Habituámo-nos, ao longo da última década, à narrativa “África em crescimento”. Mas os ventos económicos, globais e adversos que têm vindo a soprar, em muito estão a contribuir para que o continente se afunde em areias movediças. Depois de mais uma edição do Fórum Económico Mundial dedicada em exclusivo ao continente, e que teve lugar em Kigali, na capital do Ruanda, o VER partilha um conjunto de recomendações elaboradas em conjunto pelo FEM, pelo Banco Mundial e pela OCDE para que as economias africanas saiam, de uma vez por todas, da cauda da competitividade
POR
HELENA OLIVEIRA

A capital do Ruanda, Kigali, foi palco, entre 11 e 13 de Maio últimos, da mais recente edição do Fórum Económico Mundial (FEM) sobre África. E, no seguimento da temática eleita para o ano de 2016 pela mais famosa organização internacional para a cooperação público-privada – a denominada 4ª Revolução Industrial – também a transformação digital do continente africano serviu de “chapéu” para as diferentes perspectivas que reuniram, ao longo de três dias, cerca de 1200 participantes, entre chefes de Estado, CEOs, académicos, organizações internacionais, jornalistas e artistas.

Sem substituir, de todo, os vários e interessantes artigos publicados no próprio FEM sobre esta mesma reunião, o VER traça, de acordo com o relatório An Action Agenda for Africa’s Competitiveness, um breve retrato das principais forças e fraquezas de um continente que, apesar da riqueza dos seus recursos naturais, não pode continuar à espera que sejam apenas estas a contribuir para o seu efectivo desenvolvimento, não só económico, mas e sobretudo, social. Ou e como referiu Paul Kagame, presidente do Ruanda, “o desenvolvimento vai bem mais além do dinheiro, das máquinas ou das boas políticas. Está, sim, relacionado com pessoas reais e com as vidas que perseguem”.

O relatório em causa, realizado em parceria pelo FEM, pelo Banco Mundial e pela OCDE, é publicado desde 1998, de dois em dois anos, e tem como objectivo destacar as áreas que maior número de políticas de acção e de investimento exigem para que África assegure o seu crescimento sustentado. Através de uma análise abrangente dos seus desafios de competitividade mais prementes, o relatório discute igualmente as barreiras que, estruturalmente, impedem as economias do continente de produzirem bens e serviços de valor verdadeiramente acrescentado.

Quando a baixa produtividade corrói a competitividade

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Ao longo dos últimos 15 anos, o crescimento de África tem sido significativamente rápido, mantendo-se apenas atrás – e no que respeita ao factor “velocidade – da emergente e imparável Ásia. Os factores que mais contribuem para este crescimento acelerado recaem na forte procura pelas suas exportações, num acesso relativamente fácil a formas de financiamento, nas reformas macroeconómicas que tem vindo a ser feitas e numa melhoria satisfatória no que respeita ao ambiente de negócios. Mas – e parece que em África existe sempre um mas – apesar das altas taxas de crescimento, a competitividade na região tem-se mantido reduzida, bem como os seus níveis gerais de produtividade. Ora e como é sabido, uma baixa produtividade não só afecta negativamente a competitividade, como contribui também para deixar os países africanos muito mais vulneráveis a mudanças adversas nas condições económicas globais.

Assim, não é de espantar que o crescimento na região esteja em franco abrandamento, na medida em que a economia global está igualmente sujeita a condições pouco favoráveis – basta pensarmos na queda dos preços das comandities, no fraco crescimento que está a caracterizar a Europa, e no fortalecimento do dólar – as quais contribuem sobremaneira para revelar a fragilidade subjacente a muitas das economias africanas.

De acordo com o Global Competitiveness Index 2015-2016 – e sobre o qual o VER escreveu – e tendo em conta os 12 pilares de competitividade listados, a região africana fica (para) atrás comparativamente, por exemplo, dos denominados ASEAN-5 (Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia) no que respeita às áreas de infra-estruturas e de capital humano (saúde, educação primária e superior, e formação), bem como em “terrenos” mais complexos da competitividade: “agilidade” tecnológica, sofisticação nos negócios e inovação. Actualmente, cerca de 13 milhões de africanos juntam-se, anualmente, à força laboral, sendo que a vasta maioria não encontra posições seguras nem nos sectores formais privados, nem nos públicos. E este fracasso em potenciar o talento dos seus jovens é particularmente preocupante na medida em que a sua população em idade activa irá continuar a expandir-se, excedendo a de todo o mundo “combinada” até 2030, o que exige a criação rápida de oportunidades de emprego com qualidade.

Por seu turno, e porque também existem factores positivos, a região manifesta uma performance relativamente boa no que respeita às eficiências do mercado, em particular no mercado de bens, no qual as economias africanas têm vindo a fazer progressos significativos reformulando, ao longo da última década, o seu ambiente de negócios.

As 37 economias africanas cobertas no Índice Global de Competitividade mostram também a enorme heterogeneidade existente nos seus níveis de competitividade, em conjunto com performances igualmente muito distintas. As Maurícias e a África do Sul são as melhores classificadas do ranking – 46º e 49º lugar, respectivamente, em 140 economias – com o Ruanda a seguir-se, mas apenas na 58ª posição. Por seu turno, a Costa do Marfim (91º) e a Etiópia (109º) foram as economias que mais subiram no Índice – 24 e 9 posições respectivamente. Preocupante é o facto de, nós últimos 20 lugares do ranking, serem 16 as economias africanas representadas, em particular quando muitas delas são extremamente ricas em recursos. A Guiné ocupa o último lugar, por exemplo.

Estes níveis reduzidos de competitividade, em conjunto com a vulnerabilidade de muitos exportadores de commodities, cujas fraquezas estruturais têm sido ainda mais “descobertas” graças aos actuais “ventos contrários” económicos, fazem acentuar a necessidade de uma maior diversificação económica, em especial em sectores que possam oferecer oportunidades reais de emprego. Mas e mesmo assim, existe um conjunto de economias que continua a demonstrar um crescimento sólido e que se “comporta” relativamente bem em termos de performance no índice em causa – de que são exemplo as Maurícias e o Ruanda – e, em termos gerais, afirma o relatório que o continente fez progressos notáveis na melhoria das suas políticas de governança e na redução dos conflitos nos últimos 20 anos.

Todavia, também é verdade que a narrativa “África em crescimento” da última década está a ser desafiada pelas actuais condições económicas adversas. Mas e como existem ameaças que se transformam em oportunidades, talvez seja a altura certa para se apostar na diversificação económica e para se instilar o sentimento de urgência necessário no que respeita ao apoio de investimento em medidas que contribuam para a melhoria da competitividade africana.

A necessidade do diálogo público-privado e o primado da integração regional

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Em conjunto com o presente relatório, o Fórum Económico Mundial realizou um conjunto de “workshops para a competitividade” – entre Outubro de 2015 e Abril de 2016 – que juntou governos, empresas, organizações nacionais e internacionais e a sociedade civil para discutir as formas possíveis de aumentar a competitividade na região. Destes, resultaram 120 recomendações, sumarizadas em oito grandes pontos, destacando-se, contudo, duas condições essenciais para levar a bom porto este esforço: o diálogo público-privado e a integração regional.

No que respeita ao sector privado, o seu papel no aumento da competitividade, através de políticas informadas e a sua consequente implementação é, obviamente, fulcral. Por exemplo, o seu envolvimento nos currículos educativos poderá aumentar, significativamente, os níveis de empregabilidade jovem. Por outro lado, a harmonização de regulamentações entre regiões é igualmente essencial para fomentar o comércio, o mesmo acontecendo com colaborações sustentadas e de longo prazo entre os sectores público e privado: ou seja, aumentando os níveis de confiança, estabelecendo canais regulares de colaboração e concertação, concordando em visões partilhadas e trabalhando com vista a objectivos igualmente comuns e partilhados.

De acordo com o relatório, a integração regional não constitui um fim em si mesmo, mas um meio para reforçar a competitividade através do comércio e da diversificação. A participação no comércio internacional e nos fluxos de investimento – tanto no interior como no exterior das suas fronteiras – poderá estimular a competitividade do continente africano aumentando a concorrência nos mercados domésticos e permitindo economias de escala. Em conjunto, este diálogo público-privado e a integração regional terá como efeito a diminuição dos custos e o aumento da diversidade de bens e serviços, o que, em contrapartida, poderá gerar actividades económicas mais fortes e potenciar o estabelecimento de laços mais consistentes no interior da economia regional.

De uma forma sintética, as oito recomendações decorrentes dos workshops realizados, são as seguintes:

  • Reforço das instituições e das estruturas de governance

Fornecimento de mais serviços governamentais online para aumentar a eficiência;

Simplificar os procedimentos administrativos para reduzir a corrupção e aumentar a transparência;

Suspender os fluxos ilícitos de dinheiro, impedir as oportunidades de evasão fiscal e aumentar a implementação de medidas anticorrupção;

Assegurar a aplicação efectiva de normas e leis;

Encorajar o diálogo entre o sector público e os parceiros sociais;

  • Desenvolvimento de uma estratégia de infra-estruturas regionais comum

Apostar num estratégia de infra-estruturas comum (incluindo a coordenação do tráfego aéreo, sistemas de normas comuns para os transportes ferroviários e para ofornecimento de água), com uma coordenação privilegiada no interior das comunidades económicas regionais, nas quais alguns projectos deverão ser definidos como prioritários;

Criação de fundos autónomos que assegurem a manutenção dessas mesmas infra-estruturas;

  • Melhoria da eficiência do mercado laboral e do desenvolvimento de competências

Alavancar as tecnologias para a educação e reformular os currículos educativos de forma a responder à procura das competências actuais e futuras;

Harmonizar os conteúdos curriculares e as qualificações no interior das comunidades económicas regionais;

Estabelecer centros de formação regionais de excelência;

Promover a educação vocacional e técnica e a formação para os que abandonam prematuramente o ensino, bem como para os estudantes do ensino secundário;

Promover o empreendedorismo através da inclusão da literacia em competências de gestão e financeiras;

Apoiar a transição do ensino para o mercado através da criação de ligações entre a formação, as universidades e o sector privado;

Criar mercados de trabalho regionais para profissionais com elevadas competências (engenheiros, médicos, profissionais de TI, etc.);

  • Facilitação da circulação de bens, serviços e pessoas

Facultar a circulação de pessoas entre fronteiras através da introdução de negócios comuns e vistos de turismo de entrada única;

Estabelecer mecanismos de partilha de informação e de cobrança de receitas no interior das comunidades económicas regionais para tributação, registo de empresas e performance das mesmas;

Harmonização normativa entre regiões, através do estabelecimento de organizações normativas regionais, de normas comuns para a indústria alimentar e para os sectores da construção e da engenharia;

  • Apoio às pequenas e médias empresas

Investir na capacitação das PME no que respeita à formalização, à adopção de normas contabilísticas adequadas, em conjunto com o apoio a competências de gestão de projectos e à preparação de projectos financiáveis;

Apoiar a integração das PME nas cadeias de valor regionais;

  • Fomentar o acesso ao financiamento e à integração nos mercados financeiros

Possibilitar uma listagem transversal de empresas em diferentes mercados de valores;

Possibilitar uma listagem transversal de títulos governamentais e empresariais entre as comunidades económicas regionais;

Eliminar a tributação dupla dos fluxos de capitais;

Accionar mecanismos para o financiamento das cadeias de valor;

Avaliar e desenvolver o segmento de mercado “não-bancário” para financiar a economia real, ou seja, os fundos de capital de risco, de private equity, de obrigações, etc.;

Estabelecer agências de notação de crédito para reduzir as assimetrias de informação entre financiadores e credores;

  • Promoção do comércio regional através de cadeias de valor regionais e globais

Identificar e promover sectores com vantagens comparativas;

Promover a diversificação no interior das regiões através da alavancagem de complementaridades;

Promover a certificação de produtos;

Desenvolver serviços de apoio às exportações;

  • Incrementar a produtividade e rentabilidade do sector agrícola

Desenvolver as infra-estruturas rurais, remover as restrições no que respeita à aquisição e transferência de terras, bem como no acesso ao crédito bancário

Promover a mecanização através de créditos, subsídios e medidas de alívio fiscal para facilitar a aquisição de maquinaria;

Aumentar o desenvolvimento de sementes de rendimento elevado através da Investigação & Desenvolvimento regional e melhorar a extensão de serviços que facilitem a adopção de novas sementes e técnicas e tecnologias agrícolas;

Desenvolver mecanismos de apoio para pequenas organizações, cooperativas e associações de agricultores que lhes permitam assegurar um lugar no mercado;

Oferecer produtos financeiros acessíveis que estejam customizados de acordo com as necessidades agrícolas;

Promover o acesso a terras e ao crédito para as mulheres em zonas rurais;

Desenvolver locais de armazenamento e fábricas de transformação dos produtos agrícolas.

FONTE: An Action Agenda for Africa’s Competitiveness, Fórum Económico Mundial

Editora Executiva