Como utilizar as férias de modo a que elas não nos valham uma doença contagiosa? A primeira ideia a ter presente é a de que não há fórmulas mágicas que evitem contágios. Há somente atos que mitigam o risco. Falta conhecer muitíssimo da epidemiologia do SARS-CoV-2 e da doença a ele associado para que se possa dar conselhos seguros. Algumas coisas são, porém, seguras: sem pessoas por perto para contagiar, a probabilidade de contágio decai abruptamente porque a transmissão por superfície é baixa ou muito baixa conforme os materiais. Depois podemos e devemos ter outros cuidados, sem contudo transformar as férias numa permanente ansiedade. Saiba quais
POR HENRIQUE LOPES

Se há coisa que a pandemia de COVID-19 trouxe, foi a obrigação de recriar tudo o que fazemos. Um microscópico vírus conseguiu encostar às cordas toda uma estrutura social, económica, e interfere nos mais ínfimos pormenores da nossa vida. Modificou a forma como nos relacionamos no trabalho, com a família, as regras de higiene nos espaços públicos e privados, as vezes que lavamos as mãos. Tudo mudou e para mudar obrigou a repensar o que fazíamos de forma automática tornando cada ato num momento pensado, eventualmente indicado por terceiros.

Nesse processo de repensar tudo e alterar tudo chega o momento das férias para muitos. Poderemos ir de férias como antes? Há sinais que nos indicam imediatamente a impossibilidade: não poderemos possivelmente deslocarmo-nos onde gostaríamos, se o fizermos pode-nos ser exigido teste clínico, e/ou quarentenas que por si só esgotam o tempo de férias.

Há depois a dimensão psicológica do usufruto das férias: se vou estou seguro? As férias vão-me custar uma doença a mim ou trago-a aos meus? Mesmo que contraia uma situação ligeira posso vir a contagiar de morte algum familiar mais frágil? Pensamentos bastantes para arruinar qualquer boa intenção de veraneio.

Obriga-nos por isso também aqui a um momento de pausa e reflexão. O que significa ir de férias neste momento e contexto? Mais um ato automático, tantas vezes emocional, transformado em decisão racional.

Uma coisa é certa: o vírus desconhece o que são férias. Deveremos então pensar o que são férias e o que elas nos proporcionam num contexto tão especial quanto o presente.

O tempo de pausa representado pelas férias é um momento de recuperação do esforço de um ano de trabalho. A transformação da Sociedade e economia ao longo dos últimos 150 anos transformou o trabalho de uma essência agrícola e industrial num mundo de Serviços. Por isso o nosso cansaço, ao contrário do passado em que o corpo estava exausto fisicamente é, as mais das vezes, algo intelectual e, acima de tudo, desgaste emocional. Esta modificação tem nas férias um impacte tremendo. A nossa recuperação desse tipo de desgaste não é linear, por outras palavras não descansamos o dobro se pararmos o dobro do tempo.

A recuperação de cansaço cognitivo-emocional é muito próxima de uma função exponencial, ou seja, recuperamos muito mais nos primeiros 5 a 7 dias do que no período homólogo seguinte e ainda menos no que se lhe segue. Portanto, com ou sem COVID-19 a utilização máxima da recuperação em termos de saúde para quem tem trabalhos de chefia, intelectuais, comerciais e afins, no limite é máximo se for gozado em períodos próximos de uma semana distribuídos ao longo do ano. Numa outra perspetiva, mesmo que repartidos, como utilizar as férias de modo a que elas não nos valham uma doença contagiosa?

A primeira ideia a ter presente é a de que não há fórmulas mágicas que evitem contágios. Há somente atos que mitigam o risco. Falta conhecer muitíssimo da epidemiologia do SARS-CoV-2 e da doença a ele associado para que se possa dar conselhos seguros. Algumas coisas são, porém, seguras: sem pessoas por perto para contagiar, a probabilidade de contágio decai abruptamente porque a transmissão por superfície é baixa ou muito baixa conforme os materiais.

A consequência é a de que se devem escolher locais de férias com baixa densidade de pessoas e evitar cirandar por múltiplos locais. Cada pessoa e cada local têm um risco associado, quando se está próximo de mais gente e se passa por mais locais soma-se risco e se ele for muito elevado pode transformar-se uma probabilidade num facto. Em conclusão, deve-se escolher locais de baixa densidade populacional e sem grandes deslocações físicas em torno desse ponto.

Portugal é riquíssimo em soluções destas. Todo o nosso interior proporciona locais lindíssimos, comida ao nível do melhor que há internacionalmente. Podemos (devemos) ainda associar ao momento das férias recuperar o corpo e a alma. Para o corpo, porque não fazer passeios na montanha? Nada de exageros de esforço físico súbito e imediato ao sedentarismo, mas o passeio suave, em família, pelas serras. Aproveitar para conversar com quem gostamos.

Fazer férias é também um momento de sarar feridas relacionais, de se ficar bem consigo próprio e com os que nos dizem algo especial, e se há coisa que a nossa Sociedade nos priva de forma terrível com enormes consequências para a nossa saúde, é a de termos tempo para nós próprios e para os que nos rodeiam.

Parar pode até ser difícil para quem leva vidas aceleradas. Por isso, mais do que períodos de férias muito longos, devem ser períodos de férias muito bons, o que não significa despesa elevada. Refiro-me a sermos capazes de estar connosco próprios, desfrutar do silêncio e da reflexão que só ele permite, sermos capazes de estar ao serviço dos que gostamos. Por vezes pequenos gestos fazem a diferença porque cuidar é gostar e todos gostam que se goste de nós.

Nesta sociedade que tanto nos priva de sermos quem somos, as férias de qualidade são o momento de ler o livro que se adia, de descobrir a música que nunca experimentámos, de dormir o que falta todos os dias. Acima de tudo “férias” deve significar recuperar e não fazer noutro local o que se faz o resto do ano.

Depois podemos e devemos ter cuidados, sem contudo transformar as férias numa permanente ansiedade: usar corretamente a máscara que vai reduzir o risco de contágio associado a cada pessoa entre 40 e 65%, manter a distância física “do outro” de cerca de 2 metros, o que reduz 10 a 20%, higienizarmo-nos, em particular as mãos, o que também reduz de 10 a 20%. Não se pode somar as percentagens porque o cálculo é feito com recurso a equações diferenciais. Por isso cada novo termo tende para os 100%, mas nunca lá chegará. O que importa é ter presente que é possível reduzir drasticamente o risco de contágio por COVID-19 com medidas muito simples e descontraídas.

Vão de férias, mas que sejam férias de qualidade, de recuperação. Férias inteligentes.

Co-coordenador da Task Force on War para a guerra da Ucrânia da Associação Europeia de Escolas de Saúde Pública. Coordenador da Educação para a saúde do Comité Mundial de Educação ao longo da vida. Perito UNESCO para a Educação para a Saúde. Professor e investigador sénior de Saúde Pública na Universidade Católica Portuguesa.