A maioria daqueles que tocam o poder e, em particular, os que não têm conhecimento ou legitimidade para desempenhar, como seria suposto, as exigências deste cargo, tendem a agarrar-se ao mesmo com a mesma força que um náufrago se abraça a um pedaço de madeira em alto mar. E é aqui que começa o perigo…
POR JOSÉ LUIS FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ

Dê o poder ao homem e descobrirá quem ele realmente é”, Maquiavel

Quando utilizamos o termo “cargo”, nem sempre nos lembramos que o mesmo é sinónimo de encargo, mas também de um posto que implica responsabilidade, de uma função profissional mais ou menos destacada e relevante, de um ofício reconhecido. E, complementarmente, significa também outorgar-se a alguém algum tipo de poder que, anteriormente, essa mesma pessoa não possuía. E é precisamente a partir deste momento – e como diz a sabedoria popular – que se conhecerá verdadeiramente a pessoa em causa.

O que é habitual (ou devia ser) quando alguém é promovido – e para além do orgulho legítimo e das concessões compreensíveis ao ego -, e sobe de nível no organograma, é que essa pessoa seja psicologicamente equilibrada, com valores morais claros, com maturidade ética e, sobretudo, que se conheça bem a si mesmo, os seus pontos fortes e as suas debilidades, em conjunto com uma dose adequada de humildade e sentido de dever.

É também desejável que, e depois da promoção, continue a seguir a sua própria linha. Ou seja, não existem motivos alguns para que incorra em grandes e inusitadas mudanças no que respeita ao seu comportamento ou ao seu modo de proceder. Ou seja, o normal é que o indivíduo em causa tenda a esforçar-se por fazer as coisas da melhor forma possível. E tentará, neste sentido, dar o melhor de si mesmo para ir imprimindo a sua marca, palmilhando o seu caminho, conferindo consistência à sua actividade profissional, exercendo um impacto positivo na cultura da instituição. Desta forma, acabará por demonstrar que é, realmente, merecedor do cargo que lhe foi outorgado.

Nesta situação, o que é possível fazer é desejar-lhe sorte, colaborar com essa pessoa de forma leal e, como nada é perfeito – e em particular na gestão que, e independentemente de uma dose elementar de técnica, não deixa de ser uma arte -, é também conveniente dar-lhe tempo para que ajuste as suas expectativas e saiba adequar a sua personalidade ao seu novo cargo. Com um pouco de sorte e paciência, inclusivamente, poderá ser capaz de contribuir com aspectos positivos para os seus colaborardes e obter resultados que, sem a sua liderança, nunca poderiam florescer no sistema organizacional. E tudo isto é válido em qualquer que seja a organização: independentemente de se tratar de uma empresa, de um hospital, de um departamento da Administração Pública, de uma universidade, de uma organização não-governamental ou de uma escola de samba.

[quote_center]Naturalmente que este tipo de chefe tóxico está muito longe de ser um bom líder. E, a médio prazo, revelar-se-á nocivo para a própria organização[/quote_center]

Todavia e infelizmente, são muitas as pessoas que, quando ascendem na hierarquia, sofrem uma transformação, uma espécie de “conversão”, no mau sentido, que surpreende os que os observam a partir do exterior e que, com frequência, desequilibra aqueles que a sofrem na pele: ou seja, os que passam a depender desta autoridade/chefia…

O que pretendo dizer é que, para algumas pessoas em particular, assumir este cargo consiste num gigantesco peso: sentem-se esmagados, excedidos e são “elevados” ao seu próprio nível de incompetência. Quando ocorre esta situação, existem várias possibilidades: pode acontecer que o visado, reconhecendo-se incapaz, e considerando que não está em condições de assumir o cargo, opte por renunciar, por apresentar a demissão, por devolver as benesses inerentes ao novo posto – salários e benefícios sociais inerentes à posição incluídos. Se assim fosse, ficaria exonerado, ipso facto, das responsabilidades que integram o cargo, e poderia continuar a viver a sua vida de forma tranquila, operando em terreno conhecido, em paz e em graça com Deus.

Mas a verdade é que em toda minha vida profissional apenas conheci um caso de alguém que procedeu desta forma: o meu cunhado, e que Deu o tenha em sua glória, Alberto Gualda quando, e depois de umas semanas à frente da direcção de um importante hotel madrileno, reconheceu que “ainda não estava preparado” e pediu para regressar ao seu cargo anterior como gerente da secção de Alimentos e Bebidas.

Todavia, também é verdade que a maioria daqueles que tocam o poder, e em particular os que não têm conhecimento ou legitimidade para desempenhar, como seria suposto, tamanho posto, tendem a agarrar-se ao mesmo com a mesma força que um náufrago se abraça a um pedaço de madeira em alto mar. E é aqui que começa o perigo.

Como conhece bem as suas debilidades, tratará de as dissimular ao máximo. Fazendo gala de um maquiavelismo mais ou menos manifesto, levará sempre a sua avante: evitará comprometer-se com nada ou com ninguém; adiará a tomada de decisões até limites inaceitáveis; procurará rodear-se de pessoas medíocres e que não lhe possam fazer sombra, sendo que quanto mais aduladores e lisonjeiros, melhor. Adicionalmente e se for caso disso, será implacável com os subordinados, aos quais imputará responsabilidades de qualquer erro ou fracasso, mesmo que estas sejam fruto da sua negligência ou falta de preparação para o desempenho das tarefas próprias do cargo que ocupa. E, sem dúvida, não vacilará no momento de atribuir a si próprio sucessos ou bons resultados, colocando medalhas ao peito que, em absoluto, só a ele pertencem.

Naturalmente que este tipo de chefe tóxico está muito longe de ser um bom líder. E, a médio prazo, revelar-se-á nocivo para a própria organização.

Mas será que o que temos vindo a descrever constitui, pura e simplesmente, um problema de falta de ética? Ou será que se trata, quem sabe, de consequências derivadas de algum defeito, de alguma carência profissional concreta? Ou talvez esteja relacionado com algum transtorno psicológico, derivado de traumas e vivências negativas por parte do sujeito em causa?

Ainda que seja demasiado ousado da minha parte diagnosticar, de uma maneira geral, este tipo de líderes – cada touro tem a sua própria bravura – e mesmo que a cada caso e cada contexto correspondam realidades particulares e idiossincrasias singulares, tendo a pensar que o problema tem a ver com uma espécie de combinação dos três aspectos anteriormente assinalados: incompetência profissional, transtorno psicológico e falta de ética.

Inclusivamente nos cargos executivos do mais alto nível, e ao leme de todo o tipo de organizações, é possível identificar com facilidade pessoas prepotentes, autênticos psicopatas, indivíduos narcisistas que, com frequência, se orgulham de um acentuado toque de sadismo. Não é incomum encontrar-se indivíduos mesquinhos e incompetentes, que lideram equipam e gerem projectos os quais, e com o objectivo de ter um impacto assinalável na sociedade, mereceriam ter no comando indivíduos mais humanamente dignos.

Se queremos que as empresas e as organizações contribuam – cada uma delas com uma missão específica – para o progresso dos povos, para a construção de uma sociedade mais justa, apara uma economia verdadeiramente sustentável e, definitivamente, para um mundo mais humano, necessitamos de colocar no seu comando pessoas com uma maior maturidade e equilíbrio psicológicos, com competências profissionais comprovadas e, sobretudo, com a inteligência emocional suficiente para saberem distinguir entre o bem e o mal e com vontade firme de optar por aquilo que é melhor.

Estes requisitos, em definitivo, implicam que aqueles que exercem o poder, e para agirem de forma positiva, o façam a partir de uma inegociável vontade moral de se colocarem ao serviço da instituição e trabalhar pelo bem da mesma e de todos os que com ela se relacionam.

Director da Cátedra de Ética Económica e Empresarial, na Universidad Pontificia Comillas, autor de vários livros sobre Ética e Responsabilidade Social Corporativa, conferencista reputado e doutorado em Filosofia