É um bom exemplo do provérbio português “a necessidade aguça o engenho” e foi cozinhado em plena crise pandémica por três empreendedores da área da restauração que, tal como os seus demais congéneres, foram obrigados a fechar as portas dos seus negócios devido ao surto de Covid-19. A start-up Foodriders nasceu como resposta à pergunta de um milhão de dólares formulada por muitos dos que imaginam como serão os negócios do futuro tendo em conta a imprevisibilidade crescente do mundo em que vivemos. Misturando ingredientes distintos como a tecnologia, a flexibilidade e a mobilidade, e tendo a arte e a sustentabilidade como a cereja no topo do bolo, a Foodriders serve mercados online e offline, e alimenta já uma comunidade fiel em torno do seu inovador modelo de negócio. E que é de fazer crescer água na boca
POR ROGER MOR

O casal Marta Fea e Damian Irizarry e o chefe Diogo Noronha sentiram na pele os efeitos da pandemia com o encerramento dos respectivos restaurantes Pistóla y Corazon e Pesca, em Lisboa. Certos de que, num cenário pós-Covid, o conceito de restaurante jamais seria o mesmo, uniram esforços e empenharam-se na procura da resposta: Como será o restaurante do futuro?

Os três jovens empreendedores, com provas dadas no setor da restauração há vários anos, queriam fazer parte da redefinição deste conceito e por isso criaram a Foodriders, uma start-up sediada em Lisboa, mas com os olhos postos no mundo. Após meses de trabalho chegaram à conclusão que o restaurante do futuro teria de assentar em quatro elementos essenciais: menor investimento, baixo custo de operações, experiências únicas e uma plataforma digital. Passaram da teoria à prática e já têm em funcionamento o primeiro restaurante do futuro em Portugal.

Num cenário onde as, sarcasticamente chamadas, dark ou ghost kitchen [cozinhas profissionais e industriais para alugar, que apenas produzem comida para entrega, seja via take away ou food delivery] ganham cada vez mais terreno, a Foodriders cria um conceito oposto, assente na transparência, proximidade e qualidade. A primeira cozinha do coletivo, aberta a 18 de março, na Penha de França, é tudo menos dark e está de portas abertas todos os dias das 12h às 23 horas. Não é um restaurante convencional porque não tem mesas para os clientes, mas também não é virtual, porque ao contrário de muitos não está escondido num armazém, mas funciona num movimentado bairro de Lisboa, onde os clientes podem entrar, ver onde são confecionadas as refeições e conhecer todos os projetos deste coletivo, cuja ação vai muito além da restauração.

Mas o que distingue um restaurante Foodriders de um convencional? Tomando como exemplo um restaurante convencional de 70 metros quadrados, por cada dia de operações são necessários 8 empregados de cozinha, 6 empregados de mesa, 2 a 3 bartenders e um chefe de sala, perfazendo um total de 17 a 19 empregados. Por sua vez, na cozinha Foodriders, com os mesmos 70 metros quadrados, são necessários apenas 4 a 5 empregados de cozinha e 2 hosts que recebem os clientes online e presencialmente. Acresce ainda que, em vez de um, na cozinha Foodriders são servidos dois conceitos gastronómicos. E, em vez de uma sala de jantar, com limite de clientes, têm uma “cidade” de jantar. Literalmente. Esteja o cliente onde estiver, a Foodriders vai servi-los.

Graças a uma inovadora aplicação, desenvolvida dentro do coletivo, e pensada pela primeira vez por profissionais do setor, tanto é possível fazer um pedido de delivery para uma morada como para um miradouro ou qualquer espaço público, basta um “drop a pin” no GPS e, desde que uma bicicleta ou mota chegue lá, a entrega está garantida. Flexibilidade e mobilidade são conceitos associados ao restaurante do futuro, um restaurante capaz de transformar as novas tecnologias em pontes para assegurar a proximidade com os clientes e criar relações duradouras, que começam online e transitam para offline.

Num verdadeiro sistema modular, capaz de fazer frente a toda a incerteza dos mercados, e que vai incluir um restaurante flagship na Factory Lisbon no Beato, a Foodriders está desenhada para trabalhar com mercados de todas as dimensões, em qualquer ponto do mundo. Nesta fase de arranque, um food truck deverá fazer-se à estrada, já este verão, para levar o conceito a mercados, praças e festivais e fazer crescer uma comunidade unida pela restauração, design, arte e sustentabilidade.

Em apenas um mês de atividade, a Foodriders caminha para os 350 pedidos semanais, com um ticket médio de 35 euros, o que permitirá alcançar um cash flow positivo em apenas três meses. Com um “seed investment” de 250 mil euros, obtido através dos angels investors Semeia Ventures de Nancy Brito e Paulo Pinho, de Simon Shaefer da factory.co e de Phillip Moering da Angelist, a Foodriders conta, em seis meses, operar em toda a região da grande Lisboa, alcançando 2,8 milhões de pessoas, e dentro de um ano e meio estar em todo o país.

Uma comunidade crescente

Para a criação de uma comunidade que se identifica com os valores da marca, a Foodriders conta com inúmeras iniciativas na área do design e das artes através do Anti Social Social Media Club. Sob a sua alçada contam já com uma rádio digital, a East Side Radio, uma fanzine, projetos de curadoria de fotografia que transformam as garrafas dos cocktail em expositores de arte, parcerias com artistas para criação de peças exclusivas, como é o caso da ceramista Hailey Bernier que faz peças que nos levam a repensar as questões da sustentabilidade, uma das preocupações do coletivo em todas as suas ações.

Outro dos projetos é a “Collaborative Delivery Art Gallery”, que leva arte em cada entrega. No passado mês de abril foi selecionado o artista Kid Galindro, cujo poster foi incluído em cada pedido. Já a partir de junho arranca o Low-Fi Wine & Vinyl Club. A cada mês uma seleção de um vinho de baixa intervenção e um vinil é enviada para os membros do clube, cuja inscrição é de 50 euro e que beneficiam de 10% de desconto em todas as compras nas marcas Las Gringas e Ameaça Vegetal.

Visitar o espaço Foodriders é uma oportunidade para perceber a filosofia deste coletivo, onde os princípios do DIY (Do It Yourself) têm permitido encontrar soluções a baixo custo em todas as áreas desde o design ao desenvolvimento da plataforma foodriders.co, que irá funcionar em paralelo com os serviços de take away e entregas pelo Uber Eats, um dos parceiros do coletivo.


Sobre os fundadores

Damian Irizarry
Fundador Foodriders

Nasceu em Santa Fe, Novo Mexico e cresceu em El Paso, Texas. Depois de ter estudado no Missouri, Chicago, e em Espanha, colaborou como jornalista na National Radio Project em Oakland, California e depois no KQED, São Francisco, uma filial da National Public Radio. Em 2004 funda o primeiro projeto na área do turismo, Oasis Backpackers Hostels, Espanha & Portugal, e em 2012 funda a We Hate Tourism Portugal. Em 2014 decide trocar estes dois projetos por um restaurante que reflectisse a sua herança mexicana. Assim nasceu o Pistola e Corazón Taqueria, que viria a tornar-se uma referência gastronómica em Lisboa. Em 2017 funda a Eastern Signals, uma empresa focada na criação de experiência em festas em armazéns. Com o fecho do restaurante devido à pandemia lançou a marca Las Gringas e funda o coletivo Foodriders do qual é diretor-geral.

Marta Fea
Fundador Foodriders

Licenciada em Arquitetura pela Sapienza Università di Roma, Marta Fea, nascida em Roma, fez Erasmus em Portugal e por cá decidiu viver. Em 2012 integrou a equipa da PROAP, uma sociedade dedicada à Arquitectura Paisagista e desde 2014 que, juntamente com Damian Irizarry, é co-fundadora do Pistola e Corazón, onde se destacou com a sua abordagem disruptiva e inovadora, posteriormente a Eastern Signals e agora o coletivo Foodriders, onde é diretora de marketing e responsável por todo o departamento de design.

Diogo Noronha
Co-fundador Foodriders

Após o curso no Natural Gourmet Institute for Health and Culinary Arts, em Nova Iorque, Diogo Noronha passou por restaurantes mundialmente conhecidos como o Pure Food and Wine, o Per Se*** de Thomas Keller, o Moo* em Barcelona, assessorado pelos irmãos Roca e o Alkimia* de Jordi Villa. Regressa a Portugal, em 2009, para criar projetos como Pedro e o Lobo, Casa de Pasto, o gastrobar Rio Maravilha, na Lx Factory, e o restaurante Pesca. Em 2020, após o encerramento do restaurante Pesca, junta-se a Marta Fea e Damian Irizarry e fundam o colectivo Foodriders, onde é chefe executivo e responsável pelas marcas Las Gringas e Ameaça Vegetal.

Divide a sua escrita entre a realidade e a ficção. Formado em jornalismo, que exerceu durante duas décadas, dedica-se hoje ao guionismo de filmes documentais, obras de ficção e teatro