Para muitos europeus, a chegada massiva e contínua de refugiados representa, como é sabido, uma ameaça a vários níveis, nomeadamente em termos de segurança, trabalho e benefícios sociais. Todavia, e dado que este parece ser um movimento sem retorno, pelo menos no médio prazo, são já vários os cantos do Velho Continente que estão a trabalhar activamente para proporcionar a melhor integração possível a quem não pode, simplesmente, voltar para trás. A Alemanha representa um bom exemplo deste esforço, o qual pode ser replicado por outros países “solidários”
POR
MÁRIA POMBO

A crise dos refugiados – ou a chegada massiva e contínua destes à Europa – é e será sempre um tema polémico e pouco consensual. Se é certo que o politicamente correcto é afirmar que todos os seres humanos merecem um local seguro para viver, independentemente da nacionalidade, credo ou costumes, também sabemos que, no pólo oposto, muitos são os cidadãos que se opõem ao facto de a Europa abrir as suas portas a novos residentes: temendo pela sua própria segurança, os europeus sentem-se ameaçados e declaram publicamente que, antes de se acolherem os refugiados, é necessário cuidar dos habitantes carenciados dos seus próprios países.

Estas declarações estão em linha com (mais) um estudo realizado pelo Pew Research Center (PRC), o qual comprova que os europeus, no geral, consideram que a onda dos refugiados é sinónimo de mais terrorismo, menos emprego e menos segurança. A análise contou com a participação de cidadãos da Hungria, Polónia, Holanda, Alemanha, Itália, Suécia, Grécia, Reino Unido, França e Espanha. O aumento do terrorismo é uma das principais preocupações dos inquiridos, principalmente dos húngaros (76%) e dos polacos (71%), sendo igualmente superior a 50% a média dos respondentes que acredita que estes são um “fardo” e uma ameaça na medida em que irão “usurpar”postos de trabalho e benefícios sociais que deveriam estar destinados aos “nacionais” [de notar, todavia, que os inquéritos foram realizados antes do referendo do Brexit no Reino Unido e antes dos ataques terroristas no aeroporto de Istambul, ambos ocorridos em Junho].

Apresentando uma menor percentagem, a ideia de que “os refugiados são mais culpados pela existência de criminalidade do que outros grupos” reuniu uma média de 30%. Espanha foi a nacionalidade menos preocupada com estas questões.

A religião é outra preocupação, expressa essencialmente pelos habitantes dos países de leste e do sul do continente europeu, nomeadamente a Hungria, a Polónia, a Grécia e Itália, e por pessoas com uma posição extremada “mais à direita”, em termos ideológicos. O facto de “os muçulmanos não pretenderem adoptar os costumes e os modos de vida europeus”, querendo, ao invés, ser diferentes da maioria, constitui o principal motivo de inquietação – ou de preconceito – dos inquiridos. E, na medida em que os mais recentes refugiados que chegam à Europa são provenientes de nações árabes – como a Síria e o Iraque – entre os europeus, as suas percepções face a estes mesmos refugiados são em parte e igualmente influenciadas pelas atitudes negativas face aos muçulmanos que já vivem na Europa. Na Hungria, Polónia, Itália e Grécia, mais do que seis em cada 10 inquiridos possuem uma opinião desfavorável dos muçulmanos que vivem nos seus países – uma opinião partilhada por pelo menos uma em quatro pessoa em cada uma das nações inquiridas.

E, apesar da maioria dos europeus acreditar que a recente vaga de refugiados possa conduzir a mais terrorismo, o nível de alarme baixa no que respeita aos islâmicos que já vivem no continente. A percentagem de inquiridos que afirma que a maioria, ou muitos, dos muçulmanos apoia grupos como o ISIS é inferior a 50% em todos os países auscultados. Mas e mesmo assim, 46% dos italianos, 37% dos húngaros, 35% dos polacos e 30% dos gregos afirmam que os muçulmanos residentes nos seus países estão favoravelmente inclinados para este tipo de grupos extremistas.

© DR
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Para além das preocupações face à religião, as diferentes raças, etnias e nacionalidades são encaradas como prejudiciais à qualidade de vida principalmente pelos gregos e italianos, mas também, e sem surpresas, pelos húngaros e polacos. Na realidade, são poucos os europeus que acreditam que a diversidade tem um impacto positivo no seu país. Com 36%, os suecos são aqueles que mais defendem que o aumento da diversidade faz do seu país um local melhor para viver, sendo que a maioria dos inquiridos das restantes nacionalidades revela indiferença relativamente a esta questão.

Comum à larga maioria dos inquiridos (97%) é a importância que tem a língua – mais concretamente “falar a língua do país onde se vive” – para a identidade nacional, sendo, por isso, considerada fundamental para a melhoria da vida em comunidade e para a mais fácil aceitação dos que procuram uma vida mais digna fora dos seus lugares de origem. Complementarmente, partilhar os mesmos costumes e tradições é um aspecto que 86% dos europeus consideram importante ou muito importante para que estes “migrantes forçados” não se sintam excluídos da sociedade.

Para além de existirem diferenças entre os mais conservadores e os mais liberais – com os simpatizantes dos movimentos da extrema-direita a demonstrarem níveis mais elevados de preconceitos e de verdadeira segregação –, existem igualmente disparidades claras entre grupos pertencentes a gerações distintas e com níveis de escolaridade desiguais. Os inquiridos com um background académico superior aceitam a diversidade com maior facilidade, ao passo que os menos instruídos são mais críticos relativamente a este tema. A título de exemplo, na Holanda, 43% dos respondentes com grau académico ao nível do ensino secundário, ou menos, afirmam que o aumento do número de pessoas de diversas nacionalidades ou etnias faz do seu país um local pior para viver, enquanto apenas 22% dos holandeses com licenciatura, ou mais, concordam com esta afirmação. No Reino Unido, esta diferença é igualmente elevada. Talvez seja por serem mais reticentes relativamente à diversidade, mas a verdade é que são os cidadãos menos instruídos aqueles que mais valorizam as questões culturais (tradições e costumes) e que as consideram importantes para a identidade nacional.

Apesar de uns não estarem obrigatoriamente relacionados com os outros, a verdade é que, para muitos inquiridos, os termos “muçulmano” e “refugiado” são sinónimos. Nos países analisados, os respondentes que revelam uma opinião negativa face à existência de muçulmanos no seu país são os mesmos que consideraram que os refugiados representam uma ameaça, não sendo assim de estranhar facto de que pelo menos metade dos inquiridos de oito países acreditar que o maior número de refugiados aumenta a probabilidade de existirem ataques terroristas.

Mas e independentemente das opiniões expressas, a verdade é que o Velho Continente representa a última esperança para milhares e milhares de vítimas que, diariamente, são obrigadas a largar tudo e apenas querem chegar a um local que lhes permita sobreviver.

Se alguns países colocam arame farpado nas suas fronteiras, tentando assim travar a passagem a muitos homens, mulheres e crianças que apenas trazem consigo o que conseguem carregar, outros, por seu turno, criam autênticos campos de refugiados em território europeu – lembremo-nos da “Selva” de Calais, em França, onde milhares de migrantes (económicos e refugiados) foram obrigados a permanecer por não terem outra alternativa, estando actualmente a ser distribuídos por diversos abrigos, onde terão melhores condições e um acompanhamento mais próximo por parte de técnicos sociais. A boa notícia é que, e dado o caos em que estas vítimas vivem, muitos países têm vindo a procurar formas de as integrar nas comunidades, tendo como prioridade encontrar locais – ou construir estruturas – que lhes permitam ter alguns metros quadrados que sejam “só seus” e onde possam, pelo menos, descansar e reconstruir a vida.

Alemanha: um país que tem vindo a dar cartas – e abrigos

Por ter vindo a acolher um grande número de refugiados, a Alemanha é uma das nações mais empenhadas no que à inclusão de refugiados diz respeito – apesar dos evidentes custos políticos para Angela Merkel – e onde estão a ser implementadas algumas estratégias-piloto, nomeadamente por parte de arquitectos, engenheiros e designers, e que demonstram que pode – e deve – ser dada uma oportunidade a qualquer pessoa, independentemente do local onde nasceu. Dar novamente vida a hotéis e outros edifícios devolutos, encontrar em antigos aeroportos o espaço “ideal” para construir abrigos, recuperar apartamentos abandonados ou ainda transformar antigos campos de concentração nazis – uma ironia, sem dúvida – em albergues para os recém-chegados são algumas das iniciativas que estão a ser desenvolvidas neste país.

Dachau é um exemplo de um antigo campo de concentração nazi que, ainda antes da onda dos refugiados, começou a ganhar uma nova vida, tendo já sido albergue para pessoas sem-abrigo assumido a qualidade de enfermaria em alturas de maior necessidade. Actualmente, este local foi convertido num espaço de habitação social que, arrendado a preços bastante reduzidos, alberga refugiados e outras pessoas de baixos rendimentos. Quem lá vive começa agora a familiarizar-se com as torres de vigia e com toda a história mais do que pesada que o espaço carrega. Para Gabriele Hammermann, directora deste antigo campo de concentração, o mesmo “não é um local acolhedor para os refugiados, mas sim um lugar que simboliza tortura e morte”, mas para muitos dos que lá vivem, o mesmo assume-se como a casa que de outra forma não poderiam ter.

© DR - O antigo aeroporto de Tempelhof, símbolo nazi, entretanto reconvertido para albergar cerca de três mil refugiados
© DR – O antigo aeroporto de Tempelhof, símbolo nazi, entretanto reconvertido para albergar cerca de três mil refugiados

Independentemente do passado ou do peso que carrega cada um dos lugares, dar aos refugiados as melhores condições de vida é o principal objectivo destas acções, e muitas outras estruturas – como contentores, carruagens, pedaços de navios, etc. – são aproveitados, pois podem ser transformadas em abrigos ou convertidas em cozinhas, casas de banho ou transformadas em mobiliário. E o esforço conjunto tem tido resultados interessantes e muito transformadores para quem deles usufrui.

Com o objectivo de dar apoio aos refugiados e de estimular a criatividade dos cidadãos, o Museu de Arquitectura Alemão tem vindo a promover, junto de arquitectos e designers, a criação de diversos espaços de acolhimento, os quais têm vindo a ser divulgados na revista Making Heimat. Esta publicação pretende dar a conhecer os trabalhos desenvolvidos na Alemanha e que permitem uma mais fácil integração dos refugiados em diversas comunidades, e a palavra que lhe dá nome – Heimat – não tem uma tradução única para outras línguas mas refere-se precisamente à relação entre o ser humano e o meio onde vive, ou melhor, ao que as pessoas sentem relativamente ao local onde vivem.

Por ser um material mais económico mas proteger do frio e da chuva, a madeira é a escolha para maioria dos projectos que entraram na edição de Janeiro da Making Heimat.

Um desses projectos é um complexo de apartamentos, no qual cada divisão tem cerca de 18m2. Este projecto foi implementado em Munique, e com seis blocos de apartamentos, conseguiu albergar 300 refugiados. O mesmo foi também replicado em Hunfeld (nos arredores de Munique) e, com dois blocos de casas, permite albergar mais 90.

Já na cidade de Ostfildern, também no sul da Alemanha, um outro projecto oferece uma casa a cerca de 40 indivíduos, entre refugiados e pessoas sem-abrigo. Promover a utilização dos apartamentos por quem precisa de um lar e sem olhar à sua origem, cor ou nacionalidade é um dos principais objectivos desta iniciativa, a qual pretende ter uma durabilidade de cerca de 40 anos. Para se adaptar facilmente a diversas pessoas com variados costumes e hábitos, os promotores deste projecto criaram divisões modulares e simples, recorrendo também a sistemas de utilização eficiente de energia.

Outro projecto ainda está a ser implementado em Hemelingen, Überseetor e Grohn, num conjunto de pequenas vilas situadas no Norte da Alemanha. Ao todo, este projecto replicado nestas três vilas tem a capacidade de abrigar cerca de 582 pessoas. Os apartamentos são feitos com recurso a estruturas de aço e metal e a dimensão dos apartamentos varia entre os 24m2 (para duas pessoas) e os 44m2 (para quatro pessoas), podendo ser agrupadas para albergarem famílias maiores. Uma característica deste projecto é que foi construído para albergar, no máximo, 16 pessoas em cada complexo, sendo prioritário o conforto das famílias que habitam o espaço.

Em Hamburgo, foi criado um centro de ajuda emergente, com recurso a tendas resistentes ao frio, à chuva e à neve e cujas estruturas metálicas permitem suportar ventos fortes. As suas nove unidades estão completamente mobiladas, tal como as casas dos projectos descritos anteriormente. As mesmas podem ser agrupadas entre si, de forma fácil e rápida e através de fechos, sendo assim mais flexíveis e podendo adaptar-se a famílias maiores ou menores, conforme as necessidades. Futuramente, e já que a chegada dos refugiados à Europa é uma realidade da qual não podemos fugir, estas tendas podem ser produzidas numa maior escala e replicadas em qualquer parte, sendo um recurso relativamente barato, bastante resistente e de fácil montagem e transporte.

© Heimat
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Todos estes projectos são a prova de que, ao contrário do exemplo dos países que recorrem a arame farpado ou criam novos campos de refugiados sem as mínimas condições, o futuro e a harmonia do nosso continente passa pela aposta na inclusão e integração destes refugiados (e de todos os outros migrantes que, por algum motivo, foram obrigados a sair do seu país). E, apesar da chuva de críticas, estas pessoas podem vir a representar uma força de trabalho preciosa e, se forem acompanhados e encaminhados, conferir igualmente um bom contributo para a economia europeia.

Adicionalmente, e no seguimento desta ideia, alguns cidadãos alemães têm publicado variados livros – como o Arrival City e o From Camp to City – nos quais, através de estudos e com recurso a disciplinas como a sociologia e a economia, demonstram que a integração dos refugiados, nomeadamente em pequenas vilas e espaços mais rurais, é uma importante arma para o país e para o continente, e um forte impulsionador da economia, sendo ainda benéfico em termos culturais, enriquecendo toda a população através da partilha de experiências e da troca de opiniões.

Cidades unidas pretendem recuperar a “Europa do acolhimento”

Já a nível europeu, e complementando todo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido em diversas localidades, a Eurocities – uma rede que pretende melhorar a vida nas cidades europeias, reforçando o papel que devem ter os governos locais na promoção da qualidade de vida dos seus cidadãos – lançou recentemente, em Atenas, a plataforma Solidarity Cities.

Esta plataforma pretende ser mais uma resposta humanitária à crise dos refugiados, tendo como prioridade a partilha de iniciativas e responsabilidades entre os Estados-membros da União Europeia. Muitas cidades já estão a criar formas de acolher os refugiados, encaminhando-os para abrigos e contando com o apoio essencialmente de organizações de solidariedade social para os acompanhar e apoiar nesta fase transitória e difícil, e esta plataforma funciona como o elo de ligação entre todas as cidades, permitindo a replicação de modelos, a adopção de ideias e a troca de conhecimentos.

Promover a criação e implementação de políticas que facilitem a inclusão de refugiados em diversas cidades europeias, promovendo-se uma relação de cooperação e assistência mútua entre os diversos centros urbanos que acolhem os migrantes, é o principal objectivo desta iniciativa. Complementarmente, a mesma plataforma pretende ser um local onde se dá respostas eficazes e céleres a diversos desafios urgentes, os quais, passam obviamente pela habitação, mas estão relacionados com outras questões como a promoção da saúde, a vacinação, a educação e a procura de emprego, os quais são essenciais, no fundo, para a perfeita inclusão de milhares de novos habitantes que chegam aos diversos cantos da Europa.

Complementarmente, informar os cidadãos europeus, promovendo uma mais fácil aceitação dos refugiados, encorajar a uma maior participação em acções de acolhimento dos mesmos, procurar assistência técnica, e encontrar locais que possam ser transformados em novas casas para os que tudo perderam são os principais pilares nos quais assenta este recém-lançado projecto. Para Thomas Fabian, presidente do Fórum de Assuntos Sociais da Eurocities, esta iniciativa “demonstra que existem formas de se trabalhar em conjunto, além-fronteiras, e com um espírito europeu de união”.

Para além de darem ao maior número possível de pessoas as condições básicas de sobrevivência, e de demonstrarem aos mais “umbiguistas” que todas as pessoas merecem ser tratadas com respeito e dignidade, as acções de integração social dos refugiados poderão servir ainda para apaziguar os medos dos europeus e promover um convívio, no mínimo menos crispado, entre os nacionais e os recém-chegados. O desafio é enorme e toda a dedicação é e será, certamente, bem aproveitada.

Jornalista