A pressão para “pensar positivo” e para estarmos obrigatoriamente felizes, muito presente na nossa sociedade, é perniciosa porque leva a sentimentos de culpa e de repressão emocional. A cultura da positividade tóxica tem um efeito particularmente negativo nas pessoas que estão a sofrer por algum motivo, seja ele qual for, ao mesmo tempo que afecta comunidades marginalizadas, uma vez que sustenta sistemas opressivos. De acordo com a psicoterapeuta Whitney Goodman, é necessário parar de a forçar e, em vez disso, começar a reconhecer que a negatividade ocasional é uma parte inevitável da experiência humana
POR HELENA OLIVEIRA

Imagine que perde o emprego e que liga a um amigo com quem deseje desabafar. E o seu amigo diz-lhe de imediato algo do género: “Deixa lá, podia ser pior. Agora ficas com mais tempo para te dedicares a outra coisa. Pensa nisso como uma experiência de aprendizagem. Tens de ver o lado positivo”.

Será que passou a sentir-se melhor? Acreditamos que não. 

A resposta do seu amigo é um clássico da positividade tóxica, uma espécie de obrigatoriedade sociocultural seguida por muitos que tentam convencer os demais – e talvez a si mesmos – que a positividade constante é a melhor forma para responder às agruras da vida. Provavelmente estará o leitor a pensar que esta premissa está correcta, que se identifica com esta ideia e que todas as pessoas, e para o seu bem, a deviam seguir. E, à partida, parecem não existir argumentos que contradigam esta forma de pensar e agir. 

Também é verdade que os defensores da positividade – e em qualquer que seja a circunstância negativa em causa – têm as melhores das intenções. Não é isso que está em causa. Mas a verdade é que esta reacção do “há coisas piores na vida”, e para os que se sentem infelizes ou desesperados gerará, na maioria dos casos, sentimentos de incompreensão e de distanciamento relativamente à pessoa que “está do outro lado”. Ou seja, a positividade tóxica tende a gerar este tipo de sentimentos. Afinal, é por isso que é apelidada de “tóxica”. 

Adicionalmente, e mesmo vivendo, ou exactamente por causa disso, no estranho mundo em que nos movemos e no qual as boas notícias escasseiam, somos constantemente pressionados para sermos positivos. Seja através dos conselhos intermináveis para se ver o lado bom das coisas (mesmo que ele não exista), das citações e memes optimistas que inundam a Internet, dos livros de auto-ajuda que têm como principal objectivo expulsar sentimentos negativos e que “ensinam a ser feliz” ou das nossas relações sociais que nos brindam com um “deixa lá isso” quando nos dói a alma. 

Silenciar a negatividade não é saudável nem eficaz

Como afirma a conceituada psicoterapeuta (e estrela do Instagram com a conta @sitwithwhit) Whitney Goodman, estamos habituados a que nos digam constantemente que a chave para a felicidade é silenciar a negatividade onde quer que ela surja, em nós e nos outros. “Mesmo quando confrontados com doenças, perdas, separações e outros desafios, há pouco espaço para falar sobre os nossos verdadeiros sentimentos e processá-los para que nos possamos sentir melhor e seguir em frente”, escreve.

Goodman é a autora do livro “Toxic Positivity: Keeping It Real in a World Obsessed with Being Happy” cuja temática principal assenta numa afirmação não isenta de descrença ou dúvida. “Os chavões positivos e a busca da felicidade estão a ser utilizados como ferramentas para manter as pessoas submissas e caladas”, afirma, quando “ficar zangado e expressar insatisfação é muitas vezes uma das formas mais eficazes de criar mudanças em nós mesmos e na sociedade”.

Goodman chama a isto a “política da felicidade” e explora também no seu livro a forma como a mesma impede as conversas não só sobre a desigualdade racial, mas também sobre a imagem corporal, o tratamento das pessoas com deficiência ou com doenças crónicas, entre muitíssimos outros exemplos. 

Goodman afirma ainda que a positividade tóxica – que defende que reclamar é perigoso e que sentir-se negativo em relação a qualquer coisa – incluindo dificuldades genuínas, perdas e discriminação – apenas convida a mais coisas más. E usa um exemplo muito actual. Como escreve, “não conheço ninguém que não se tenha sentido pressionado a procurar uma espécie de “lado positivo” [the bright side of life] durante uma crise de saúde global, para além da incerteza financeira, das múltiplas crises relacionadas com as alterações climáticas, para além da agitação racial, social e política”. Mas será mesmo que este comportamento positivo está assim tão errado?

A autora, que é uma conceituada terapeuta nas áreas do matrimónio e família afirma que quando tinha vinte e poucos anos se sentiu cansada de fingir que estava sempre feliz. Mas mais importante que isso é o facto de que, desde então e com o aumentar da sua experiência enquanto terapeuta, depressa descobriu que, em situações difíceis, dizer aos seus pacientes para se concentrarem em pensamentos e emoções positivas era totalmente ineficaz. E foi aí que a sua cruzada contra esta positividade obrigatória teve início e particularmente assente na seguinte questão: porque é que não podemos ser simplesmente honestos sobre como nos estamos a sentir? 

De acordo com Goodman, as pesquisas em domínios variados que fez sobre esta pressão – apesar do fenómeno não ser de todo novo – mostram que “algures em algum momento foi construída a ideia de que o correcto é ser uma ‘pessoa positiva’ “, o que a seu ver a transforma num “robot” com qualquer postura contrária a ser interpretada como “um falhanço pessoal”. 

Na verdade, há que distinguir entre a positividade saudável e a positividade tóxica. Como explica, “o âmago da positividade tóxica é o facto de ser desdenhosa e de encerrar a conversa. Diz efectivamente: ‘Não, esse sentimento que estás a sentir é errado – e eis várias razões pelas quais deves ser feliz!”. Na verdade, basta a todos nós pensarmos um bocadinho no sentimento de vergonha ou remorso que sentimos quando nos estamos a queixar de algum problema pessoal ou profissional, por exemplo, e nos lembramos de que existem milhares de milhões de pessoas no mundo que estão a morrer de fome, que não têm recursos para alimentar os seus filhos ou enviá-los para a escola, que estão em cenário de guerra, que têm uma doença incurável ou que são vítimas de circunstâncias verdadeiramente aterradoras. É certo também o argumento repetido até à exaustão de que “há sempre alguém que está pior do que nós”, algo que não é reconfortante para ninguém.

Todavia, existe também a positividade saudável, a qual dá espaço tanto à realidade como à esperança. “Sim, perder o emprego é horrível, mas havemos de pensar numa forma de resolver o problema e eu estou aqui para te ajudar”, seria um bom exemplo de uma resposta deste tipo de positividade que, não negando o problema, tenta arranjar forma de incutir força e fé na pessoa que o acabou de expressar. 

Uma pressão cultural e social que não é nova

É importante clarificar que Goodman não é a primeira pessoa a criticar a ideia de que é obrigatório mostrarmos que somos felizes e optimistas. Foram e são muitos os académicos e investigadores que já criticaram a busca da felicidade e da positividade constante, defendendo o quão prejudiciais essas atitudes podem ser, tanto para indivíduos quanto para comunidades marginalizadas. Por exemplo, e no que diz respeito aos imigrantes, espera-se sempre que estes estejam gratos, sendo desencorajados a queixarem-se. Se os imigrantes não estão contentes, a sociedade diz-lhes que devem “voltar para a sua terra”. Neste caso, e em muitos outros, afirma Goodman, a positividade está a ser usada para “manter a paz”. E quando olhamos mais de perto, vemos que, na verdade, está a sustentar estruturas opressivas e a desencorajar a mudança. Ou seja, pessoas com sentimentos e problemas legítimos estão a ser silenciadas.

Este fenómeno já fazia soar alarmes no século XIX, em particular por parte do filósofo e psicólogo americano William James, pioneiro na oferta de um curso de psicologia nos Estados Unidos, Por outro lado, estamos igualmente rodeados por uma “indústria da felicidade” (tal como o VER já escreveu), a qual sofre um boom em particular em tempos de recessão. 

O autor do livro “The Happiness Industry: How Governments and Big Business Manipulate Your Moods For Profit”, do sociólogo e economista político britânico William Davies, diz claramente que o aumento das técnicas de “auto-ajuda” durante períodos de recessão não é propriamente um fenómeno novo. Por exemplo, foi exactamente a partir dos anos de 1930 que a indústria dos livros de auto-ajuda iniciou o seu boom. E, em particular nos últimos anos, é também crescente o fervilhar desta “indústria que promete a felicidade”, embrulhada na denominada “psicologia positivista”, com cursos e workshops a ela associados, já para não falar de técnicas que prometem aumentar a “resiliência da mente”, em conjunto com o fértil mercado do coaching e do mindfulness, que oferece uma panóplia de serviços holísticos e integrais que prometem a promoção do equilíbrio físico, emociona e mental e… a felicidade.

Godman alerta ainda para o facto o de que “a pressão para “pensar positivo” é prejudicial porque leva a sentimentos de culpa e repressão emocional. “A cultura da positividade tóxica tem um efeito particularmente negativo nas comunidades marginalizadas, uma vez que sustenta sistemas opressivos. Precisamos de parar de a forçar e, em vez disso, começar a reconhecer que a negatividade ocasional é uma parte inevitável da experiência humana”. 

Quando a positividade é imposta às pessoas, elas ficam muitas vezes presas naquilo a que Goodman chama uma “espiral de vergonha”. Basicamente, sentimo-nos tristes e dizem-nos para “vermos o lado positivo”, ou algo do género e o resultado é que nos sentimos culpados por nos sentirmos tristes.

Par a autora, é altura de levarmos o problema a sério. Temos de reconhecer que a insistência em sermos positivos pode ser prejudicial numa miríade de formas, particularmente para pessoas vulneráveis, afirma. Por outras palavras, “é altura de parar de dizer às pessoas para verem o lado positivo”, sublinha, acrescentando que “se calhar não há lado positivo! Ou talvez a pessoa que sofre de uma doença crónica não esteja com disposição para este tipo de clichés,”. 

E como se lida com esta pressão? Há que “sentir os sentimentos”

Depois dos vários argumentos já mencionados que nos esclarecem até que ponto a positividade pode ser tóxica, são pelo menos duas as questões que se impõem: qual é a alternativa e como é que lidamos com as emoções negativas?

Ouvir atentamente quem partilha um problema connosco e reconhecer que essa situação é difícil é um bom ponto de partida. Mas e de acordo com Goodman, apoiar os outros assenta em quatro ingredientes essenciais – curiosidade, compreensão, validação e empatia. Todas estas qualidades são óptimas. Mas o que é que elas significam em termos práticos? 

Goodman respode. “Comece por mostrar curiosidade e interesse. Ouça activamente e faça perguntas abertas, como “’podes/queres falar mais sobre isso?”. Lembre-se que os sinais não-verbais, como acenar com a cabeça e o contacto visual, também são importantes”. Ou seja, a ideia é que o seu amigo sinta que tem toda a sua atenção e que, enquanto o ouve, está genuinamente a perceber porque é que ele se sente assim. Esta compreensão permitirá validar a experiência do outro, o que não significa necessariamente concordar com ela, mas apenas fazer-lhe saber que percebe a sua reacção e sentimentos, bem como os motivos que o levam a reagir desta forma. Depois de fazer tudo isto – mostrar curiosidade, compreender e validar os sentimentos do seu amigo – é gerada uma importante empatia. O objectivo é transmitir uma perspectiva mais compassiva para que o seu amigo se sinta genuinamente apoiado, sendo esta a alternativa à positividade tóxica.

E o que fazer quando somos nós a sentirmo-nos culpados por não embarcarmos numa atitude positiva e optimista? Podemos saber o que fazer em relação aos outros, mas e quando lidamos com os nossos problemas ou com as nossas dificuldades emocionais?

Na medida em que somos humanos, é frequente sentirmos emoções negativas ao longo da nossa vida. E tentar evitá-las ou suprimi-las não funciona de todo. Em vez disso, aconselha a autora, o importante é sentir essa emoção ou, como responde aos seus pacientes, “sinta os seus sentimentos”. Basicamente, a ideia é permitir à pessoa viver as emoções negativas plenamente, do princípio ao fim, reconhecê-las e identificar o que realmente sente. É stress? Ansiedade? Tristeza? Desespero? Seja o que for, não vale a pena fugir. 

Outra competência que pode ser trabalhada é a denominada “aceitação radical”. De acordo com Goodman, a aceitação radical é o antídoto para a positividade tóxica. Basicamente, envolve aceitar a situação actual tal como ela é – e reconhecer que não a pode mudar. A verdade é que quando praticamos a aceitação radical e “sentimos os nossos sentimentos”, estamos a aceitar a realidade e a recusar a sua negação. E um bom princípio é desistir da busca desenfreada da felicidade e concentrar-se em alguma coisa mais realista e com menos probabilidades de resultar em desilusão.  

Em vez de vivermos uma vida orientada para a felicidade, Goodman sugere que devemos procurar viver uma vida orientada para os valores. Decidir o que é importante para cada um de nós e viver de acordo com os nossos valores pessoais, sejam eles quais forem. As pessoas que têm valores sólidos podem julgar uma situação de acordo com os seus próprios padrões. Não têm de confiar num optimismo “one size fits all” e acabam por ter uma vida mais preenchida. 

Se é fácil? Não, não é. Mas vale a pena tentar.

Editora Executiva