Mais de um ano depois do deflagrar da pandemia, perecem não existir dúvidas de que o trabalho tal como o conhecíamos sofreu uma reviravolta gigantesca. O trabalho remoto provou ser um caso de sucesso, mas existem também muitos benefícios oferecidos pelos locais de trabalho físicos que não podem ser replicados no ambiente doméstico. Assim, e apesar de muitos ajustamentos que terão ainda de ser feitos, a abordagem de um modelo híbrido ou misto de trabalho parece ser o caminho a trilhar por muitas empresas, na medida em que não só oferece a flexibilidade e liberdade que os trabalhadores aprenderam a prezar – e que não estão dispostos a abandonar – como beneficia também os próprios negócios. Estamos, contudo, apenas no início desta nova trajectória
POR HELENA OLIVEIRA

De acordo com um estudo do Observatório da Sociedade Portuguesa, da Universidade Católica em Lisboa, que pretende aferir o impacto da pandemia na vida dos portugueses, em Março último, e um ano após a chegada do vírus SARS-CoV-2, menos de metade dos portugueses encontrava-se ainda em teletrabalho. Destes, a grande maioria manifestou o desejo de continuar a trabalhar a partir de casa, seja de forma integral ou em regime misto.

Como se pode ler no estudo: “reflectindo acerca do futuro do trabalho, em resposta à questão “Até que ponto estaria interessado(a) em se manter alguns dias por semana em teletrabalho após a pandemia?”, 80.4% dos participantes indicaram que estariam interessados ou muito interessados em continuar nesta modalidade de trabalho. Especificamente, face à questão “Quantos dias por semana gostaria de trabalhar de casa?”, 77.9% indicaram preferência por um regime misto, apontando que gostariam de trabalhar a partir de casa em até 4 dias por semana, enquanto 22.1% indicaram preferir trabalhar de casa 5 ou mais dias por semana, sinalizando assim uma preferência pelo teletrabalho na totalidade da carga laboral”.

Passado mais de um ano desde que a pandemia de Covid-19 deflagrou, forçando milhões de pessoas em todo o mundo a trabalhar a partir de casa e criando um novo (a)normal que tem alterado permanentemente o mundo do trabalho, muitos são os empregados que têm usufruído dos benefícios do trabalho à distância, incluindo mais tempo com a família e menos tempo passado a deslocarem-se ou a prepararem-se para o dia de trabalho.

E, com o aumento do número de pessoa vacinadas e com uma suposta, se bem que ainda trémula, resposta positiva à fúria pandémica, esta semana assinalou-se o fim da obrigatoriedade do teletrabalho em quase todo o país e são muitos os trabalhadores que estão a voltar às empresas, com particular agrado por parte de sindicatos e patrões que já há algum tempo defendiam este regresso junto do Governo.

Todavia e como temos vindo a escrever no VER – e como se pode ler um pouco por todo o lado – o regresso ao escritório e a rotinas outrora normalizadas e devidamente interiorizadas, pode representar estranheza, na medida em que, e como sabemos, o trabalho remoto ganhou notoriedade e uma surpreendente boa aceitação por parte das empresas e dos trabalhadores. Ou seja, das duas, uma: ou tentar-se-á que tudo volte a ser como antes – situação que, de acordo com um conjunto de observadores de várias áreas, será muito difícil de acontecer, ou avançaremos mesmo para o modelo de trabalho híbrido – ou misto – de que tanto se fala.

Um pouco por todo o mundo, multiplicam-se os inquéritos a empresas de todas as dimensões, aos respectivos gestores de topo e trabalhadores e os resultados têm sido praticamente unânimes no que respeita a este novo modelo laboral, o que também é corroborado pelo estudo a nível nacional acima mencionado.

Por exemplo, e de acordo com um inquérito publicado recentemente pela McKinsey feito a 100 executivos de topo de indústrias distintas – e que confirmou que a produtividade e a satisfação dos clientes aumentaram ao longo do último ano – à medida que a pandemia se atenua, os líderes afirmam que o modelo híbrido – no qual os empregados trabalham tanto à distância como no escritório – se tornará crescentemente comum. A maioria dos executivos entrevistados espera que (para todas as funções que não exijam a presença física no local de trabalho) os empregados estejam no escritório entre 21 e 80 por cento do tempo, ou um a quatro dias por semana.

Num outro estudo publicado recentemente pela WeWork, em parceria com a Workplace Intelligence, e que incluiu 1000 executivos de topo e 1000 trabalhadores (inquiridos em Fevereiro de 2021) e no qual foram analisados os benefícios, desvantagens e requisitos do modelo híbrido, bem como as suas implicações financeiras, entre outros elementos, os resultados foram claros, desta feita por parte dos empregados, com 75% destes a afirmarem que estão dispostos a abdicar de pelo menos um benefício ou regalia no local de trabalho em troca da liberdade de escolher o seu ambiente de trabalho.

No geral, os resultados revelaram que a maioria dos trabalhadores espera continuar a trabalhar a partir de casa pelo menos alguns dias por semana, ao mesmo tempo que as empresas parecem estar dispostas a apoiar este acordo, na medida em que a produtividade se manteve – tendo aumentado até em alguns casos – no modelo de trabalho à distância.

Ora, e assim sendo, o que podemos esperar deste modelo de trabalho híbrido no futuro (ou presente) próximo?

Expectativas dos trabalhadores estão alinhadas com as das empresas

Numa definição básica, no modelo de trabalho híbrido, os empregados têm a possibilidade de trabalhar em diferentes espaços, incluindo os escritórios, os espaços de coworking, os locais públicos e, obviamente, a partir de casa. A abordagem variará, decerto, de empresa para empresa, mas o objectivo geral de um modelo híbrido é satisfazer a vasta gama de necessidades que os empregados podem experimentar em qualquer semana ou dia de trabalho – desde a necessidade de concentração ou colaboração, até à necessidade de equilibrar o trabalho com os compromissos familiares.

Adicionalmente, e como revela o estudo acima mencionado, os trabalhadores reconhecem também a possibilidade de dividir cada dia de trabalho por diferentes locais, como por exemplo iniciar o dia de trabalho em casa, indo depois para o escritório ou para um espaço de coworking para se encontrarem com os colegas ou com as chefias. De facto, mais de metade (53%) dos empregados inquiridos admitem desejar trabalhar no escritório 3 dias por semana ou menos após a Covid-19, o que não significa necessariamente que o tempo restante seja, na totalidade, passado a trabalhar em casa.

Por seu turno, as expectativas das empresas parecem estar alinhadas com as preferências dos trabalhadores: os executivos de topo entrevistados concordam com a ideia de que os empregados possam passar cerca de metade (53%) do seu tempo num escritório e cerca de metade (47%) do seu tempo a trabalhar a partir de casa ou de outro espaço escolhido pelo funcionário. Para os empregadores, tal representará alguns desafios logísticos, seja ao nível da integração de diferentes locais de trabalho e na “acomodação” de semanas de trabalho híbridas, como na tentativa de manter, simultaneamente, um elevado nível de segurança, bem como uma cultura empresarial coesa. Mas e como este inquérito também revelou, os benefícios associados a este promissor modelo de trabalho parecem valer a pena o esforço.

A grande maioria dos empregados (94%) e dos executivos de topo (96%) inquiridos concordam que existe pelo menos um benefício claro neste tipo de modelo de trabalho híbrido: para os primeiros, um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é, de longe, a vantagem número um, seleccionada por quase dois terços dos inquiridos, ao que se juntam depois um maior controlo relativamente à vida profissional, menos stress, mais tempo com a família, bem como custos de deslocação mais baixos. Para os segundos, os três maiores benefícios identificados foram uma maior flexibilidade e produtividade, a par de um maior envolvimento por parte dos empregados.

Por seu turno, o inquérito feito pela McKinsey confirma também que, durante a pandemia, a maioria das organizações tem observado um aumento da produtividade individual e de equipa, bem como um envolvimento mais expressivo dos funcionários, e, talvez como resultado deste aumento de foco e energia, um aumento da satisfação dos seus clientes também. Todavia, nem todas as organizações experimentaram a mesma melhoria. Tomemos como exemplo a produtividade individual: cerca de 58% dos executivos relatam melhorias na produtividade individual, mas um terço adicional afirma que os níveis de produtividade não se alteram; e, em 10% das empresas inquiridas, a produtividade individual diminuiu durante a pandemia. Um dado importante prende-se com a elevada correlação entre a produtividade individual e de equipa: as empresas que relataram uma melhoria significativa na produtividade individual foram cinco vezes mais propensas a expressar que a produtividade da equipa também aumentou.

E quais os principais motivos que parecem ter contribuído para que muitas empresas tenham gozado de maior produtividade durante a pandemia? De acordo com a McKinsey, as que apoiaram e encorajaram pequenas ligações ou “microtransacções” – como oportunidades para discutir projectos, partilhar ideias, o trabalho em rede, a mentoria e o coaching – foram as grandes vencedoras. E, como alerta a consultora, à medida que os executivos procurarem sustentar os ganhos de produtividade alcançados durante a pandemia num modelo híbrido, terão de conceber e desenvolver os espaços certos para que estas pequenas interacções se realizem.

Um outro alerta é a necessidade de existirem alterações na forma como se gere, na medida em que apoiar estes pequenos momentos de ligação requer mudanças subtis na forma como os gestores trabalham. Quase todos os executivos inquiridos reconhecem que a gestão remota difere da que é feita de forma presencial, mas outras subtilezas podem não ser tão aparentes. As nuances podem ser vistas em mais de metade das empresas que revelam maiores ganhos de produtividade e que treinaram os seus gestores sobre como liderar equipas de forma mais eficaz. A ênfase nestas “pequenas ligações” sugere que as organizações poderiam apoiar melhor os gestores, educando-os, entre outras coisas, sobre o impacto positivo e negativo que têm sobre as pessoas que a eles reportam, para além de apostarem na formação em competências transversais, tais como fornecer e receber feedback, e explorar novas formas de lidar com a perda de empatia que se traduziu também e em alguns casos, como um efeito colateral desta nova forma de trabalhar.

O que poderá correr menos bem

Como seria de esperar, não há bela sem senão e existem igualmente vários inconvenientes associados ao modelo de trabalho híbrido, manifestados tanto por empregadores como por trabalhadores e, na sua maioria, centrados em torno dos desafios do trabalho remoto.

No inquérito da WeWork, cerca de metade dos empregados afirmaram poder ser difícil gerir o seu tempo e concentração quando se trabalha à distância, considerando igualmente que a falta de supervisão possa ser um obstáculo. E os inconvenientes mencionados pela gestão de topo fazem eco destas mesmas preocupações. Mais de um terço dos executivos inquiridos confessa uma maior dificuldade em gerir empregados, ao mesmo tempo que se preocupa com uma possível diminuição da produtividade devido a distracções em casa, bem como com a menor interacção humana existente. Todavia, e embora estas preocupações sejam certamente válidas, a verdade é que parecem reflectir mais o estado actual do trabalho (para os que continuam a fazê-lo a partir de casa) do que a realidade pós-Covid. Ou seja, as estimativas apontam para que à medida que os empregados voltem a passar uma maior percentagem do seu tempo no escritório, é provável que o equilíbrio certo que funcione para ambas as partes seja encontrado.

Controlo e flexibilidade no centro do modelo híbrido

No mesmo inquérito da WeWork, ficou demonstrado que a esmagadora maioria dos trabalhadores (95%) deseja algum nível de controlo sobre como, onde, e quando trabalha. Embora este desejo de controlo não seja novidade, a forma como a pandemia alterou os comportamentos e as rotinas laborais é certamente única. E importa sublinhar igualmente que também as empresas foram forçadas a aceitar a mudança repentina para o trabalho remoto, mesmo que estivessem completamente às escuras quanto às consequências que daí adviriam. Todavia, e um ano mais tarde, a verdade é que a maioria está positivamente surpreendida com os resultados alcançados.

Constituindo mais um exemplo, uma pesquisa recente efectuada pela PwC revelou que 83% dos empregadores afirmam agora que a mudança para o trabalho à distância foi bem-sucedida para a sua empresa (contra 73% em Junho de 2020). E, no inquérito da WeWork, quase todos os executivos inquiridos(96%) dizem estar dispostos a dar aos seus trabalhadores algum nível de controlo, depois de terem observado os benefícios do trabalho à distância durante a pandemia.

Os inquiridos foram também questionados sobre a divisão do tempo de trabalho dos empregados entre os escritórios da empresa e o trabalho remoto após a Covid-19. Quase dois terços (65%) dos empregados dizem querer que o seu empregador lhes permita dividir o seu tempo entre diferentes locais e, uma percentagem ainda maior dos executivos respondentes (79%), afirma estar a planear deixar que os seus trabalhadores dividam o seu tempo de trabalho desta forma. Com base nestes resultados, é possível inferir que os empregados não têm nada a temer quando se trata de perder a liberdade e a flexibilidade que aprenderam a apreciar durante a pandemia, a qual, e como sabemos agora, é benéfica tanto para os trabalhadores como para as empresas.

A verdade é que um dos resultados mais surpreendentes deste inquérito prende-se com o facto de os empregados desejarem tanto a continuação desta flexibilidade que estariam dispostos a abdicar de alguns dos benefícios e vantagens mais relevantes que recebem do seu empregador. De facto, 75% abdicariam de pelo menos um benefício ou regalia, incluindo a cobertura de cuidados de saúde, bónus em dinheiro, e até de períodos de férias, em troca da liberdade de escolher o seu ambiente de trabalho.

Uma análise mais atenta dos resultados revela que entre 20 a 25% dos empregados estariam dispostos a sacrificar um benefício ou regalia individual. Todavia, quando se considera que mais de 1 em cada 4 trabalhadores abdicaria de um bónus em dinheiro ou de um seguro de saúde – vantagens muito reais e tangíveis – em troca desta liberdade de escolha, torna-se evidente o quão significativo é o valor que os trabalhadores dão à possibilidade de terem flexibilidade no que respeita ao como e onde trabalham.

Se tomarmos em linha de conta todos estes resultados, parecem não existir dúvidas que o modelo de trabalho híbrido poderá ser o caminho a trilhar para um número significativo de empresas. E, com benefícios para ambas as partes, cabe a estas últimas prepará-lo, oferecendo os espaços, as ferramentas e os recursos adequados para ajudar os trabalhadores a serem bem-sucedidos nesta nova trajectória laboral.

Editora Executiva