, por decreto
POR HELENA OLIVEIRA

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Ao longo da próxima década, a economia global prepara-se para receber mil milhões de mulheres. Mas e apesar de estarem posicionadas para terem um lugar significativo nos quatro cantos do mundo, estas mulheres não têm recebido o apoio que merecem por parte de governos, líderes empresariais ou outros decisores, num conjunto ainda muito vasto de países.

De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a agência das Nações Unidas responsável pelas estatísticas globais sobre a força de trabalho, serão cerca de 865 milhões de mulheres que, até 2020, se encontrarão em idade activa, mas que enfrentam ainda a ausência de pré-requisitos fundamentais para contribuírem para as suas economias nacionais. Ou não têm a educação e formação necessárias para ingressar na força de trabalho ou, mais frequentemente, não podem simplesmente trabalhar, devido a constrangimentos de ordem legal, familiar, logística ou financeira. E, destes 865 milhões, 812 milhões vivem em nações emergentes ou em desenvolvimento. A firma de consultoria Booz & Company criou o denominado Third Billion Index [assim denominado pois o seu impacto económico será tão significativo quanto o dos dois mil milhões de habitantes da China e da Índia], um ranking de 128 países que avalia a eficácia dos seus líderes para conferir o poder necessário às mulheres para serem agentes económicos.

Resultado de uma combinação de indicadores sobre o potencial das mulheres em termos de participação económica, compilados a partir de dados produzidos pelo Fórum Económico Mundial e pela Economist Intelligence Unit, o índice em causa analisa os inputs – ou as políticas efectivas para dotar as mulheres de empowerment económico, como o acesso às oportunidades de educação para as raparigas, o acesso a leis laborais e ao apoio ao empreendedorismo – e os outputs – que traduzem o grau de eficácia de acordo com o qual as mulheres são integradas nas economias nacionais – participação na força laboral, número de mulheres incluídas em grupos profissionais, líderes de negócios e proprietárias de empresas. A hipótese central do Third Billion Index partiu da correlação existente entre estes inputs e outputs, concluindo que quanto mais fortes são as políticas para o seu empowerment, maior é também o seu status económico. E, sendo esta relação linear, os governos nem sequer precisam de aferir o que pode ou não melhor funcionar.

Em termos gerais, as conclusões retiradas deste índice demonstram que o empowerment económico das mulheres tem um efeito directo no estímulo do PIB. Com base em estimativas conservadoras, os autores do estudo garantem que se as taxas de emprego feminino fossem equivalentes às dos seus pares masculinos, o PIB nos Estados Unidos aumentaria em 5%, em Espanha, 10% e, nas economias em desenvolvimento, o seu efeito seria ainda mais pronunciado. Nos Emiratos Árabes Unidos, por exemplo, o valor poderia ascender aos 12% e, no Egipto, a economia poderia crescer 34%.

Mais a mais, o estudo comprova igualmente que as políticas nacionais que incentivam a participação feminina na economia não beneficiam meramente as mulheres, mas também as condições socioeconómicas da população em geral. Para além dos inputs e outputs analisados, os autores adicionaram um outro conjunto de dados, que denominaram como “resultados” e que tomam em linha de conta o PIB per capita, as taxas de literacia e a mortalidade infantil. Em suma, o estudo comprova o que há muito é defendido na literatura dedicada às questões das mulheres, mas que continua a ser ignorado em muitos países, mesmo nos ditos desenvolvidos: o avanço económico das mulheres não se limita apenas a beneficiar o sexo feminino, mas a prosperidade no geral de um país. Além do mais, este empowerment possui um outro efeito multiplicador que merece ser sublinhado: como as mulheres investem mais na educação dos filhos comparativamente com os homens, este factor contribui para o crescimento económico, especialmente quando estas crianças e jovens se tornarem adultos e entrarem na força de trabalho.

Em termos de progresso e apesar de existirem alguns avanços relativos, este está ainda longe do sucesso. A título de exemplo, na Alemanha, que está entre os países com maior paridade salarial (em conjunto com outras nações desenvolvidas como a Austrália, a Holanda, a Noruega e a Suécia), as mulheres continuam a ganhar, em média, menos 23%, comparativamente aos seus pares masculinos que desempenham a mesma tarefa. Algumas destas disparidades têm a sua génese em diferenças estruturais. As mulheres alemãs com maiores responsabilidades e obrigações familiares optam, muitas vezes, por evitar carreiras muito exigentes. Todavia e mesmo corrigindo estas diferenças e tomando apenas em consideração os salários de homens e mulheres com cargos e formação académica similar, o gap salarial é, mesmo assim, de oito por cento. O que é melhor do que na esmagadora maioria dos países analisados mas, e ainda assim, não suficiente para garantir a igualdade em termos de salário auferido.

De forma similar, nos Estados Unidos, e apesar de as mulheres estarem a entrar em força nas fileiras da gestão intermédia, continuam a não conseguir dar o passo essencial para as posições seniores. Em 2011, apenas 16, 1% dos lugares nas administrações das empresas pertencentes ao ranking 500 da Fortune eram ocupados por mulheres e, em termos de posições executivas, apenas 14,1% eram ocupadas por estas. Como seria de esperar, nas economias menos desenvolvidas a situação é bem pior.

Apesar das enormes disparidades encontradas entre os 128 países analisados (divididos em 5 clusters – v. Caixa), existe conjunto de desafios comuns às mulheres de todo o mundo. E são esses os desafios que os governos devem tentar transpor.

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O peso dos cuidados com os outros
Tanto nos países ricos como pobres, a responsabilidade pelas crianças, pelos doentes e pelos mais velhos recai quase exclusivamente nas mulheres. Aquelas que pertencem aos países da OCDE gastam mais 2.4 horas diárias, comparativamente aos homens, com trabalho não pago (que inclui o cuidado com os outros). Nos países menos desenvolvidos, este trabalho não pago inclui igualmente tarefas domésticas que têm de compensar a ausência de infra-estruturas, como por exemplo ir buscar água e combustível. Um estudo demonstrou que, caso a este tipo de trabalho fosse atribuído um valor monetário, o mesmo constituiria entre 10 a 39% do PIB.

Muitas destas tarefas estão assentes em normas culturais profundamente enraizadas. Na China, por exemplo, cuidar dos mais velhos é considerado como tianzhi  – um dever celestial. Como resultado, cerca de 95% das mulheres chinesas possui responsabilidades de cuidar dos mais velhos e 58% destas têm ainda como dever ajudar os seus pais financeiramente. O dia “normal” de escola é de apenas quatro horas diárias em algumas regiões do país, para que as restantes sejam aproveitadas para o cumprimento deste tipo de responsabilidades, o que conduz, inevitavelmente, a resultados baixos em termos de escolaridade.

Caso estivessem realmente interessados em agir, os governos poderiam interferir positivamente no sentido de prestar cuidados às faixas mais envelhecidas da população, libertando as mulheres para o trabalho, caso fosse este o seu desejo. Nos países desenvolvidos, a licença de paternidade, os horários flexíveis e a existência de creches nas empresas têm contribuído para o atenuar deste “peso” para as mulheres.

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Ausência de Crédito
O crédito é outra questão universal que afecta as mulheres. A maioria dos empréstimos concedidos às mulheres passa pelo microcrédito. Apesar de ser melhor do que nada, o seu impacto é, muitas vezes, limitado a pequenos e informais negócios, no sector dos serviços, suportados por actividades comunitárias e não na criação de start-ups em sectores chave como o das tecnologias.

Os autores alertam, todavia, que os governos não podem – e não devem – simplesmente forçar os bancos a emprestar a um segmento de negócios especifico, neste caso o de negócios geridos por mulheres, pois este tipo de abordagens intervencionistas tem o potencial de prejudicar a credibilidade dos tomadores de empréstimos. Todavia, os reguladores deviam, pelo menos, assegurar, o equilíbrio no acesso a empréstimos. Um estudo recente realizado na Itália demonstrou que às mulheres proprietárias de pequenos negócios são cobradas taxas de juro mais elevadas no que respeita ao descoberto bancário comparativamente aos homens, mesmo que as mulheres tenham um melhor historial de crédito. Adicionalmente, para indústrias chave que um país procura incentivar, como a tecnologia, os governos poderiam criar taxas de juro mais baixas e outro tipo de incentivos para direccionar o capital para áreas que realmente podem fazer a diferença.

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Representação insuficiente na gestão de topo
O famoso e velho “glass ceiling” persiste. Estudos após estudos comprovam que os conselhos de administração e os lugares executivos são predominantemente masculinos, mesmo nos países em que as mulheres são comprovadamente detentoras de maiores graus académicos do que os homens e mais representativas em termos de força laboral. A boa notícia é que a Comissão Europeia, que há muito estudava a possibilidade da utilização de quotas para promover a paridade de géneros nos conselhos de administração,  anunciou na passada quarta-feira, a oficialização de uma proposta neste sentido. De acordo com Viviane Reding, a comissária europeia para a Justiça, esta proposta visa uma quota de 40% de mulheres em lugares não executivos de topo das empresas cotadas em bolsa, até 2020, sendo que, para as empresas públicas, a meta para o cumprimento é 2018. As empresas que, em 2020, não cumpram a quota de pelo menos de 40% de mulheres como administradoras não executivas, serão obrigadas a proceder a nomeações com base numa análise comparativa das qualificações de cada candidato – aplicando critérios claros e inequívocos e sem discriminação relativamente ao sexo – e, existindo igualdade das qualificações, deve ser dada prioridade ao sexo menos representado.

Alguns países, incluindo a França, a Islândia, a Itália, a Noruega, a Espanha e a Suécia já adoptaram, voluntariamente, este tipo de quotas. A Deutsche Telekom, por exemplo, já fez saber que, até 2015, 30% das suas posições de liderança serão ocupadas por mulheres. A questão das quotas é encarada, por muitos, como um instrumento altamente criticável, mas a verdade é que este deve se encarado como uma medida de travão à desigualdade entre géneros, pelo menos até que os ambientes culturais e de negócios evoluam o suficiente para que as mulheres possam ter o lugar que merecem neste tipo de posições. Quando a Noruega introduziu as quotas nos conselhos de administração das suas empresas há quase 10 anos, a política foi bastante controversa. Mas a verdade é que gerou resultados. Em 2003, apenas 7,3% dos membros dos conselhos de administração eram mulheres. Em 2006, o número tinha ascendido aos 21% e, na actualidade, representa quase metade dos cargos. Tal como acontece com a concessão de crédito, deixar esta questão apenas nas mãos das forças de mercado não é suficiente para uma verdadeira paridade.

Ausência de apoio ao empreendedorismo
De acordo com os autores do estudo, as mulheres detentoras de negócios precisam de apoio estruturado para poderem levar os seus negócios a bom porto. Os desafios que têm de ultrapassar são tão variados e numerosos que é impossível transporem-nos sozinhas. Nas economias desenvolvidas, precisam de acesso à energia e à tecnologia; nos mercados em desenvolvimento, precisam de formação em funções básicas de gestão.

As redes de contactos constituem um aspecto crítico deste apoio necessário e é um dos que mais precisa de esforços concertados entre os sectores público e privado nas economias em desenvolvimento. De acordo com um outro estudo realizado pela Booz&Company, efectuado a 175 empreendedoras na Arábia Saudita, mais de 75% das respondentes afirmaram não ter recebido encorajamento algum por parte de professores ou mentores para iniciarem o seu negócio. De forma previsível, entre as mulheres empreendedoras, 60% das empresas criadas centravam-se nos sectores onde, tradicionalmente, as mulheres iniciam negócios: no retalho, nos serviços e na educação. Mudanças recentes nas leis sauditas permitem agora às mulheres um salto para outros sectores, como o da construção e imobiliário, os quais exigem, para serem bem-sucedidos, acesso a uma rede de contactos alargada. E se não existe uma solução perfeita para estimular o empreendedorismo no feminino, existem alguns incentivos que podem ajudar. Os governos poderão conceder algum tipo de prioridade a negócios detidos por mulheres para contratos públicos e as empresas podem dar passos similares para assegurar que existe diversidade de género nas suas cadeias de fornecimento. As mulheres que já conhecem o sucesso podem, por seu turno, criar redes de mentoras para ajudar as mais jovens e as que possuem capital para investir poderão apostar também na criatividade das suas pares mais novas que têm boas ideias de negócio para concretizar.

Da casa de partida para o sucesso

Os 128 países que constam do Third Billion Index foram divididos em cinco grandes categorias, de acordo com os resultados obtidos nos indicadores analisados.

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Os países que revelaram bons resultados na correlação existente entre os inputs e os outputs (acima descritos) são aqueles que estãono caminho para o sucesso”. Sem qualquer surpresa, as economias desenvolvidas preenchem esta categoria, com a Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha e Noruega a obter os melhores resultados. Portugal encontra-se igualmente nesta categoria e em 20º lugar no ranking dos 128 países analisados.

Seguem-se os países que estão a dar “os passos necessários”, ou seja, que implementaram um conjunto de políticas de inputs e que começam a ver os resultados decorrentes dos seus esforços. Estes países, que incluem a Malásia, a Tunísia, o Japão, o Brasil ou a Venezuela, apesar de diferirem substancialmente nas suas dimensões politicas e sociais, têm em comum uma história recente de medidas que realmente lhes estão a permitir darem os passos necessários para o empowerment das mulheres. Provavelmente e de acordo com os autores, será necessária pelo menos uma geração para que estas medidas gerem outputs significativos, mas os dados sugerem que todos eles serão beneficamente afectados.

Países como o Botswana, Camboja, Índia e China pertencem à categoria dos que estão a “desbravar o seu próprio caminho”. Apesar de contarem já com resultados modestos em outputs, não estabelecerem ainda os fundamentos fortes para os inputs necessários. No futuro, estima-se que sejam estes os países a liderar as dinâmicas de empowerment económico feminino.

O grupo seguinte de países, denominado “medianos” inclui aqueles que já deram passos modestos para melhorar os inputs para o progresso económico das mulheres e observaram resultados proporcionais aos esforços encetados. A Colômbia, a Sérvia e a Tailândia, que constam deste grupo, terão de investir consideravelmente no lado dos inputs para algum dia chegarem ao “caminho para o sucesso”.

Finalmente, existem os países que simplesmente não desencadearam qualquer tipo de abordagem sistemática ao problema e que, obviamente, são os que pior se classificam no índice em questão. Posicionados como se estivessem na “casa da partida”, incluem a Indonésia, o Laos e a Nigéria. Mais a mais, é de sublinhar que esta categoria conta com o maior número dos 128 países analisados, o que sugere, entre outras coisas, que existe uma enorme oportunidade económica em muitas partes do mundo.

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