Depois do choque inicial e apesar de não existirem respostas para o que nos reserva o futuro próximo, as empresas terão de prosseguir as suas actividades com a certeza de que flexibilidade e adaptabilidade não são opções, mas críticas necessidades. E como ficar de braços cruzados não é solução, é tempo de seguir um conjunto de orientações que ajudem a gerir trabalhadores, clientes e parceiros, operações financeiras e relações com a comunidade
POR HELENA OLIVEIRA

O que vamos fazer agora? Esta é a pergunta que todas as empresas, governos, famílias e indivíduos estão a colocar a si mesmos numa altura em que a disseminação da Covid-19 não da tréguas. A resposta começa por uma noção tão óbvia quanto complexa: manter a calma, a qual, em qualquer tempestade ou crise, é acompanhada por uma “familiar” próxima, a paciência. Mas e depois? Como devemos agir para nos protegermos, para preparar o futuro, para não deixarmos que a vida suspensa suspenda igualmente a nossa esperança? Por muito que estejamos inundados em informação, neste momento não existe nenhuma resposta clara a estas dúvidas.

Todavia, ficar de braços cruzados também não pode ser a solução. E foi por esse motivo que o Institute for Business Value da IBM decidiu publicar um guia, dividido em quatro partes – empregados, clientes e parceiros, operações financeiras e comunidade – concebido para ajudar os líderes empresariais e organizacionais, no geral, a (sobre)viver às actuais circunstâncias, orientando-os nos próximos tempos e até que novas lições sejam aprendidas e devidamente implementadas. O VER partilha as suas principais orientações.

Empregados: proteger o centro nevrálgico da organização

Sabendo-se que a força de trabalho de qualquer organização é o seu bem mais precioso, com a Covid-19 esta encontra-se em risco, tanto em termos físicos, como emocionais e de saúde financeira. E para os que podem continuar em teletrabalho, é preciso não esquecer que as circunstâncias são totalmente novas e que o trabalho remoto pode exacerbar outros problemas, como a solidão, o isolamento e o medo.

A maioria das organizações pôs já em prática as ferramentas básicas de apoio, salvaguarda e comunicação com os seus trabalhadores. Numa revisão muito breve dessas medidas, chamamos a atenção para a existência de uma equipa de liderança multifuncional que aborde e avalie os impactos da pandemia, tendo em conta os necessários ajustamentos para que os seus trabalhadores saibam com o que contar, seja em termos de medidas de protecção como financeiras; uma plataforma de comunicação multicanal que permita a colaboração e que inclua vídeo, partilha de documentos e mensagens instantâneas; um sistema de contingência para comunicações de emergência e um sistema de feedback para os empregados que permita avaliar a continuidade do negócio, áreas ainda não cobertas e que possa melhorar o planeamento de contingências no futuro.

Assim que estas necessidades imediatas forem cumpridas, o próximo nível de preocupação relativamente à força laboral será, como não poderia deixar de ser, o custo. Até agora, tem sido edificante observar que a maioria das empresas continua a pagar aos seus empregados – na verdade, apenas poucas semanas passaram, apesar de nos parecerem meses – mas todos temos noção de que será necessário um conjunto gigantesco de apoios e medidas por parte do Estado ou de outras instituições para que os salários não sejam cortados, para que não hajam despedimentos ou layoffs em massa e, no pior dos casos, para que as empresas não abram falência. [Para já, consulte este guia publicado pela DECO com respostas a algumas destas questões]

Mas e no entretanto, as organizações deverão escutar atentamente as dúvidas dos seus trabalhadores, oferecer apoio, permanecerem acessíveis e não dar qualquer motivo para que estes se sintam abandonados.

Por outro lado, e se os seus activos humanos não estiverem a ser utilizados na sua capacidade máxima, é possível, com alguma criatividade, pô-los a trabalhar em novas ideias para as quais, e antes de a crise emergir, não existia tempo para serem exploradas. As várias plataformas de crowdsourcing podem ser uma boa ajuda para esta função.

Adicionalmente e como também já percebemos, a mudança para o trabalho remoto será acelerada e muito provavelmente, trará consequências duradouras. Muitos trabalhadores estão a habituar-se a trabalhar com novas ferramentas e estas terão tendência a serem melhoradas e “afinadas” devido à sua importância e uso crescentes. Assim que a cortina imposta pela Covid-19 se comece a levantar, e as organizações começarem a colocar em curso os seus planos pós-crise, o trabalho remoto será, muito provavelmente, uma componente muito mais comum – face ao que é hoje – a várias indústrias em todo o globo. E a integração desta nova “capacidade” terá impacto no staff, nas TI, nos locais de trabalho físicos, na gestão do trabalho, bem como nas próprias expectativas da força de trabalho. As organizações que conseguirem optimizar os seus esforços de teletrabalho neste momento complexo irão melhorar o seu posicionamento competitivo e a sua eficiência operacional.

Claro que, e infelizmente, as oportunidades para o trabalho remoto não são aplicáveis a todos. Pesquisas recentes indicam que os indivíduos com rendimentos mais elevados têm maiores oportunidades de trabalhar a partir de casa e manter a produtividade ao longo de períodos extensos de tempo – o que irá contribuir para exacerbar ainda mais o fosso crescente entre ricos e pobres. A possibilidade de trabalhar a partir de casa varia significativamente de indústria para indústria, com mais de 60% dos trabalhadores das tecnológicas a indicar que o conseguem fazer perfeitamente, em conjunto com cerca de metade dos trabalhadores do sector dos serviços financeiros. Mas é claro que o mesmo não acontece em áreas com o retalho, os serviços públicos, o sector dos cuidados de saúde e muitos outros.

Algumas organizações poderão até aproveitar este momento como uma oportunidade de formação e teste à produtividade, em áreas tão distintas como a proficiência em dados ou a própria estratégia de negócio. De acordo com o mais recente estudo da IBM Global C-Suite, os negócios mais bem-sucedidos são aqueles que abraçam uma cultura com enfoque nos dados e esta crise pode ser uma oportunidade para os que estão mais atrasados nessa transição das suas empresas para a era da digitalização.

Clientes e parceiros

Todos sabemos que a principal moeda em qualquer que seja o relacionamento é a confiança. E, na medida em que esta nem sempre abunda, em tempo de pandemia o esforço feito pelas empresas para ganharem e manterem confiança será ainda maior, pois se as suas obrigações não forem cumpridas, a distância social em breve se transformará em distância empresarial. Por outro lado, tempos difíceis podem igualmente ser propícios a um cimentar dessa mesma confiança, a qual pode ser aprofundada e melhorada. A forma como as empresas operam em tempos conturbados oferece mensagens importantes sobre as suas verdadeiras intenções.

Tal como acontece com os empregados, uma grande parte das empresas tem já estabelecido um conjunto de políticas para apoiar e comunicar com os seus clientes e parceiros. Um breve resumo do que já devia estar feito: a comunicação da reconfiguração das suas actividades de negócio para que clientes e outros não estejam a receber informação fora do contexto ou desactualizada; informação clara sobre a limpeza e higienização das suas instalações e produtos, bem como qualquer alteração nas suas práticas habituais de negócio (locais, horários, prazos de entrega, etc.); uma estratégia de comunicação regular, que passe pelo CEO e por demais líderes e executivos, e que seja “individualizada” para os clientes e parceiros de maior valor; um mecanismo multicanal para aceder e responder a questões, incluindo a auscultação consistente aos media sociais e mecanismos de resposta apropriados.

A fase seguinte é avaliar a saúde financeira relativa tanto dos clientes como dos parceiros. Para relacionamentos business-to-business, é possível que surjam questões de liquidez. E, para muitos, as reservas em caixa não irão durar muito tempo, o que significa que os riscos de crédito irão aumentar.

Se a sua organização tem um balanço financeiro suficientemente forte, poderá estar em condições de aliviar a pressão aos que pertencem ao seu ecossistema; mas se está numa posição financeira conturbada, irá saber muito rapidamente com quem pode ou não contar. De qualquer das formas, os laços de confiança serão testados e a forma como se interagir terá implicações profundas para o futuro desses mesmos relacionamentos.

Adicionalmente, as empresas cujos produtos são mais necessários do que nunca confrontar-se-ão com um dilema moral e de negócio: a oportunidade de aumentar os preços como resultado de uma maior procura, mas sem esquecer os riscos de danos à sua imagem se o equilíbrio não for bem gerido.

Já os negócios que, pelo contrário, se confrontarem com menos procura, serão aqueles que, e obviamente, mais desafios enfrentarão. Mas até para estes poderão existir oportunidades. Equipas de gestão criativas poderão utilizar este período para explorar novas oportunidades de negócio, ou até mudar os seus próprios modelos de negócio, como temos já vindo a testemunhar.

Uma tendência de longo prazo que será acelerada pela crise é a expectativa e a procura de melhor experiência para os utilizadores no que respeita aos produtos digitais. O envolvimento com todas as espécies de produtos e serviços digitais terá de estar preparado para sofrer actualizações, acelerado pelas frustrações do distanciamento social, bem como os recursos remotos disponíveis para lhes dar resposta. As práticas de business-to-business que, até agora, resistiram teimosamente à digitalização serão as que mais irão sofrer. E os que oferecerem a opção de pagamentos digitais serão os beneficiários óbvios. Qualquer prática de transição para a digitalização dos negócios que seja feita agora terá compensações no futuro.

Finanças e operações: controlar o que é possível

As operações de uma organização estão repletas de interdependências. Tanto as alavancas da oferta e da procura, como os materiais e produtos suportam, em igual medida, as actividades de negócio. Mas em tempos difíceis essas “alavancas” deixarão de estar em sintonia. Com a economia global sob pressão e os mercados financeiros atingidos por ventos desfavoráveis, muito ficará fora de controlo. Previsões, expectativas e planos para o futuro tornar-se-ão muito provavelmente irrelevantes ou, na pior das hipóteses, verdadeiramente perigosos. Para os líderes que estão habituados a tomar decisões rápidas e a utilizar as suas forças para provocar o maior dos impactos, a impotência endémica associada à crise poderá ser completamente desmoralizadora, paralisadora e até humilhante. Todavia e como sabemos, não existe melhor altura para demonstrar a importância da liderança, identificando e concentrando-se no que se sabe e no que pode controlar, e agir de acordo com estas premissas.

É também nestes casos que a agilidade e a adaptabilidade se mostram centrais e críticas. Tanto para os indivíduos como para as organizações, é importante desenvolver-se a resiliência ao desapontamento, manter o optimismo mesmo com os desafios crescentes e observar, com “nervos de aço”, a realidade, de forma a equilibrar-se, de forma apropriada, a oportunidade ao mesmo tempo que se evitam os riscos. Existem três áreas por excelência a ter em atenção: as cadeias de forncimento, as linhas de produção e os canais de distribuição, todas elas dependentes entre si, interdependentes de outras e da economia no geral.

E a maioria das empresas deverá já ter posto em prática um conjunto diversificado de políticas para apoiar estas operações cruciais. Uma “torre de controlo” para a gestão de crise que reúna os líderes principais no sentido de estes assegurarem um único ponto de resposta e informação partilhada com toda a organização; plataformas digitais robustas, optimizadas para picos de volume com uma gestão de encomendas fiável; um sistema contínuo de avaliação de inventários e cadeias de fornecimento; uma exploração contínua de modelos de pessoal e de alavancagem de forças de trabalho variáveis, novos recursos digitais e oportunidades de automação/IA; uma avaliação clara de perdas e lucros e implicações para os resultados, em conjunto com planos de curto e médio prazo para abordar qualquer eventual exposição ao risco.

As prioridades de curto prazo continuarão a ser centrais è medida que as condições evoluam e que os negócios precisem de mudanças para atravessar os caminhos mais duros até à recuperação. E as cadeias de fornecimento constituem um ponto de partida óbvio. Os impactos da quarentena na China logo no início de 2020 provocaram um interesse crescente na diversificação geográfica das cadeias de fornecimento. Algumas empresas europeias estão a substituir o transporte marítimo pelo transporte ferroviário da China, reduzindo o tempo para metade. E talvez a opção mais resiliente de todas seja o estabelecimento de parcerias com os demais agentes da cadeia de fornecimento para estabelecer um sistema coordenado de apoio à crise. Neste tipo de situações, é provável que os parceiros vençam ou percam em conjunto e a partilha de informações e ideias neste clima assume-se como extremamente valioso.

Todas as empresas deverão aproveitar esta situação para “virtualizar” as suas operações com tecnologias digitais tanto quanto possível. As organizações que optarem por esta abordagem com urgência e a curto prazo poderão ganhar uma vantagem sustentável para o futuro. E os executivos deverão considerar a mudança permanente dos fluxos de trabalho, para que este chegue às pessoas onde quer que elas estejam.

Outras etapas intermédias giram em torno da reavaliação de inventários. Algumas indústrias (petróleo, minério de ferro, aço) já optaram por os começar a acumular, enquanto esperam que a procura – e os preços – recuperem. Esta situação está a levar igualmente a um aumento da utilização de armazéns. Entretanto, os projectos de construção estão a ser suspensos, acelerando a quebra da procura.

Com a paralisação de algumas indústrias, existirá capacidade que poderá ser alocada a novas utilizações. O que antes estava apenas confinado a um negócio, pode agora ser multifacetado. Na China, por exemplo (e também em Portugal), algumas fabricantes de automóveis passaram a produzir máscaras cirúrgicas. É claro que, em parte, tal constitui um reflexo da necessidade crescente de máscaras, mas a verdade é que é também um bom exemplo de gestores e líderes criativos que conseguem abraçar novas oportunidades, e rapidamente.

A comunidade e o apoio aos stakeholders

Nenhuma organização pode – ou deve – manter-se afastada da sua comunidade, especialmente numa altura em que todos devemos agir em conjunto face a uma ameaça comum. E a maioria das organizações está verdadeiramente envolvida com as comunidades nas quais opera desde o surgimento da pandemia.

Particularmente em alturas como a que estamos a viver, o imperativo para servir a sociedade deverá estar à frente de qualquer auto-interesse. E mesmo que as empresas estejam a passar por dificuldades financeiras, deverão incluir, nos seus planos de contingência, medidas de apoio à comunidade. Algo que tem sido extremamente claro em muitos países é o facto de que esperar pelo governo para que este forneça as soluções necessárias não é sempre realista ou prático. E se as entidades mais bem posicionadas para prestar auxílio e serviços forem as empresas, então são elas que devem dar o passo em frente e agir. Este tem sido o padrão em disrupções passadas, geralmente quando ocorrem desastres naturais, mas nunca, como agora, foi tão importante ter políticas e práticas empresariais integradas e coordenadas para fazer face a este inimigo comum.

No longo prazo, o envolvimento no apoio à comunidade será do interesse da própria organização. Exibir traços de liderança eficaz e solidária servirá para aumentar o respeito e admiração pelas empresas que o fizerem.

A sociedade que irá emergir depois da Covid-19 estar controlada terá parecenças com a que existiu antes, mas será diferente. A lealdade às marcas será ainda mais crucial e novos hábitos ter-se-ão, entretanto, enraizado. Se os que perderem os seus empregos não receberem nenhum tipo de ajuda ou tolerância relativamente às contas que têm de pagar, existirão ainda menos oportunidades para dar a volta à crise, o que irá limitar o ritmo da recuperação. A propensão para o trabalho remoto será muito mais prevalecente e os sistemas para fazer essa gestão sofrerão, por necessidade, uma enorme evolução. Por outro lado, se a distância social ou o confinamento doméstico se mantiver – como se perspectiva – os cuidados de saúde remotos receberão, igualmente, um ímpeto renovado.

Por fim, a confiança generalizada na educação online estará entre os maiores impactos societais provenientes desta crise. De acordo com a UNESCO, o número de crianças, jovens e adultos em todo o mundo que não estão a ter aulas presenciais devido à Covid-19 ascende a centenas de milhões. As mesmas aplicações que estão a suportar o trabalho remoto, como a Zoom, a Webx ou a Microsoft Teams estão igualmente a ser utilizadas por professores e estudantes. Um exemplo de sucesso é a DingTalk, uma ferramenta de aprendizagem online desenvolvida pelo Alibaba Group que está a ser usada na China por cerca de 140 mil escolas, servindo 120 milhões de estudantes, em mais de 30 regiões, e com o apoio de 3,5 milhões de professores.

As lições que irão perdurar

Enquanto o mundo sustém a respiração, à espera do dia em que a Covid-19 não seja tão virulenta e descontrolada e que a combinação da ciência, das empresas e dos governos tenha conseguido mitigar o seu impacto, o cidadão comum continua a questionar-se se apanhará o vírus silencioso, se a sua família e amigos estarão a salvo ou o que acontecerá caso o azar lhe bata à porta. A urgência de respostas a estas questões torna-se maior à medida que os números de infectados sobem, que as mortes aumentam e que a incerteza se instala de forma crescentemente enraizada. Como sabemos, os impactos desta pandemia estão a causar o caos e a devastação a nível social e económico, e com custos humanos pesados.

Mas devemos manter a esperança que um dia a Covid-19 não seja mais grave do que uma gripe sazonal e que tenhamos na altura a capacidade de saber lidar com ela. E, nessa altura, o que será realmente importante terá sido a forma como ultrapassámos esta crise e que lições nos ficarão dela. As últimas décadas foram caracterizadas por mudanças céleres, com muitas pessoas e organizações a esforçarem-se para a elas se adaptarem. Hoje temos a certeza que a flexibilidade e a adaptabilidade não são opções, mas necessidades. E aqueles que souberem usar esta crise para se adaptarem, emergirão dela, e muito provavelmente, mais fortes.

Editora Executiva