Os líderes e gestores empresariais ainda não estão totalmente preparados para o mundo digital. Esta é a principal conclusão de um estudo recente, apresentado pela Boyden, o qual revela que apenas 14% dos inquiridos consideram que a sua empresa está “bem preparada” para esta nova era. De acordo com o documento, o investimento e as diferenças entre gerações são os principais desafios para as organizações, as quais precisam de adoptar novas estratégias e adaptar-se a este mundo, também ele feito de oportunidades
POR
MÁRIA POMBO

Para o bem e para o mal, o mundo é cada vez mais digital. E se esta realidade tem inúmeras desvantagens – como insegurança, invasão de privacidade e até uma certa “desconecção” face ao mundo real –, ninguém pode negar que a presença de uma empresa na internet (através de um site ou de páginas nas redes sociais) potencia em muito o seu crescimento, sendo uma rápida e pouco dispendiosa forma de atrair clientes, nos mais variados sectores de actividade.

E se a teoria parece simples, na prática o cenário não é tão animador, principalmente porque marcar presença no mundo digital implica a aquisição de competências e a adaptação de estratégias, por parte dos CEO, e que ultrapassam em muito as “velhas” capacidades que um líder empresarial deve ter.

O estudo “The Digital-Savvy C-Suite e Boardroom”, publicado recentemente pela Boyden, revela que 53% dos inquiridos consideram que os gestores e membros dos quadros superiores das suas empresas não estão preparados para implementar uma estratégia digital bem-sucedida. Adicionalmente, a mesma organização (que presta serviços de consultoria e recolha de dados ao nível de estratégias e soluções empresariais) conclui que apenas 14% (dos 1200 indivíduos auscultados no inquérito) afirmam que a sua empresa está “bem preparada” para esta realidade. Os autores do estudo revelam ainda que apenas 48% dos inquiridos assumem que a sua empresa está fortemente empenhada em adaptar-se ao mundo digital, ao passo que, para 52% dos respondentes, a sua empresa está a fazer os mínimos para ganhar conhecimentos nesta área.

O estudo foi realizado nos Estados Unidos, em Março do presente ano, e contou com a participação de 1232 pessoas maiores de 18 anos.

As transformações necessárias, o investimento que deverá ser feito e a formação que deverá existir nas empresas são algumas das questões que mais preocupam os líderes (especialmente daquelas que não fazem parte do sector da tecnologia). Os desafios são inúmeros, os riscos são grandes e a concorrência pode ser forte. Contudo, neste documento – e recorrendo ao testemunho de alguns especialistas – a Boyden revela que as oportunidades podem fazer todo o esforço valer a pena.

Para Luís Melo, Partner da Boyden Portugal, “perspectiva-se uma evolução de muitas indústrias que vão ser condicionadas por aquilo que as possibilidades do mundo digital permitirem”. O também responsável pelo sector da Tecnologia da organização explica ainda que esta realidade “vai mudar totalmente o contexto dos negócios e criar novos paradigmas, o que pode provocar uma mudança significativa no contexto envolvente, nomeadamente nos mercados sem grandes barreiras à entrada de novas empresas”.


Competências digitais devem complementar a capacidade de liderança

Já não restam dúvidas de que as tecnologias digitais ajudam as empresas a trabalhar mais depressa, melhor e de forma mais eficiente, fazendo mais em menos tempo. Graças à automação, é agora possível recolher e organizar uma enorme quantidade de informação, nomeadamente sobre as preferências e necessidades dos consumidores, a qual se assume como uma forte arma de captação e retenção de clientes. Para Armin Meier, Managing Partner da Boyden Suíça, “a digitalização não tem apenas a ver com a criação de mais ferramentas e métodos, mas também com uma mudança no estilo de vida, na forma como as empresas se organizam e relacionam e no modo como os processos são geridos”.

Para que os benefícios do mundo digital sejam alcançados, as organizações precisam de desenvolver estratégias que permitam que a adaptação a esta realidade seja gradual, fácil e sem grandes complicações. O facto de as competências digitais deverem ser implementadas em todos os departamentos e aspectos da empresa pode ser uma das dificuldades desta adaptação. O departamento financeiro, por exemplo, terá grandes limitações se não trabalhar em conjunto com o departamento de marketing, e ambos não serão bem-sucedidos se não dominarem as ferramentas digitais que lhes permitem conhecer os seus clientes e aquilo que estes procuram e pretendem comprar na internet.

As ferramentas digitais são igualmente úteis para a interacção com os consumidores (aumentando, por exemplo, o seu grau de satisfação), para a produção de campanhas ou para a inovação ao nível da oferta, marcando uma posição de liderança face a empresas concorrentes. Para Jim Harmon, Managing Partner da Boyden Canadá, não existem dúvidas: “os líderes empresariais estão a perceber que a inovação digital é o ar que todos respiram e, por isso, é melhor começarem a respirar também”.

Uma das dificuldades que os líderes revelam está relacionada com o facto de não conseguirem identificar a função que poderá implementar a estratégia digital nas suas empresas. De acordo com o documento, muitas organizações têm vindo a criar novos postos de trabalho, ao passo que outras optam por dar novas funções a trabalhadores já contratados, redireccionando o seu trabalho para a transformação digital. Chief Marketing Officers (CMO), Chief Digital Officers (CDO), Chief Information Officers (CIO), e Chief Technology Officers (CTO) são alguns dos cargos mais comuns relacionados com esta nova era, e que criam algumas inseguranças e incertezas aos directores executivos das organizações.

No documento, o CDO é apontado como um bom exemplo de uma função que permite a implementação de uma estratégia digital, principalmente na fase inicial, já que o mesmo ajuda a trabalhar a sensibilização, a consciência, a comunicação e a capacitação para este “novo mundo”. Contudo, assim que a estratégia estiver definida e implementada, o CDO deverá passar a responsabilidade a todos os departamentos da organização para que, internamente, cada um deles possa trabalhar de forma independente, tornando-se fluente em termos digitais. Ainda assim, e em nome do bom funcionamento da empresa em todas as suas áreas e departamentos, deverá ser o CEO a tomar as rédeas desta acção, devendo fazer um esforço redobrado para compreender e utilizar a linguagem digital, acompanhando todos os departamentos, como fazia anteriormente, e tomando decisões informadas.

Mais do que procurar os problemas e as dificuldades, os autores do estudo explicam que os líderes empresariais devem “focar-se nas oportunidades que o digital oferece e nas competências que deverão adquirir” para retirar dele o maior proveito. Depois de adquiridas, estas competências devem apenas complementar a capacidade de liderança que já existia antes das novas tecnologias. Para Armin Meier, “a experiência das pessoas inspiradoras, que motivam outras pessoas a seguir em frente, não acaba no mundo mais digitalizado. Torna-se ainda mais importante”. Ou seja, os líderes devem “saber ouvir, fazer as perguntas certas e tomar decisões que permitam que a empresa continue a evoluir”, principalmente num mundo em que estão constantemente a surgir novos produtos, tecnologias e marcas, utilizando a tecnologia como uma ferramenta para alcançar o sucesso.


Ver o mundo de possibilidades para além do retorno financeiro directo

O investimento é um dos maiores entraves das empresas, no que respeita à transformação digital, e é aquele que exige do CEO uma maior capacidade de “ver para além do óbvio”. É difícil medir a dimensão do investimento que deverá ser feito, tendo em conta que os antigos indicadores de performance da organização não resultam, já que o retorno financeiro não é directo nem imediato.

Deste modo, ao passo que, tradicionalmente, um investimento ajuda uma empresa a melhorar as suas margens de lucro a curto prazo, um investimento ao nível das ferramentas digitais ajuda a construir capital social e conhecimento do mercado, e a melhorar a imagem da marca, tornando-a mais forte e ajudando-a a ganhar, assim, novos clientes. As métricas já não passam apenas pelo retorno financeiro mais directo, mas também, por exemplo, pelo número de novos clientes e de clientes que voltam a comprar o mesmo produto, e pelo feedback destes face à sua experiência junto da empresa.

Ou seja, o investimento em processos no contexto digital pode não constituir uma prioridade para algumas organizações, visto não se tratar de uma estratégia que promete resultados de retorno a curto-prazo. Contudo, as novas oportunidades que este mundo oferece são indiscutíveis para quem se quiser aventurar nele.

As diferenças geracionais no que respeita à fluência digital são outro desafio para as empresas. A directora da Boyden nos Estados Unidos explica que “apesar de a diferença geracional na fluência digital ter vindo a diminuir, ainda existem casos em que os executivos mais antigos se recusam a adquirir competências digitais”, não compreendendo o impacto das novas tecnologias nem o investimento que poderá ser feito para que a sua empresa continue a prosperar. Para Lindsay Landsberg, “não participar em redes sociais, não fazer comprar pela internet, não utilizar serviços de online banking, etc., significa perder a oportunidade de compreender o modo como os consumidores comunicam e experimentam os produtos de uma marca”.

Não admira, portanto, que mais de metade dos inquiridos com mais de 50 anos que participaram no estudo da Boyden assumam ter menos conhecimentos digitais que os mais novos e que, por seu turno, cerca de 70% dos inquiridos entre os 18 e os 34 anos afirmem ter mais competências digitais que os líderes seniores das empresas onde trabalham.

Para superar este desafio, os líderes têm de reconhecer que a sua experiência é relevante em muitos aspectos, mas que os conhecimentos em termos digitais os ajudam a encontrar novas soluções para novos problemas, tendo um grande impacto na captação de clientes e também na retenção de talentos para a sua empresa.

Entre diversos exemplos que poderiam ter sido dados – como na área das telecomunicações, dos media, do entretenimento e dos serviços financeiros –, o sector hoteleiro é um exemplo apresentado no estudo e ilustra bem o modo como a tecnologia tem sido útil (e revolucionária), ajudando as empresas a ir ao encontro das necessidades e expectativas dos clientes. Se até há poucos anos procurar um hotel, comparar preços e reservar um quarto era um processo demorado e frustrante, actualmente o mesmo é feito de forma simples e em poucos segundos. Tudo isto graças às diversas plataformas que fazem todo o trabalho, apresentando aos clientes as opções que melhor correspondem às suas preferências. Este é, pois, um óptimo exemplo da importância que tem a opinião dos clientes, já que na maioria das vezes os mesmos são convidados a qualificar a sua experiência, a qual ficará visível online e poderá fazer a diferença entre ganhar ou perder novos clientes.

No fundo, o mundo digital oferece inúmeras oportunidades às empresas, para que estas possam evoluir, inovar e diferenciar-se das restantes. Todavia, e de acordo com a Boyden, esta nova era apresenta uma série de desafios e incertezas, provocando grandes mudanças na estrutura organizacional, nomeadamente em termos de cargos e funções tradicionais, áreas de investimento, processos de recrutamento e retenção de trabalhadores. A mesma significa ainda uma adaptação das estratégias das organizações junto dos clientes. Tudo isto exige dos líderes empresariais uma maior confiança, determinação e vontade de explorar novos (e por vezes ambíguos) terrenos, e a necessidade de se aproximarem das gerações mais novas (que dominam as ferramentas tecnológicas e quase não passam sem elas).

“Armados com curiosidade natural, capacidade de adaptação e a capacidade de inspirar outros, os líderes podem orientar as suas organizações para este emocionante mundo digital, onde abundam as oportunidades”, concluem os autores do estudo.

Jornalista