De acordo com o Pew Research Center, o aumento exponencial de jovens que não trabalham nem aprendem é uma das principais consequências da crise económica mundial que deflagrou em 2008, mas que continua a afectar o planeta oito anos depois. Este fact tank faz um retrato dos “jovens apáticos” dos Estados Unidos e da Europa, apelando aos governantes para que tomem medidas que invertam esta tendência, independentemente das características e da condição deste segmento populacional ou da situação financeira de cada país
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MÁRIA POMBOOs jovens foram (e continuam a ser) um dos segmentos populacionais mais prejudicados com a crise económica e financeira, sentida a nível mundial. Se até há poucos anos um canudo na mão era uma espécie de garantia de emprego e algum sucesso profissional, hoje em dia são milhões os jovens da Europa e dos Estados Unidos que, com ou sem licenciatura, não estão nem a trabalhar nem a estudar. Esta é uma das principais conclusões de uma análise realizada pelo Pew Research Center (PRC) que, recorrendo a diversos documentos, faz um retrato da juventude, no auge e no rescaldo da crise, demonstrando que este grupo populacional não conseguiu ainda recuperar dos estragos causados pela mesma.

Estes jovens “apáticos” (ou desligados, como refere o fact tank especializado em demografia e investigação na área das ciências sociais dos Estados Unidos) são apelidados de NEET, uma sigla que deriva do inglês e significa “neither employed nor in education or training”. Em português, é mais comum recorrer-se à expressão geração “nem-nem” que, sem romantismos, revela tão-só uma geração perdida que nem trabalha nem aprende.

Apesar de algumas diferenças entre as estruturas de apoio e até de “categorização” entre a América e o Velho Continente – como o facto de na Europa ser muito mais vulgar a existência de estágios, ou também a questão de, neste mesmo continente, as estatísticas considerarem os jovens a partir dos 15 anos, e não dos 16, como acontece em terras do Tio Sam – o documento indica que a percentagem de jovens NEET nos Estados Unidos diminuiu ligeiramente entre 2013 e 2015 (passando de 11 milhões para perto de dez milhões, ou seja, de cerca de 18,5% para 17%), sendo que na Europa esta percentagem continua bastante elevada, quando comparada com o período que antecedeu a crise. A este respeito, e de acordo com o Eurostat, em 2014, havia 13,4 milhões (o equivalente a 15,4%) de jovens europeus entre os 15 e os 29 anos que não trabalhavam nem estudavam, não sendo apuradas diferenças consideráveis nesta “inactividade” desde 2010.

Tendo em conta a existência de uma grande percentagem de jovens “nem-nem”, a OCDE apresentou um paper onde faz um perfil deste segmento nos 34 países que a integram. De acordo com esta organização, os NEET são essencialmente jovens com baixos níveis de escolaridade, com parcas condições económicas (as quais ficaram ainda mais evidentes com a crise), que vivem em famílias monoparentais e que exigem alguns cuidados de saúde; no entanto, neste mesmo grupo encontram-se também (numa tendência crescente) muitos jovens licenciados que, após largos períodos de tempo, continuam em busca de uma oportunidade que teima em não aparecer.

No mesmo documento – e apesar de os dados reportarem a 2012, não existindo ainda sinais claros de inversão da tendência – a OCDE demonstrou que existem diferenças consideráveis entre os vários países: a Turquia e Israel, mas também o Chile, o México e Itália são as nações em que a percentagem de NEET é mais elevada; por seu turno, a percentagem de jovens gregos e espanhóis que não trabalham nem estudam foi a que mais disparou ao longo da crise; e, em contraciclo, encontram-se a Holanda e o Luxemburgo, que contam com o número mais reduzido de jovens inactivos e desempregados. Já Portugal encontra-se mais ou menos a “meio da tabela”, ocupando a 15ª posição entre os 34 países analisados. Apesar de alguns esforços e medidas “avulsas” para contrariar esta realidade, a verdade é que, na generalidade dos países em causa, o desemprego e a inactividade jovem continuam a merecer níveis elevados de preocupação. Mas da preocupação é imperativo que se passe, e com urgência, à acção. O que até agora tem sido um desafio sem vitórias.

NEET: os jovens inactivos, desempregados, “perdidos” e desinteressados

17032016_GeracaoExiste uma ligeira diferença entre jovens inactivos e jovens desempregados, a qual reside no facto de os primeiros terem, aparentemente, “desistido do mundo”, independentemente do agravamento das dificuldades económicas, enquanto os segundos permanecem nesta situação essencialmente (e ainda) devido à crise e à lenta recuperação da economia e, consequentemente, do emprego. Apesar de todos eles pertencerem à geração NEET, não exercendo nenhum tipo de actividade económica ou de “aprendizagem”, para todos os efeitos, os desempregados continuam em busca de uma oportunidade, esperando que este cenário possa, um dia, melhorar.

A respeito da discrepância verificada entre os países no que toca ao perfil dos NEET na Europa, a Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho) dividiu esta geração de jovens em quatro categorias, tendo em conta as características específicas de cada uma: na Áustria, Holanda, Reino Unido e Dinamarca, por exemplo, a taxa de NEET é reduzida, e os jovens são essencialmente inactivos, pouco qualificados, mas com alguma experiência profissional; por outro lado, em países como a Bulgária, a Hungria e a Eslováquia, a percentagem de NEET é elevada, imperando uma percentagem significativa de mulheres, inactivas e “desencorajadas”, na medida em que são altamente qualificadas, mas sem experiência profissional. Apresentando uma percentagem abaixo da média, na Bélgica, França, Luxemburgo e o Chipre, os jovens NEET apresentam qualificações medianas e também alguma experiência profissional; finalmente, no último grupo, que apresenta taxas elevadas de “nem-nem” e onde se incluem Portugal, Espanha, Irlanda e Lituânia, predominam os jovens do sexo masculino, desempregados, altamente qualificados e com alguma experiência, sentindo-se particularmente desencorajados a nível profissional.

De regresso à América, e recorrendo a uma análise do Social Science Research Council (SSRC), o Pew Research Center refere que as diferenças regionais (tendo em conta os seus 50 estados) não são tão acentuadas como na Europa, mas demonstrou que estes jovens “perdidos” existem em maior número na zona sul e oeste dos Estados Unidos. Ainda de acordo com o Pew, este grupo é composto por uma maior percentagem de mulheres (57%) do que de homens (43%), têm maioritariamente entre 25 e 29 anos, dois terços têm qualificações ao nível do ensino secundário ou menos e, fazendo jus ao mosaico multicultural que caracteriza a América do Norte, são oriundos de várias raças.

Nos Estados Unidos, e apesar dos seus níveis elevados de “progresso”, proliferam também baixos níveis de desenvolvimento humano em alguns segmentos populacionais (medidos do ponto de vista da saúde, da educação e dos rendimentos). Assim, a existência de números elevados de jovens “nem-nem” constitui um problema de graves contornos. As também altas taxas de pobreza e desemprego em idade adulta, os baixos níveis de sucesso escolar em idade adulta e os ainda elevados níveis de segregação racial e exclusão social são factores que influenciam igualmente a existência de jovens que não estudam nem trabalham.

Considerando que, a nível geral, é preocupantemente elevada a percentagem de pessoas que vive nesta situação dramática, diversos economistas – e outros especialistas de diferentes quadrantes – têm vindo a manifestar um alerta crescente, afirmando que o estado de inactividade e desemprego prejudica a sua total integração social e impede que a economia usufrua do potencial destes jovens, muitas vezes qualificados, e com valor inegável para a sociedade.

Para que os “nem-nem” se transformem em “e-também”

17032016_Geracao2Um dos efeitos da existência prolongada de um grande número de jovens “nem-nem” está relacionado com os custos que os próprios Estados têm (e terão) – em princípio – de assumir, tendo em conta que este segmento é consumidor, mas não é produtor, nem se auto-sustenta, não contribuindo para a sociedade. Segundo a análise da Eurofound, as perdas provocadas pela incapacidade de empregar os jovens, impedindo-os assim de ser produtivos, rondava na Europa, em 2008, os 120 mil milhões de euros (equivalentes a 1% do PIB europeu) e, em 2011, este valor ultrapassava já os 153 mil milhões de euros, uma consequência directa do aumento exponencial de jovens nesta situação.

A este respeito, e no mesmo paper acima enunciado, a OCDE revelou que há uma questão à qual é impossível ficar indiferente: qualquer jovem, por mais terrível que seja a sua situação económica e social, tem hoje em dia acesso a um conjunto de políticas e estratégias que visam a sua integração, quer através de programas educativos especiais, quer por via de um acompanhamento mais próximo.

No entanto, e de acordo com a Eurofound, não basta criar programas educativos, sendo importante continuar a procurar estratégias que, de facto, invertam esta situação, através da educação e não só. As consequências da apatia e desinteresse dos jovens verificam-se ao nível educativo (através, por exemplo, do abandono escolar), mas também do ponto de vista social e político, registando-se uma cada vez menor participação em actividades sociais e civis e um desinteresse generalizado por questões do foro político, o que, em última análise, poderá colocar em causa a própria democracia.

É para impedir que a sociedade fique, um dia, ao abandono (lembremo-nos que os jovens de hoje serão os governantes de amanhã), que diversos países estão já a tomar algumas medidas, tendo como base as características específicas dos “seus” NEET – na medida em que os modelos adoptados por uns, podem não ser os mais adequados para outros.

Prevenir o abandono escolar, promover a reintegração nas escolas, facilitar a transição entre a escola e o trabalho e aumentar o emprego jovem são algumas das principais medidas que estão a ser tomadas. Apesar de as dificuldades económicas serem ainda sentidas em larga escala, existe a ideia generalizada de que “não fazer nada” não é uma opção.

Os Estados Unidos estão igualmente a seguir a tendência de prevenir a apatia e o desinteresse dos jovens. Melhorar a qualidade do ensino pré-escolar, principalmente no seio das comunidades mais desfavorecidas, é uma das principais medidas, tendo em conta que, de acordo com o RRSC, tão importante como ensinar a ler e a escrever é conferir competências sociais e emocionais desde tenra idade, pois estas são consideradas essenciais para o sucesso ao longo de toda a vida. Promover um ambiente seguro e saudável, dentro e fora das escolas, é outra medida defendida, dando espaço e tempo às crianças e jovens para que estes denunciem algumas situações de risco que possam conhecer.

Relacionadas com a educação, estão também previstas medidas de acompanhamento aos jovens mais velhos, suscitando nestes a vontade de frequentar o ensino superior, e incentivando aqueles que abandonaram a escola a voltar à vida académica. Adicionalmente, e tal como acontece na Europa, promover o emprego jovem é uma outra medida que está a ser tomada. Desta forma, espera-se que estes jovens voltem a ter interesse pela vida e pelo mundo, tornando-se novamente activos.

Por fim, a Fundação que foi criada pela Europa para promover a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes sublinha que, apesar de a economia a nível mundial estar a recuperar da crise e existirem ainda enormes dificuldades, “agora é o momento ideal para agir, não só pelo futuro dos 14 milhões de jovens europeus [e dos 10 milhões que vivem nos Estados Unidos] que não trabalham nem aprendem, mas também pelo futuro de todos”.

Jornalista