Quais as características que definem os melhores líderes no actual ambiente de negócios digital? Comandantes que estudam as batalhas de outrora com um olho posto nas lições recolhidas ou aventureiros intrépidos que acreditam que o que está a acontecer agora nada tem a ver com o que se passou no passado? A resposta reside numa mistura saudável de ambos os tipos
POR HELENA OLIVEIRAQuando se descreve a nova realidade digital que se vive nas organizações, as pessoas tendem a optar por uma de duas premissas. Alguns defendem que o futuro será mais parecido com o que já foi, afirmando que “aqueles que não se recordam do passado estão condenados a repeti-lo”, enquanto outros argumentam que o futuro será uma ampla novidade, acreditando que “ninguém pode saber o que se vai passar, porque está a acontecer, em cada ocasião, pela primeira vez e uma única vez”.

Mas e independentemente da premissa que se escolher, e à semelhança do que sempre aconteceu, em tempos turbulentos não existe nenhuma organização que não necessite de um líder forte ao seu leme. Ao mesmo tempo, as rápidas mudanças associadas à disrupção tecnológica podem redundar numa enorme desorientação, com muitos a assumirem que o manual da liderança tem de ser reescrito para a era digital. Será que tal é verdade? Ou estão os cada vez maiores níveis de incerteza a ser responsáveis por negligenciar o que é essencial? Será possível que os desafios de liderança do mundo digital sejam “mais iguais do que diferentes” mas que todos estejam exageradamente concentrados no que se afigura como distinto porque estamos demasiado alarmados pelas ameaças ao status quo? A verdade é que existe verdade em ambos os argumentos.

Ao longo dos últimos cinco anos, a Sloan Management Review, do MIT, em conjunto com  a consultora Deloitte, inquiriu mais de 20 mil executivos, gestores e analistas em todo o mundo numa tentativa de compreender os desafios e oportunidades associados à transformação digital. E, como objectivo principal, a ideia era analisar de que forma os negócios e a liderança estão a sofrer alterações neste novo ambiente. Em termos gerais, a conclusão foi a seguinte: se, por um lado, várias competências chave inerentes à liderança se mantêm inalteradas, por outro, as exigências particulares da disrupção digital dão origem à necessidade de novas características também.

Assim, e com base nos resultados deste estudo, partilhamos as novas competências que se pedem a um bom líder, sem esquecer as que foram bem-sucedidas no passado e se mantêm tão valiosas quanto sempre foram.

O que faz a liderança em tempos digitais ser diferente?

As maiores alterações citadas pelos inquiridos na pesquisa da Sloan Management Review em conjunto com a Deloitte incluem o ritmo acelerado de se fazer negócios, as mudanças na cultura organizacional (e as tensões correspondentes entre os “fazedores da mudança” e os trabalhadores que mantêm uma mentalidade tradicional), a necessidade de um local de trabalho flexível e “distributivo”, e o aumento de expectativas face à produtividade. Estas mudanças deixam clara a necessidade de se apostar numa adaptação ou num aumento das competências fulcrais da liderança para se navegar nos mares digitais.

À primeira grande questão colocada aos inquiridos – qual a mais importante competência organizacional que os líderes devem ter para serem bem-sucedidos num ambiente digital -, corresponde um conjunto de características elencadas que, em conjunto, oferecem uma boa radiografia da liderança no mundo digital. E os traços que se seguem foram os que sobressaíram como os mais críticos.

  • Visão transformadora e perspectiva de futuro

Ter “visão” e sentido de orientação para dirigir a empresa há muito que se mantem como componentes essencial da liderança. Mas no ambiente digital, e com ênfase nas mudanças futuras, estas ganham importância redobrada. No survey realizado, 22% dos respondentes afirmaram que a mais importante competência de liderança para se possuir numa organização digital é a visão transformadora, a qual inclui a capacidade de antecipar mercados e tendências, tomar decisões de negócio “esclarecidas” e resolver problemas difíceis em tempos turbulentos. A segunda mais importante e para 20% dos inquiridos consiste em ser-se capaz de fazer uma análise prospectiva, a qual integra uma visão do futuro o mais clara possível, uma estratégia sólida e a capacidade de antecipar potenciais problemas.

Os autores do estudo interpretam esta última competência como a compreensão de como as tendências de negócio estão a evoluir devido à tecnologia e a primeira como aquela que permite orientar o negócio como resposta a essas mesmas tendências. Ou seja, os líderes com uma visão transformadora são aqueles que estão melhor equipados para fornecer um propósito e uma direcção a seguir pela organização.

  • Literacia digital

Compreender a tecnologia surge como a segunda característica mais votada, por 18% dos inquiridos, sendo que, e apesar desta exigência parecer óbvia à primeira vista, é definida de uma forma particular. Os respondentes valorizam a experiência prévia numa função de liderança tecnológica, mas dizem também que os líderes têm de ter uma literacia tecnologia generalista, em oposição à exigência de competências “puras” como programação ou ciência de dados. Como seria de esperar, a literacia digital é crucial por duas razões: em primeiro lugar, porque sustenta as duas competências de liderança anteriormente citadas. Um líder que não seja digitalmente literato terá uma enorme dificuldade em se manter a par das tendências e desenvolvimentos emergentes e fracassará em compreender de que forma é que os mesmos poderão trazer ou um novo valor ou uma ameaça à organização. Em segundo lugar, possuir uma noção de elevada compreensão relativamente à forma como a tecnologia funciona – ou não funciona – permite aos líderes tomarem decisões informadas em ambientes incertos.

Por seu turno, os responsáveis pelo estudo sublinham também que, tanto na pesquisa efectuada, como no seu próprio trabalho de consultoria, é muito mais fácil e eficaz ajudar líderes já estabelecidos a tornarem-se digitalmente letrados do que ensinar aos profissionais da tecnologia o conhecimento estratégico necessário para liderarem com eficácia.

  • Adaptabilidade

Considerada como a terceira mais importante competência é a capacidade do líder ser orientado para a mudança, ou seja, ter uma mente aberta, adaptável e inovadora. Tal como a literacia digital, esta competência sustenta igualmente os traços anteriormente listados como valiosos, na medida em que ajuda os líderes a responderem a ambientes fluidos e à mudança de caminho se a tecnologia ou o mercado evoluírem mediante formas não antecipados. Esta estrutura mental permite também que o líder digital possa continuar a actualizar o seu conhecimento relativamente às mudanças na tecnologia, evitando assim a obsolescência.

E o que é que fica na mesma e porque não se pode ignorar os fundamentos da liderança?

Como seria de esperar, e apesar de existirem algumas alterações no que respeita à liderança digital, tal não significa que tudo muda. Na verdade, um dos maiores erros é ignorar os fundamentos da boa liderança face à transformação digital. Os responsáveis do estudo sublinham que existem líderes na actualidade que se concentram tanto nos aspectos tecnológicos que acabam por se esquecer dos motivos “primários” subjacentes a esse mesmo esforço: melhorar a forma como a empresa que lideram faz negócios. E é exactamente por isso que é necessário manter em mente as competências chave que se mantêm como essenciais num líder eficaz.

  • Articular o valor trazido pela mudança e investir de acordo com o mesmo

Antes de “dar o salto” para qualquer nova tecnologia, os líderes têm de saber articular claramente os motivos devido aos quais têm a necessidade de nela investir. E, de acordo com o estudo, são poucos os líderes que demonstram ter este tipo de disciplina no meio de tanto ruído digital.

Para piorar ainda mais as coisas, os líderes também têm a tendência de esperar que os projectos cresçam de forma saudável sem lhes dar o apoio financeiro ou os recursos necessários para que tal aconteça. Assim, e sem surpresas, 75% dos respondentes que afirmam que a sua empresa fez os investimentos apropriados num determinado projecto, reportam o sucesso do mesmo, enquanto apenas 34% dos que declaram que a organização não investiu suficiente tempo, energia e recursos conseguem fazer a mesma afirmação.

  • Ser “dono da transformação”

Quando os executivos delegam as responsabilidades pelo negócio digital nos profissionais da tecnologia, esta é uma receita quase certa para o fracasso. Por exemplo, são muitos os casos de especialistas em tecnologia que implementam plataformas colaborativas ou estratégias de media sociais sem conduzirem antecipadamente qualquer tipo de formação ou iniciativas de mudança de comportamento para acompanharem essas mesmas iniciativas. O resultado é, muitas vezes, uma bonita plataforma tecnológica que os empregados simplesmente não utilizam. Como qualquer outro esforço de mudança, o envolvimento e o apoio da gestão de topo sinalizam as prioridades e podem ajudar a alinhar o resto da organização com a transformação digital em curso. Quando questionados sobre que parte da organização deveria liderar as suas iniciativas digitais, aqueles que trabalham em empresas menos maduras tendem a situar os projectos em áreas funcionais, como as TI ou o marketing. Por seu turno, aqueles que trabalham em empresas mais maduras, colocam, quase duas vezes mais, os esforços digitais no próprio CEO.

  • Equipar os empregados para o sucesso

Um outro aspecto da boa liderança que não sofreu alterações envolve a capacidade de conferir poder aos trabalhadores para levar a cabo novas iniciativas, não sendo suficiente um “forte mandato” por parte do “topo”. E para os que esperam que os empregados se envolvam em novos processos só porque a empresa adopta uma nova tecnologia, o tiro poder-lhes-á sair pela culatra. No contexto das responsabilidades que já têm relacionadas com as suas funções, os trabalhadores não têm, na maioria dos casos, nem tempo nem conhecimento para descortinar novas formas de trabalho de uma forma célere. Ou e por outras palavras, são os líderes que têm de preparar a sua força de trabalho para novos desafios e, consequentemente, para o sucesso.

Entre os inquiridos que reportaram que a sua organização lhes disponibiliza os recursos e oportunidades necessários para prosperarem no ambiente digital, 72% confirmam o sucesso das iniciativas. Pelo contrário, quando tal não acontece, os números do sucesso caem para 24%. Complementarmente, há que ter em conta que a transformação digital se faz tanto do topo para as bases como das bases para o topo.


Qual a principal diferença entre trabalhar num ambiente digital ou tradicional?

De acordo com 3300 inquiridos que responderam a questões abertas sobre de que forma é que os negócios digitais diferem dos tradicionais, estas foram as principais conclusões:

  • Ritmo do negócio, velocidade e taxa de mudança
  • Cultura e mentalidade, criatividade, capacidade de aprendizagem contínua e tomada de risco
  • Local de trabalho flexível e “distribuído”, colaboração, tomada de decisão, transparência
  • Produtividade, optimização de processos, melhoria contínua
  • Melhoria no acesso e utilização de ferramentas, maior disponibilidade de dados, performance tecnológica
  • Conectividade, trabalho remoto, sempre “on”

FONTE: Leading Digital Change


Editora Executiva