Depois de tantos compromissos e promessas, a integração eficaz de políticas de sustentabilidade no meio empresarial continua a deixar muito a desejar. Há sempre valores mais altos que se levantam e vai-se adiando o que é inadiável. A Ethical Corporation apresentou recentemente o “Responsible Business Trends Report 2018” e, apesar das boas intenções assumidas pelas empresas, os resultados não são muito animadores
POR MÁRIA POMBO

Depois de tantos anos de sensibilização para que as empresas integrem, estrategicamente, a sustentabilidade e acções responsáveis na sua cultura, a procissão parece continuar a não passar do adro.

Pelo menos esta é a opinião de 71% dos participantes no estudo “Responsible Business Trends Report 2018”, apresentado recentemente pela Ethical Corporation. A análise contou com a participação de 1542 profissionais de diversos sectores e de todos os continentes, entre Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018.

Três anos após a assinatura do Acordo de Paris e cerca de um ano depois de Donald Trump ter anunciado ao mundo a retirada dos Estados Unidos do mesmo (e consequentemente o seu “não compromisso” com a sustentabilidade e com o objectivo de reduzir a emissão de gases com efeito de estufa), é tempo – outra vez – de olhar para o modo como as empresas estão a adoptar estratégias mais sustentáveis e a promover o alcance dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Identificar e analisar tendências e movimentos nesta matéria é o principal objectivo do documento.

De acordo com os participantes na análise, os governos dos países são quem mais influencia o cumprimento das metas definidas em Paris, mas sete em cada dez esperam que as suas empresas sejam um exemplo a seguir no que ao cumprimento do Acordo diz respeito. É que, com o aumento da instabilidade política e com o maior foco em assuntos não-ambientais, prevê-se que sejam as organizações a tomar as rédeas e a ter um papel determinante em termos sustentáveis. E para que a sustentabilidade e a responsabilidade possam ter um verdadeiro impacto nas organizações, é essencial que estas estejam presentes em todas as funções e cargos. E, supostamente, segundo os inquiridos, apesar de estarem, deviam estar mais: para 75% dos respondentes, a sustentabilidade está a ter um impacto directo na estrutura das empresas, mas a verdade é que caiu 7% face há um ano (apesar de 2% de crescimento face à primeira edição, publicada 2015).

Complementarmente, cerca de oito em cada dez participantes revelam que as questões ambientais já foram integradas na estratégia das suas organizações e das suas cadeias de distribuição. Uma boa notícia é o facto de quase metade dos inquiridos terem referido que a sustentabilidade está inserida nas suas políticas de Investigação e Desenvolvimento (I&D), o que pode resultar na criação de novos produtos e tecnologias, os quais estarão, à partida, relacionados com os ODS.

Para 81% dos inquiridos, a sustentabilidade tem uma grande importância para a “preservação da reputação e resposta a crises”. Adicionalmente, 78% consideram que esta é importante para “atrair stakeholders”, 72% encaram-na como vantajosa para a “promoção do compromisso dos trabalhadores” e outros 72% pensam que é essencial para “gerir as cadeias de distribuição”. Todavia, e apesar de as áreas referidas serem de grande relevância, o documento revela que não devemos esquecer que “a sustentabilidade precisa de desempenhar um papel crescente no desenvolvimento de novos produtos”.


Sustentabilidade e lucro são compatíveis ou onde é que já ouvimos isto

E como “falar de sustentabilidade” não é suficiente, os autores do estudo procuraram saber como é que esta está a ser verdadeiramente incorporada nas empresas, sendo certo que, para que as estratégias adoptadas sejam eficazes, é fundamental que a mesma faça parte de todos os departamentos, a começar pelo topo. De acordo com a análise, 75% dos inquiridos afirmam que o CEO da sua empresa acredita no valor da sustentabilidade (mais 1% que no ano passado), e apenas 15% têm dúvidas acerca da importância que esta questão tem para o seu superior hierárquico (o que se traduz em menos 4% que no ano passado e menos 7% que em 2016). Isto indica que as organizações estão a melhorar as suas acções e a sua comunicação em torno deste tema, dando-lhe uma importância cada vez maior.

E como os lucros se assumem como as principais alavancas para a tomada de medidas em muitas empresas, também é importante quantificar o impacto que a sustentabilidade tem nos negócios. Neste sentido, 56% dos inquiridos revelam que a mesma é lucrativa (mais 2% que em 2017 e mais 7% desde a primeira edição do estudo, em 2015), e 66% consideram que as suas empresas poupam dinheiro com actividades desta natureza.

Todavia, é preciso olhar para os 15% de respondentes que não conseguem perceber se a sustentabilidade dá realmente lucro ou apenas permite economizar nos gastos. Neste sentido, na opinião da maioria dos respondentes, é necessário melhorar as métricas e a monitorização da sustentabilidade, já que é através da demonstração de resultados que muitos CEOs vão querer incorporar acções ambientais e sustentáveis nos seus negócios. Seguindo esta lógica, apenas 45% dos participantes assumem estar confiantes de que estão a avaliar correctamente o impacto das actividades sustentáveis promovidas pela sua empresa, e apenas 30% concordam que estão a medir o Retorno sobre o Investimento (ROI, na sigla em inglês) das acções desenvolvidas neste âmbito.

Em termos regionais, a América do Norte é a que alberga a maior percentagem de inquiridos que afirmam estar a medir o ROI das suas iniciativas sustentáveis (37%), seguindo-se a Ásia-Pacífico (31%) e por fim a Europa (24%). Todavia, são os europeus (com 50%) aqueles que mais consideram que avaliam correctamente o impacto das actividades desenvolvidas neste âmbito.

Para além das questões monetárias, uma outra forma de estimular o interesse das organizações em implementar estratégias mais sustentáveis é mostrando-lhes o mundo de oportunidades – nomeadamente através do desenvolvimento de novos produtos e serviços – que os ODS oferecem, permitindo aumentar as receitas e ter, simultaneamente, um papel activo em prol das pessoas e do planeta. E parece que esta estratégia está a ter um resultado positivo, já que 69% dos inquiridos revelam estar a integrar os ODS nas suas empresas (mais 9% que no ano passado). E se é verdade que 31% assumem não estar a adoptar estratégias que permitem cumprir os Objectivos estabelecidos pela ONU, também é verdade que 51% dos mesmos afirmam que pretendem incorporá-los futuramente.

Um dado preocupante é que apenas 12% dos inquiridos revelam que os ODS já estão realmente integrados nos diversos departamentos das suas empresas, tendo cada departamento uma ideia clara das acções que irá desenvolver para os cumprir. Adicionalmente, 36% dizem que as suas empresas começaram recentemente a planear a integração futura dos ODS, e 46% estão actualmente a integrá-los na estratégia das suas organizações. Preocupante é o facto de 51% dos inquiridos confessarem que as suas organizações estão a utilizar os ODS apenas como estratégia de comunicação, sem os terem adoptado e integrado, de facto, nas suas empresas.

Clima, saúde, justiça, alimentação

Em termos mais concretos, o Objectivo 13 (referente à acção climática) é aquele ao qual mais empresas estão a dar relevância, seguindo-se o 8 (trabalho digno e crescimento económico) e o 3 (saúde de qualidade). A protecção da vida marinha (Objectivo 14), a erradicação da fome (Objectivo 2) e a promoção da paz e da justiça (Objectivo 16) são aqueles aos quais está a ser dada menos importância ou, pelo menos, nos quais as empresas estão menos empenhadas.

Em termos regionais, tanto a Ásia-Pacífico, como a Europa e a América do Norte (mesmo com o abandono do Acordo de Paris) estão empenhadas em contribuir para melhorar a acção climática, sendo que a produção e o consumo sustentáveis são também relevantes. Todavia, se as duas primeiras regiões dão mais importância à promoção do trabalho digno e do crescimento económico, os norte-americanos estão mais focados em melhorar a saúde e o bem-estar da população.

Três anos após a assinatura do Acordo de Paris, é claro para a maioria que governos, empresas, ONGs, investidores e a sociedade no geral precisam de se empenhar muito mais para conseguirem diminuir as emissões de CO2 e evitar o sobreaquecimento do planeta, tendo que estar acima de todo o “barulho de fundo” feito por nacionalismos, proteccionismos, guerras comerciais, Brexit e outros ‘eventos’. E se 44% dos inquiridos consideram que os governos são a principal influência para que o Acordo seja cumprido, 68% desejam que a sua empresa tenha um papel de liderança nesta matéria.

O que tem sido feito até ao momento parece estar longe de ser suficiente, e é necessário incentivar cada vez mais empresas a desenvolverem estratégias sustentáveis. Neste sentido, impulsionar a inovação sustentável e promover a cooperação intersectorial a longo prazo são as oportunidades de negócio mais referidas pelos inquiridos, de onde se conclui que as organizações procuram inovar e tentam encontrar parceiros que as ajudem a acelerar o processo de desenvolvimento de novos modelos de negócio, novas estratégias e novos caminhos.

Para além das duas oportunidades acima referidas, os inquiridos também consideram relevante promover o empenho e o compromisso dos colaboradores, levando-os a ser também eles porta-vozes de uma visão sustentável nas empresas onde trabalham.

Questionados acerca de quem pensam que tem um papel fundamental em termos de promoção da sustentabilidade, muitos dos inquiridos não tiveram grandes dúvidas, escolhendo Paul Polman em primeiro lugar, seguindo-se Elon Musk e Rose Macario (que subiu, em termos de liderança nesta área, 20 posições). Assim, e ao nível empresarial, a Unilever de Polman lidera o ranking das empresas mais sustentáveis aos olhos da comunidade da Ethical Corporation, seguindo-se a Patagonia de Macario e a Tesla de Musk.


#WeAreStillIn

Por considerar que não representa nenhuma vantagem para os Estados Unidos, Trump anunciou, na COP23 (que se realizou em Novembro do ano passado), que o país iria desistir do Acordo de Paris, não se comprometendo em unir esforços para evitar o sobreaquecimento do planeta nem para promover a sustentabilidade. Esta é mais uma – de tantas – decisões incompreensíveis e nada unânimes do actual presidente dos EUA, e as reacções não se fizeram esperar.

Acreditando nas vantagens do desenvolvimento sustentável, um grupo de empresários, políticos e ambientalistas norte-americanos criou o movimento #WeAreStillIn com o objectivo de demonstrar que muitos são aqueles que querem contribuir para um mundo melhor e mais sustentável, e que o aquecimento global é, de facto, uma preocupação para muitos habitantes dos diversos Estados que compõem aquele país. O movimento conta com a participação de mais de 2700 líderes e representa mais de 127 milhões de norte-americanos.


Jornalista