Os bancos estão a apresentar propostas para a renegociação do crédito à habitação às famílias abrangidas pelas moratórias que não recuperaram os seus rendimentos. No âmbito destes acordos, a taxa de juro dos empréstimos não pode ser agravada
POR SÍLVIA NOGAL DIAS e ALDA MOTA (DECO)

As moratórias de crédito terminaram a 30 de setembro e as instituições financeiras já começaram a apresentar propostas aos clientes que aderiram ao mecanismo e não recuperaram os rendimentos, para melhorar as suas condições contratuais. Se já recebeu uma proposta do seu banco para renegociar o empréstimo da casa, deve analisá-la cuidadosamente.

Ainda que o alívio da prestação mensal possa ser fundamental para continuar a cumprir o contrato, tenha em conta que qualquer alteração que não seja uma redução da taxa de juro vai traduzir-se no incremento do custo total do crédito. É o caso do alargamento do prazo do empréstimo, que fará baixar a prestação, mas obrigará ao pagamento de juros durante mais tempo. Verá esse aumento refletido na TAEG.

A renegociação das condições do contrato não pode, no entanto, passar pelo agravamento da taxa de juro, regra que se junta à proibição, já em vigor, da cobrança de comissões bancárias.

Quando analisar a proposta do banco, verifique também se o seu orçamento familiar suporta a nova prestação, que não deve ultrapassar os 35% do rendimento disponível. No caso de ter um crédito de taxa variável, estime o impacto de uma subida de 50% na prestação.

Se chegar à conclusão de que a proposta de renegociação não é compatível com os seus rendimentos atuais, contacte a instituição de crédito e tente encontrar uma nova solução.

Em caso de dúvidas relativas à proposta que recebeu, contacte os nossos serviços.

Governo reforça mecanismos de prevenção de incumprimento 

A renegociação dos créditos assenta em instrumentos já existentes de prevenção e gestão de incumprimento dos clientes bancários – o PARI (plano de ação para o risco de incumprimento) e o PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) – reforçados pelo decreto-lei n.º 70-B/2021, em vigor desde 7 de agosto.

No PARI, foi introduzida a obrigação de avaliação do risco de incumprimento por parte do cliente até 30 dias antes do fim da moratória, ou seja, até ao início do mês de setembro. Se necessário, devem de ser apresentadas propostas adequadas à sua situação financeira, no máximo, até 15 dias antes do término da moratória.

Já os clientes que venham a ser integrados no PERSI nos 90 dias seguintes ao fim da moratória mantêm as garantias existentes no mecanismo – impossibilidade de o banco resolver o contrato ou de intentar ações judiciais, como a penhora do imóvel, para satisfazer dívida – nos três meses seguintes. Tendo em conta o impacto das medidas restritivas de controlo da pandemia nos rendimentos das famílias, consideramos este prazo insuficiente.

Os principais requisitos para a integração dos clientes bancários neste regime passam por: situação de desemprego, redução de rendimentos, existência de dívidas fiscais ou à Segurança Social e desenvolvimento de atividade profissional em áreas particularmente afetadas pela pandemia.

Os resultados dos procedimentos previstos no âmbito do PARI e PERSI devem ser comunicados pelas instituições de crédito ao Banco de Portugal. Esperamos do regulador que verifique se estas estão a fazer o devido acompanhamento dos consumidores que se encontram em dificuldades.

A nossa proposta para um regime transitório

Segundo dados do Banco de Portugal, no final de agosto, quase 228 mil contratos de crédito à habitação estavam abrangidos pela moratória pública, num total de 13 mil milhões de euros. As nossas estimativas apontam para que cerca de 20% destes contratos possam ter de ser sujeitos a renegociação, tal como aconteceu ao nível europeu.

Para proteção destas famílias, propusemos, em maio, a criação de um regime transitório que estaria aberto a quem, no término das moratórias, continuasse a preencher os critérios que levaram à sua adesão. Este regime teria uma duração máxima de dois anos, a contar da data da adesão, e seria reavaliado semestralmente.

A renegociação das condições do crédito com o banco passaria pela adoção de uma ou de várias medidas das que enumeramos abaixo.

• Suspensão, total ou parcial, do pagamento do montante em dívida, durante o período transitório.
• Alargamento do prazo de amortização do empréstimo.
• Diferimento de uma parte do capital para uma prestação final.
• Redução da taxa de juro associada ao crédito durante este período.
• Consolidação de créditos, caso exista mais de um contrato.
• Estabelecimento de um valor máximo para a prestação, em função do orçamento disponível.

Com exceção da última medida, as restantes constam da proposta do Governo. A nova legislação prevê ainda a possibilidade de contratualização de um novo crédito para refinanciamento da dívida.

Apesar de globalmente positivas, as medidas apresentadas pelo Executivo poderiam ser mais ambiciosas, sobretudo ao nível da sua extensão no tempo. No próximo ano, milhares de famílias que ainda não tenham recuperado totalmente os seus rendimentos continuarão sem mecanismos de proteção que permitam evitar a perda dos seus imóveis.

Prolongamento das moratórias não é solução

Apesar de terem sido um importante balão de oxigénio para inúmeras famílias, o prolongamento indefinido das moratórias serviria apenas para adiar o cumprimento das obrigações contratuais dos consumidores. Além disso, quanto mais tempo durasse a suspensão das prestações, mais juros seriam contabilizados e adicionados ao capital em dívida.

Por outro lado, um eventual prolongamento estaria dependente da autorização da EBA, cenário recusado pela autoridade bancária europeia.

Portugal teve as moratórias mais longas do espaço europeu: quem aderiu quando da sua introdução e beneficiou dos dois prolongamentos da medida pôde suspender o pagamento das prestações do crédito à habitação durante 18 meses.

Artigo republicado de DECO PROTESTE, 22 Setembro 2021