(…) O melhor é ficar por aqui, pegar no que resta da nossa sanidade mental e ir pescar, desaparecer, física ou mentalmente, e não ser visto durante um par de dias ou semanas. Pode ser que se encontre alguma sereia e se possa ‘sushializar’, criando uma nova geração de contribuintes já preparados para serem taxados ao abrigo do novo regime contributivo para a economia do marPOR NUNO GASPAR OLIVEIRA


Nos bons velhos tempos dos negócios unipessoais em pequenas cidades de província (como os tempos mudam…), os proprietários davam-se ao luxo de, quando a coisa estava muito parada ou lhes apetecia ir arejar, fechar a porta por um dia (ou dois, ou três…) colocar um cartaz a dizer simplesmente “volto em breve” ou então, a fabulosa indicação de “fui pescar”. Nem sempre iam mesmo, mesmo pescar mas, para todos os efeitos, é como se fossem, iam espairecer, tratar de qualquer assunto pessoal ou, simplesmente, abandonar a realidade por umas horas, quiçá mais.

Hoje a pesca é outra, a procura da alienação de uma vida que nem sempre faz (qualquer) sentido e a partida em busca de uma realidade alternativa nem sempre se dá com uma cana de pesca e um balde de isco nas mãos, rumo a uma escarpa solitária para lutar com sargos e robalos. Muita gente está cá mas não “está cá”. Vivem numa espécie de limbo absentista presencial. Depois de um período que parece infindável de austeridade depressiva e, segundo diz a boa gente do FMI e Comissão Europeia, desnecessária, abusiva, desumana, inconsequente e profundamente demagógica, muita gente ficou à deriva, sem porto de abrigo, fustigada por ventos de incerteza e marés de angústia. Mas nem a pescar uma pessoa está sossegada. Ao que parece agora além de taxas e contribuições extraordinárias e sustentavelmente solidárias e uma brutal dose de impostos directos, indirectos e mais ou menos explícitos, temos mais um dever para com a nação que mais parece uma daquelas casquinhas de noz sempre à beira de tombar do convés e mergulhar no abismo azul. Diz que temos que ter filhos, mais e em boas condições, de preferência. Diz que é preciso aumentar a natalidade, que somos poucos, que não vai haver quem pague a nossa reforma, que isto assim é uma desgraça e que filhos é alegria, muitos e sorridentes, com ou sem dentes, de crescimento rápido e viçoso tipo eucalipto.

Não interessa se os pais e avós daqueles a quem agora se implora que desatem a procriar foram esmagados, enganados e se sentem incapazes de ajudar mais os jovens descendentes, quer financeiramente, quer porque ainda tem mais 5 ou 6 anos de trabalho pela frente e não podem ajudar a tomar conta da criança.

Não interessa que a geração mais qualificada de sempre tenha sido apelidada de lamurienta e lhes tenha sido dito claramente “emigrem!” e se tenham exportado mais de 300 mil jovens ‘reprodutores’.

Não interessa que um casal com idades à volta dos 40 anos e com dois filhos e rendimentos mensais sofríveis tenha perdido violentamente parte do seu poder de compra e tenha que pagar IRS na casa das centenas ou milhares de euros, sendo incapaz de poupar. Não interessa que milhares de jovens a entrarem na casa dos 30 não tenham a mais pequena possibilidade (ou desejo….) de constituir família sem correrem o risco de ficarem endividados por 40 ou 50 anos, quando as perspectivas de emprego são débeis.

Não interessa. Estamos em perigo, o sistema precisa de vocês. Crescei e multiplicai-vos. Se fossemos peixes ao menos podíamos desovar uns 100 ou 200 de uma vez, e mesmo com uma taxa de sobrevivência na ordem dos 15-20% a coisa compunha-se em meia dúzia de anos. Mas não, logo por azar não só somos humanos como somos pessoas. Pior, cidadãos! E já estou a imaginar Barry White a tocar nas repartições da segurança social para o pessoal se inspirar enquanto aguarda horas na fila a ver se consegue manter a sua única fonte de rendimentos, ou a servirem as refeições nas cantinas universitárias com um pouco de extra malagueta para aquecer o sangue jovem, ou quiçá, a baixar o IVA dos motéis de beira de estrada e das ‘lojas de malandrices’. E, como coelhos (má analogia…), rapidamente encheríamos novamente o território de jovens e saltitantes crias.

O território todo? Não, há uma enorme faixa do país que resiste cada vez mais ao invasor, chama-se ‘interior’ e não é povoada por gauleses irredutíveis, mas sim, despovoada de creches, escolas, centros de saúde, hospitais, empresas e, cada vez mais, de gente com esperança. O que me parece realmente uma falta de visão dos ‘lamurientos’, com tanto município a dar 500€ ou até 1000€ por cada recém-nascido, o que cobre logo os custos dos primeiros 3 ou 4 anos de cuidados, não se percebe por que não há mais casais a migrar para o nordeste trasmontano, o baixo Guadiana ou o pinhal interior. Não se percebe. Se calhar, é porque não tem dinheiro para as portagens e a gasolina para lá chegar…

Então, o melhor é ficar por aqui, pegar no que resta da nossa sanidade mental e ir pescar, desaparecer, física ou mentalmente, e não ser visto durante um par de dias ou semanas. Pode ser que encontrem alguma sereia e possam ‘sushializar’, criando uma nova geração de contribuintes já preparados para serem taxados ao abrigo do novo regime contributivo para a economia do mar.

Que os ventos mudem e se renovem as marés, até breve.

Gone fishing!
Nuno Gaspar de Oliveira
(Pescador de sonhos)

Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence