Em geral, o estado de saúde e o nível de rendimentos da população idosa tem vindo a melhorar nas últimas décadas. Contudo, as desigualdades que têm vindo a aumentar entre os mais novos – que poderão inverter esta tendência positiva – assumem-se como um alerta que poderá ter consequências nefastas para a população mundial, nos próximos anos. Para evitar esta situação é preciso agir com urgência. Quem o diz é a OCDE, num estudo recentemente apresentado e denominado “Preventing Ageing Unequally”
POR
MÁRIA POMBO

Comparar gerações pode ser um exercício tão interessante como aparentemente inútil, já que cada uma viveu e/ou vive em épocas diferentes, com desafios e oportunidades distintos, sendo difícil encontrar um termo que as una. Os baby boomers, por exemplo, beneficiaram de um grande crescimento económico, bons níveis de saúde e elevadas taxas de emprego e desenvolvimento social. Por seu turno, a geração X (que tem agora entre 35 e 50 anos) não poderá orgulhar-se de dizer que terá uma velhice melhor e mais rica que aquela que têm actualmente os seus pais, sendo uma geração bastante concentrada no trabalho e no sucesso profissional.

Já a geração Y é, ao contrário da anterior, menos preocupada com o sucesso económico e mais interessada em gerir bem o tempo para tirar melhor proveito da vida. Este segmento populacional tem enfrentado diversas dificuldades decorrentes da crise económica, a qual – juntando às rápidas transformações tecnológicas que obrigam a uma constante adaptação e aprendizagem – diminui, em muito, as perspectivas de uma carreira estável, onde o desemprego pode bater à porta de qualquer um, mesmo de quem (teoricamente) estudou nas melhores universidades.

E esta rápida transformação origina, por um lado, uma maior facilidade de acesso a diversos serviços (ao nível da comunicação e da informação, por exemplo) que outrora eram inexistentes ou dispendiosos, mas leva, por outro, a que uma grande parte da mão-de-obra humana seja substituída por máquinas ou por mecanismos “inteligentes” que podem ser manobrados por uma só pessoa e em tempo recorde.

A população vive de uma forma crescentemente desigual, em que os mais ricos são cada vez mais ricos e os mais pobres têm cada vez menos meios de sobrevivência. As desigualdades no que respeita ao rendimento familiar têm vindo a aumentar nas últimas três décadas, sendo impulsionadas pelo trabalho atípico e não convencional, pelas dificuldades sentidas pelos jovens em termos de segurança no trabalho e construção de uma carreira, e também pelas elevadas taxas de desemprego que têm afectado diversas gerações em muitos países.

Neste sentido, e de acordo com um estudo apresentado recentemente pela OCDE, espera-se que os “novos” de hoje tenham uma velhice diferente, quer entre si, quer comparativamente aos seus pais e avós. Denominado “Preventing Ageing Unequally”, este documento revela que as expectativas apontam para que muitos jovens adultos de hoje em dia vivam mais tempo que os seus antepassados, mas que também enfrentem diversos (e longos) períodos de inactividade ou de desempenho de funções mal remuneradas.

Complementarmente, e como consequência do aumento das disparidades no meio laboral e das dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, espera-se que a pobreza venha a existir em maior escala, afectando essencialmente os idosos – os quais viverão com reformas bastante reduzidas devido ao facto de os governos não terem capacidade financeira para garantir uma velhice confortável a toda a população. É que, se um melhor acesso a saúde e educação logo desde o berço são uma espécie de passaporte para uma vida saudável, aumentando as possibilidades de ter um emprego estável e uma velhice mais confortável, o oposto também se verifica: uma deficiência a estes níveis logo desde tenra idade prejudica o acesso a melhores oportunidades laborais e conduz a uma terceira idade mais desprotegida.


Mais velhos, mais pobres e mais desprotegidos

De acordo com o estudo, os centros urbanos acolhem mais jovens e trabalhadores mais versáteis, ao passo que as zonas rurais são normalmente habitadas por trabalhadores mais velhos e reformados (sendo que é na China e na Indonésia que se verificam as maiores discrepâncias entre a cidade e o campo). Adicionalmente, o envelhecimento da população é muito mais rápido e visível nas economias emergentes do que nos países desenvolvidos. Contudo, independentemente dos rendimentos e da educação, a esperança média de vida será cada vez maior e a população tenderá a viver mais anos. De acordo com a OCDE, em 2015, 80% da população mundial vivia em média até aos 70 anos, estimando-se que, em 2050, essa percentagem ascenda aos 93%; em 2100, a probabilidade de os homens viverem até aos 85 anos passará de 50% (actualmente) para os 75%, ao passo que, nas mulheres, essa percentagem passará dos 64% (actuais) para os 83%.

Tal como já foi referido, o processo de envelhecimento será bastante diferente entre os diversos segmentos populacionais, sendo a educação um importante factor de diferenciação. Neste sentido, e tanto nos países desenvolvidos como nas economias em desenvolvimento, um homem que tenha actualmente 25 anos e tenha estudos superiores ao nível da licenciatura viverá, em média, mais 7,5 anos que um indivíduo da mesma idade mas sem estudos; nas mulheres, a diferença será de 4,6 anos entre aquelas que finalizaram o ensino superior e as que não tiveram essa oportunidade.

Por outro lado e segundo o relatório da OCDE, indivíduos com menos instrução têm uma maior tendência a desenvolver doenças: 30% dos homens com grau académico baixo e que têm actualmente entre 50 e 64 anos afirmam ter salários limitados devido a problemas de saúde, contra apenas 10% os homens que, com a mesma idade mas com ensino superior, afirmam viver esta situação. As doenças crónicas são um enorme problema e são, também elas, muito frequentes entre pessoas com poucos estudos, as quais têm reduzidas oportunidades de entrar no mercado de trabalho, vivem em condições mais precárias e o acesso a cuidados de saúde e higiene adequados é escasso ou até inexistente.

A desigualdade de rendimentos – outro factor a ter em conta – tem vindo a aumentar de geração para geração. A mesma atingiu recentemente o nível mais elevado dos últimos 50 anos nos países da OCDE, com os 10% mais ricos a terem rendimentos nove vezes superiores aos 10% mais pobres. E nem o ligeiro crescimento económico sentido em alguns países, nos últimos tempos e após o início da crise, tem feito diminuir esta diferença acentuada.

Em termos geográficos, desde os anos 80 e para grupos da mesma idade, a desigualdade ao nível dos rendimentos tem vindo a aumentar em cerca de dois terços dos países, estando estável em apenas um sexto das nações e tendo diminuído também em um sexto dos países. Nos Estados Unidos e na Eslováquia, por exemplo, as discrepâncias já atingiram níveis muito elevados junto dos idosos, ao passo que em Espanha estas diferenças estão estabilizadas.

Contudo, a crescente tendência para a desigualdade provocada pelos rendimentos tem vindo a afectar mais os jovens que os idosos. Apesar de muitos países estarem a recuperar da crise, o risco de pobreza é bastante elevado entre as crianças e os adolescentes, originando adultos menos capacitados, saudáveis e preparados para enfrentar as adversidades da vida.

O mais grave de tudo é que, de acordo com o documento da OCDE, “a pobreza infantil pode danificar o desenvolvimento cerebral e reduzir os resultados da aprendizagem, anos depois”. Deste modo, uma criança de cinco anos que seja capaz de se mover de forma consciente, comunicar oralmente, conhecer alguns números e ter algumas competências sociais será, à partida, um adulto saudável, capaz de aprender de forma normal, exercer uma profissão, ter um rendimento e adaptar-se ao meio onde vive. Contudo, se a criança não tiver condições para desenvolver os aspectos mencionados, enfrentará grandes dificuldades ao longo de toda a vida.

Por outro lado, a relação entre a saúde a o meio laboral não é superficial e pode ser vista de duas perspectivas: por um lado, os problemas de saúde podem originar rendimentos e lucros menores nas empresas e, por outro lado, algumas funções ou tarefas podem, elas próprias, causar graves problemas de saúde, tanto a nível físico como mental. O pior é que cerca de um terço das pessoas que vive na Europa, na Austrália, na Coreia e nos Estados Unidos assumem ter uma saúde “inferior a boa”.

Se é verdade que, de forma crescente, deve promover-se a transição entre a idade activa e a reforma, também deve apostar-se na recepção, por parte das empresas, de novos talentos. É que o aumento de mulheres no mercado de trabalho (o qual foi muito acentuado entre aquelas que nasceram nos anos 60 e 70) fez aumentar – e ainda bem – a taxa de emprego mas, nas últimas décadas, são muitos os jovens que, independentemente do género e mesmo com educação superior, não encontram emprego nem estão a estudar. E estes jovens, um dia idosos, enfrentarão ainda mais dificuldades do que aquelas com que se deparam actualmente, já que será cada vez mais difícil ter trabalho remunerado, o qual é fundamental para pagar uma casa, ter acesso a cuidados de saúde e viver com dignidade.

Adicionalmente, à medida que as pessoas envelhecem, a sua necessidade de receber apoio ao nível de cuidados continuados é maior. As desigualdades que se vão sentindo (e acumulando) ao longo da vida têm uma expressão muito maior e mais assustadora quando pensamos nos custos que são necessários para cuidar de um idoso, principalmente quando não existe uma protecção social adequada que os garanta.

Sem o apoio dos governos e sem reformas razoáveis, as pessoas que necessitam (e necessitarão) destes serviços facilmente entrarão em situação de pobreza, sendo que os cidadãos que têm baixos rendimentos são, precisamente, aqueles que mais cedo necessitam de recorrer a este tipo de serviço, já que são os mesmos que, durante a infância e vida adulta, não puderam ter uma saúde de qualidade.


É urgente inovar, melhorar e garantir um melhor futuro à população

Para evitar todo este cenário de calamidade, é necessário actuar com urgência, e colocar o tema da prevenção das desigualdades nas agendas políticas é o primeiro passo. Para isso, deve começar-se por dar protecção social à população, logo desde tenra idade e principalmente às crianças que nasceram em famílias carenciadas. Complementarmente, e também logo desde a infância, é necessário que os governos garantam uma boa educação aos seus cidadãos, os quais serão fundamentais para o desenvolvimento integral das suas capacidades mentais e motoras, evitando assim situações de abandono escolar precoce.

Promover uma boa entrada dos jovens no mercado laboral é outra medida apresentada pela OCDE, no estudo “Preventing Ageing Unequally”. Uma fácil transição entre a escola e o trabalho, através do acompanhamento de técnicos e chefias das empresas, dará aos jovens uma maior segurança e confiança, sendo este trabalho especialmente importante junto daqueles que vivem em condições mais difíceis e sem uma rede de apoio. Adicionalmente, os governos devem prevenir a existência de jovens em situação de NEET (que não trabalham nem estudam) já que a mesma é prejudicial tanto para os próprios como para a economia dos diversos países.

Por fim, a OCDE sugere que se quebre a barreira entre as desvantagens socioeconómicas e o estado de saúde e acesso a cuidados de saúde dos cidadãos. Neste sentido, os governos dos diversos países devem desenvolver estratégias para garantirem bons serviços e cuidados públicos de saúde, especialmente junto das populações a quem a mesma é de difícil acesso (quer seja pelos rendimentos ou por viverem em zonas mais remotas).

Paralelamente, os governos devem promover a saúde na velhice e desenvolver estratégias que garantam os cuidados necessários a este frágil segmento populacional. A remoção de obstáculos financeiros, a promoção de formações na área da geriatria e a criação de incentivos para os profissionais de saúde trabalharem nesta área são algumas das estratégias referidas no estudo.

Combater o desemprego de longa duração e limitar o impacto negativo que este tem na vida da população é outra estratégia que pode e deve ser tida em conta pelos governantes. Neste sentido, é necessário, por exemplo, fortalecer as políticas de assistência a desempregados e promover a assistência à procura de emprego e desenvolvimento de competências. A OCDE refere também que promover o aperfeiçoamento de competências de pessoas em situação activa é uma outra forma de combater o desemprego. A aprendizagem ao longo da vida, principalmente junto de pessoas com baixos níveis de escolaridade, pode fazer a diferença entre ter e não ter um rendimento no final do mês.

Ainda no que respeita ao emprego, e já que a população é cada vez mais envelhecida, é necessário que sejam criadas medidas de acompanhamento aos trabalhadores em fim de carreira, de modo a que a transição para a reforma seja feita com naturalidade e segurança. Neste sentido, os cidadãos devem ter a garantia de que continuarão a ter um rendimento e bons cuidados de saúde naquela que deveria ser uma idade feliz e tranquila.

Uma população cada vez mais envelhecida e uma crescente evidência das desigualdades (também entre os mais novos) constituem problemas de natureza global. A economia, em geral, está a recuperar da crise, a tecnologia tem trazido enormes vantagens e facilidades, mas a população, no geral, está a viver pior e este foi o mote para o estudo da OCDE apresentado neste artigo. E é nas coisas que estão mal que a organização aconselha os governos a pensarem, com o objectivo de procurarem estratégias que permitam inverter a tendência do aumento das desigualdades. Dar aos jovens de hoje condições para que possam ter uma vida saudável significa dar aos velhos de amanhã a possibilidade de viverem com dignidade.

Jornalista