Numa altura em que o número de crianças refugiadas, particularmente os menores não acompanhados, não pára de aumentar, quais são as necessidades de protecção desta população tão vulnerável? Quem são estas crianças, de onde vêm e porque é que se deslocam? Questões para reflectir no X Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados. Em antevisão, a presidente do CPR sublinha a urgência “de assegurar mecanismos de protecção e estruturas de acolhimento dignas”. E alerta: a crise está a condicionar o apoio aos refugiados e, em Portugal, “os subsídios estão já a sofrer fortes reduções”
POR GABRIELA COSTA

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Preocupado com o facto de as informações existentes sobre a situação das crianças em movimento serem “ambíguas”, o Conselho Português para os Refugiados (CPR) dedica o seu X Congresso Internacional às necessidades de protecção desta população, com o objectivo de esclarecer, “a partir de uma perspectiva dos direitos das crianças”, o que conduz ao seu movimento, quais são as suas condições em trânsito, e que perspectivas futuras encontram nos países de acolhimento.

O evento, que conta com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no próximo dia 15 de Novembro, com entrada livre.

Sob o mote “Os Desafios da Protecção das Crianças Refugiadas”, estará reunido no Congresso um painel diversificado de oradores nacionais e internacionais, incluindo representantes do ACNUR, das organizações Save the Chidren e Separated Children European Programme, e da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, como avança ao VER a presidente do CPR, Teresa Tito de Morais.

Em discussão estarão temas como os desafios políticos a enfrentar para garantir uma melhor protecção dos menores não acompanhados, o seu acolhimento e os apoios à construção do seu projecto de vida. De destacar, ainda, o testemunho de um menor não acompanhado residente em Portugal.

Para o CPR, que inaugurou em Maio de 2012 um centro dedicado ao acolhimento dos menores não acompanhados, os desafios mais prementes para esta população “centram-se na necessidade de assegurar mecanismos de protecção e estruturas de acolhimento dignas, proporcionando condições materiais para a definição do (seu) projecto de vida”, como explica a presidente da ONGD que representa o ACNUR em Portugal.

Extrapolando o âmbito do Congresso para a conjuntura socioeconómica que se vive na Europa e em Portugal, Teresa Tito de Morais reconhece que a crise está a condicionar directa e indirectamente o apoio aos refugiados nos países em desenvolvimento, não só através “do aumento de alguns bens de consumo e das dificuldades em aceder ao mercado de trabalho”, como também devido à redução da ajuda humanitária às populações mais necessitadas.
E deixa um sério alerta: Em Portugal, “a Segurança Social está com dificuldades acrescidas nos apoios concedidos aos requerentes de asilo e refugiados reconhecidos. Os subsídios estão já a sofrer fortes reduções”.

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Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados
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Face ao aumento exponencial do número de crianças refugiadas, particularmente menores não acompanhados, quais são os principais desafios ao nível da protecção destas crianças?
As crianças estão mais expostas e em maior risco de separação das suas famílias em períodos de guerra ou de conflitos. Os menores não acompanhados são um grupo particularmente vulnerável, porque acumulam a experiência de ser refugiado menor a residir num país estrangeiro, com as experiências traumáticas decorrentes da separação e ausência dos pais e da violência a que estiveram sujeitos.

Nesse sentido, os desafios centram-se na necessidade de assegurar mecanismos de protecção e estruturas de acolhimento dignas, proporcionando condições materiais para a definição do projecto de vida dos menores não acompanhados, tendo em conta o seu melhor interesse e bem-estar a longo prazo.

Porque foi este o tema escolhido pelo Conselho Português para os Refugiados para o seu X Congresso Internacional?
A vulnerabilidade desta população e a necessidade de se sensibilizar a opinião pública para esta problemática estiveram na base da escolha do tema. Trata-se, igualmente, de um tema muito actual, na medida em que Portugal tem assistido, nos últimos dois anos, a um aumento expressivo do número de pedidos de asilo de menores não acompanhados.

Acresce ainda o facto de o CPR ter inaugurado, em Maio de 2012, um centro dedicado ao acolhimento dos menores não acompanhados, pelo que se impõe uma análise mais conceptual deste fenómeno.

Que antevisão faz do evento ao nível dos temas em debate, por exemplo, a vulnerabilidade desta população, o seu acolhimento e assistência, e a acção política para a protecção dos menores?
Esperamos um debate muito rico e, sobretudo, informativo sobre as principais dificuldades desta população ao nível do acolhimento, assistência e integração. Contamos, para isso, com um painel bastante diversificado de oradores nacionais e internacionais, estando o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) representado neste evento com dois oradores, Laurens Jolles e Andrea Vonkeman. Estarão também presentes um dos coordenadores do Separated Children European Programme, uma rede europeia de organizações que trabalham sobre a temática das crianças separadas, e um representante da organização internacional Save the Children.

A nível nacional destaco a presença do Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, e também o testemunho de um menor não acompanhado residente em Portugal.

Este congresso terminará com a actuação do grupo de teatro do CPR “RefugiActo”, que apresentará a peça “Carlota”, a qual conta a história de uma criança refugiada.

Que perspectivas relativamente ao objectivo do Congresso de informar, “a partir de uma perspectiva dos direitos das crianças”, sobre a situação efectiva das crianças em movimento?
Os congressos internacionais do CPR constituem sempre momentos importantes de reflexão e análise da situação dos refugiados em Portugal e no mundo. Mais do que se discutirem números, analisamos as necessidades das pessoas, os desafios da protecção internacional e a urgência de se criarem mecanismos efectivos de apoio à população refugiada.

No que concerne a problemática das crianças refugiadas, é fundamental, antes de mais, assegurar que todas as acções empreendidas a seu favor sejam orientadas pelo princípio do seu melhor interesse. Nesse sentido, estou certa que a intervenção do ACNUR no painel “Identificar soluções duradouras para os menores não acompanhados e separados: integração, retorno e reinstalação” irá cumprir esse objectivo.

No seu entender, a que se deve o desconhecimento geral, por um lado, e a existência de informações contraditórias, por outro, quanto à situação destas crianças?
As estatísticas sobre os menores não acompanhados são inconsistentes e como nem todos pedem asilo, é difícil estimar com exactidão o número de crianças separadas que anualmente chega à Europa. As que não pedem asilo permanecem numa situação de alguma invisibilidade, pelo que se torna difícil identificá-las e, consequentemente, responder às suas necessidades mais elementares.

Quais são as principais causas que geram este movimento e de que países provêem actualmente as crianças refugiadas?
As razões subjacentes à chegada à Europa deste grupo especialmente vulnerável são várias mas, naturalmente, incluem as guerras e as sistemáticas violações dos Direitos Humanos, a pobreza, o tráfico e as catástrofes naturais, a discriminação e a exploração.

“É difícil estimar com exactidão o número de crianças separadas que anualmente chega à Europa. As que não pedem asilo permanecem invisíveis” .
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Acresce ainda o facto de que, em muitas situações, são as próprias famílias que enviam as crianças para outros locais, na esperança de que um dia estas possam ter um futuro melhor, com acesso à saúde, à educação, à assistência social, etc.

Actualmente, os países de origem predominantes são o Afeganistão e a Somália.

Em que medida são os menores não acompanhados um grupo em crescimento?
De acordo com os dados do ACNUR, em 2011 registaram-se cerca de 17700 pedidos de asilo de menores não acompanhados, o que equivale a um aumento de 14% em relação a 2010. Portugal também acompanhou esta tendência de crescimento e, em 2011, cerca de 7,2% dos pedidos de asilo foram apresentados por menores não acompanhados.

Na visão do CPR, qual é a situação real em que vivem actualmente milhões de refugiados, em todo o mundo?
Pelo quinto ano consecutivo, de acordo com os dados do ACNUR, o número de migrantes forçados ultrapassou os 42 milhões, em 2011. São, portanto, milhões de pessoas que perderam tudo e que precisam do nosso apoio e solidariedade para reconstruir as suas vidas e restabelecer a sua visão de um futuro.

A maioria dos refugiados vive em campos localizados em alguns dos países mais pobres do mundo. De facto, 80% dos refugiados vive em países em desenvolvimento.

A situação é, portanto, bastante preocupante, pelo que é necessário fortalecer os mecanismos de solidariedade entre Estados, como a reinstalação e a recolocação de refugiados. A comunidade internacional tem que ter um papel fundamental na prevenção dos conflitos e no apoio às populações deslocadas.

De que modo está a crise Europeia a condicionar o apoio aos refugiados nos países em desenvolvimento, bem como o seu acolhimento e integração nos países europeus?
Naturalmente que os refugiados também são afectados pela crise e pelas medidas de austeridade na Europa, designadamente com o aumento de alguns bens de consumo e nas dificuldades em aceder ao mercado de trabalho. Por outro lado, a crise também pode reduzir a ajuda humanitária às populações mais necessitadas.

Como se reflecte essa conjuntura negativa no apoio e acolhimento prestados em Portugal?
Reflecte-se, sem nenhuma dúvida, de uma forma negativa. O sistema da Segurança Social está com dificuldades acrescidas nos apoios concedidos aos requerentes de asilo e refugiados reconhecidos. Os subsídios estão já a sofrer fortes reduções, enquanto outros que se encontram em procedimento de asilo ou em recurso não beneficiam de qualquer apoio da Segurança Social ou da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (excepção feita às situações de extrema vulnerabilidade). Esta situação implica uma grande instabilidade emocional e uma revolta permanente no seio da população refugiada em Portugal.

Por outro lado, o acesso ao mercado de trabalho torna-se cada vez mais difícil, num país com uma taxa de desemprego galopante, em que os refugiados enfrentam grandes dificuldades de comunicação e aprendizagem da língua portuguesa, reconhecimento das suas competências e qualificações académicas, o que dificulta a sua integração.

Que actuação tem o ACNUR, a nível internacional, e o CPR, a nível nacional, no apoio logístico, psicológico, educativo ou da integração sócio-profissional dos refugiados e deslocados?
O ACNUR tem o mandato de conduzir e coordenar acções internacionais para a protecção dos refugiados e a busca por soluções duradouras para seus problemas. Nesse sentido, a sua principal missão é assegurar os direitos e o bem-estar dos refugiados. Nos esforços para cumprir este objectivo, o ACNUR empenha-se em garantir que qualquer pessoa possa exercer o direito de procurar e gozar de um local seguro noutro país e, caso assim deseje, regressar ao seu país de origem.

O Conselho Português para os Refugiados tem como principal missão defender e promover o direito de asilo em Portugal através de actividades que visam o apoio jurídico e social aos requerentes de asilo, refugiados, beneficiários de protecção humanitária, deslocados e apátridas, desde a fase do acolhimento até à sua integração na sociedade portuguesa. Com esse objectivo, administramos um Centro de Acolhimento para Refugiados, um Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas e uma Creche/ jardim-de-infância, que permitem assegurar condições de acolhimento dignas a todos aqueles que necessitam de protecção internacional e disseminam uma série de acções no âmbito da informação, formação e organização dos tempos livres desta população e da comunidade local.

O número de refugiados da Síria triplicou nos últimos três meses devido à guerra, como o ACNUR já alertou. O que é necessário fazer para dar resposta a esta situação de emergência?
Efectivamente, vive-se uma situação humanitária dramática na Síria, tendo o Alto Comissário, António Guterres, alertado para as dificuldades em fazer chegar a ajuda humanitária aos refugiados e as sentidas, também, ao nível do financiamento das acções de emergência.

O Alto Comissário alertou igualmente para as limitações da capacidade de acolhimento dos países vizinhos. É urgente que a comunidade internacional assuma as suas responsabilidades.

O fenómeno em números
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. No final de 2011, contabilizaram-se cerca de 42,5 milhões de pessoas sob o cuidado do ACNUR, das quais 15,2 milhões eram refugiados (10,4 milhões no âmbito do mandato do ACNUR e 4,8 milhões de refugiados da Palestina, no âmbito do mandato da UNRWA). Este número inclui, ainda, 895 mil requerentes de asilo e 26,4 milhões de deslocados internos.

. Em média, as mulheres e meninas representam cerca de 49% da população sob o cuidado do ACNUR. 46% dos refugiados e 34% dos requerentes de asilo são crianças com menos de dezoito anos.

. Mais de 876 100 pessoas submeteram pedidos de asilo em 2011. Os escritórios do ACNUR registaram cerca de 11% destes pedidos. A África do Sul, os EUA e a França foram os países com mais pedidos de asilo. O Afeganistão permanece como principal país de origem dos refugiados.

. Em 2011, foram apresentados cerca de 275 pedidos de asilo em Portugal, um aumento de 71,8% em relação a 2010. Foram reconhecidos por parte do Ministro da Administração Interna 27 estatutos de refugiado e 38 autorizações de residência por razões humanitárias.

. Embora se trate de um número difícil de contabilizar, estima-se que existam cerca de quatrocentas pessoas com uma protecção internacional no nosso país.

 

Principais áreas de intervenção do CPR
1. Aconselhamento jurídico
2. Apoio social:

  • Administração do Centro de Acolhimento para os Refugiados (CAR)
  • Gestão de uma creche/ jardim-de-infância (“Espaço A Criança”);
  • Administração do Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas (CACR).

3. Cursos de Português;
4. Serviço de emprego e orientação profissional;
5. Sensibilização, formação e informação pública.

Fonte: CPR