De acordo com um relatório recentemente publicado pela Universidade de Oxford e que contou com a participação de vários economistas de renome, as políticas de estímulo favoráveis ao clima oferecem mecanismos muito mais adequados para impulsionar o emprego e o crescimento comparativamente aos resgates incondicionais de indústrias “ricas” em carbono. Depois de avaliar um conjunto extenso de potenciais pacotes de recuperação económica da Covid-19, o estudo conclui que existe um potencial significativo para um forte alinhamento entre o crescimento económico e a aceleração da tendência para emissões líquidas nulas se os governos utilizarem os muitos instrumentos de estímulo verde que já têm à sua disposição. E a Europa parece estar plenamente de acordo
POR HELENA OLIVEIRA

A crise da Covid-19 poderá marcar um ponto de viragem nos progressos relacionados com as alterações climáticas. Este ano, estima-se que as emissões globais de gases com efeito de estufa (GEE) apresentem uma queda superior comparativamente a qualquer outro período desde que há registos. Todavia, as percentagens em declínio similares às que se esperam para 2020 deveriam ser repetidas, ano após ano, para que se atingisse zero emissões líquidas em 2050, uma meta assumida pela União Europeia, mas muito difícil de ser cumprida. Pelo contrário e logo que as restrições à mobilidade sejam levantadas, em conjunto com a recuperação das economias, espera-se um aumento substancial das emissões, a não ser que os governos intervenham no processo.

“Há razões para temer a possibilidade de darmos um salto da frigideira da Covid-19 para um fogo climático”, pode ler-se num extenso estudo realizado pela Universidade de Oxford e publicado no início do mês de Maio. O estudo, escrito em co-autoria por vários economistas de renome, de que são exemplo o laureado com o Nobel Joseph Stiglitz e o famoso economista do clima Sir Nicholas Stern, catalogou mais de 700 políticas de estímulo e levou a cabo comparações com a crise financeira global de 2008. Mais de 230 especialistas, incluindo altos cargos dos ministérios das finanças e dos bancos centrais em 53 países, responderam ainda a um questionário sobre o potencial existente para benefícios climáticos e medidas de recuperação orçamental.

Como é também sublinhado – e tendo em conta que, até agora, a intervenção dos governos na crise das alterações climáticas ficou sempre aquém do desejado – a pandemia de Covid-19 demonstrou que estes são capazes de intervir de forma decisiva quando a escala de emergência é clara e o apoio público está presente. Ora, e no caso da pandemia provocada pelo novo coronavírus, foi essa mesma decisão interventiva que contribuiu para estabilizar as taxas de infecção, para evitar a ruptura dos sistemas de saúde e para salvar vidas. Assim, os autores do estudo comparam a emergência climática à emergência da Covid-19, com a diferença que a primeira acontece em câmara lenta e é muito mais grave. Ambas envolvem falhas nos mercados, externalidades, cooperação internacional, ciência complexa, questões de resiliência dos sistemas, liderança política e uma acção que depende também do apoio público. Ou seja, são também necessárias intervenções decisivas do Estado para estabilizar o clima, através de sistemas energéticos e industriais mais recentes, mais limpos e, em última análise, mais baratos.

Mas será essa acção possível? O apoio público à acção no domínio das alterações climáticas atingiu um pico significativo antes da pandemia, com a acção governamental e empresarial a ganhar igualmente ímpeto. A COVID-19 colocou, claramente, esta dinâmica em suspenso, nomeadamente ao adiar a conferência internacional sobre o clima (COP26) de 2020 para 2021. Contudo, ao se constatar que o antigo “normal” não era suficientemente bom, existem bons motivos para “construir um novo melhor”, mas tendo sempre em mente que os pacotes de estímulo orçamental que vigorarem nos próximos meses, e levantadas as medidas de confinamento, tenham o impacto o significativo desejável para se atingir os objectivos climáticos acordados a nível mundial.

O estudo em causa identifica assim as políticas de estímulo que poderão traduzir-se em multiplicadores económicos, de uma forma razoavelmente rápida, e mudar a trajectória das emissões para o zero líquido. Para os autores, estes pacotes de recuperação podem ou “matar dois coelhos de uma cajadada só” – se a economia global seguir o caminho das emissões de carbono zero – ou, e pelo contrário, trancar-nos no interior de um sistema de combustíveis fósseis do qual será quase impossível escapar.

Alinhar o crescimento económico com as zero emissões líquidas

A principal conclusão do estudo aponta para o facto da utilização de políticas de estímulo amigas do clima para “reiniciar” as economias na sequência da crise do coronavírus oferecer um mecanismo mais eficaz para fazer aumentar o emprego e o crescimento, comparativamente aos resgates incondicionais das indústrias de “elevado carbono”. Depois de analisar um conjunto de possíveis pacotes de recuperação da Covid-19, os economistas concluíram que existe um potencial significativo para um forte alinhamento entre o crescimento económico e o acelerar do caminho para as zero emissões líquidas caso os governos optem pelas várias ferramentas de estímulo verde que têm já ao seu dispor. Ou seja, o estudo defende que o investimento em infra-estruturas como as redes de energia limpa, os veículos eléctricos, a conectividade de banda larga, e a requalificação dos trabalhadores poderá traduzir-se numa retoma económica mais forte, ao mesmo tempo que ajudará a combater os riscos de longo prazo associados ao clima.

Durante a última crise económica mundial em 2008, as emissões diminuíram no imediato, mas os pacotes de estímulo não tiveram em conta as alterações climáticas e as emissões globais voltaram a aumentar rapidamente ao longo de grande parte da década de 2010, apesar do aumento do investimento em infra-estruturas de baixo teor de carbono.

Como já anteriormente mencionado, este estudo é pioneiro ao avaliar, de forma crítica, os benefícios da luta contra as alterações climáticas a par da recuperação económica, avaliando mais de 700 políticas de estímulo levadas a cabo pelos governos e os impactos resultantes desde 2008 e concluindo que as políticas de estímulo verdes tendem a ter um maior retorno do investimento, sendo de implementação mais rápida e beneficiando significativamente o ambiente.

Por exemplo, destaca projectos de energias renováveis, como o desenvolvimento de parques eólicos e solares, como estando entre as formas mais eficazes de recuperação económica, uma vez que a instalação de energia limpa é frequentemente intensiva em mão-de-obra, criando o dobro de postos de trabalho [por dólar americano] em comparação com os investimentos em combustíveis fósseis. As energias renováveis são também muito menos susceptíveis de deslocalizar os postos de trabalho e os benefícios económicos para outros sectores, em comparação com outras indústrias, argumenta o estudo.

Outras áreas políticas de estímulo que obtiveram bons resultados na análise efectuada incluem as despesas com a reabilitação da eficiência energética, a investigação e desenvolvimento “limpas” (I&D), captura e armazenamento de carbono (CAC), investimento em capital natural para a regeneração dos ecossistemas, investimento na educação e formação para combater o desemprego resultante da COVID-19 e a descarbonização. Entretanto, nos países em desenvolvimento, as despesas rurais com programas de agricultura sustentável também tiveram bons resultados.

Muitos governos nacionais do G20 já propuseram e/ou implementaram importantes medidas de resgate orçamental. Espera-se que estas medidas de emergência protejam os balanços, reduzam as falências e consigam dar resposta às preocupações imediatas com o bem-estar das populações durante os períodos de imobilização, nomeadamente através da redução da propagação do vírus e para fazer face aos custos adicionais dos cuidados de saúde. Em Abril de 2020, todos os países pertencentes ao G20 (incluindo a maioria dos Estados-membros da UE), tinham subscrito essas medidas, as quais totalizam mais de 7,3 triliões de dólares em despesas.

Das políticas de resgate e recuperação analisadas, os autores estimam que 4% das mesmas são “verdes” e com potencial para reduzir as emissões de GEE a longo prazo, 4% são “castanhas” e susceptíveis de aumentar as emissões líquidas de GEE para além do cenário base e 92% são “incolores”, o que significa que mantêm o status quo.

Globalmente, embora a COVID-19 tenha reduzido as emissões de GEE em 2020, o impacto global será determinado pelas escolhas de investimento. Adicionalmente, defendem os economistas responsáveis pelo estudo, os pacotes de recuperação iminentes, que em breve serão concebidos e implementados, irão reformular a economia para as decisões a longo prazo, representando decisões de vida ou morte sobre as gerações futuras, nomeadamente através do seu impacto sobre o clima.

Para os autores do estudo, vários factores são relevantes para a concepção dos pacotes de recuperação económica: o multiplicador económico de longo prazo, as contribuições para a base de activos produtivos e para a riqueza nacional, a rapidez de implementação, a acessibilidade, a simplicidade, o impacto na desigualdade e diversas considerações políticas. Qualquer pacote de medidas de recuperação tem por objectivo estabilizar as expectativas, restabelecer a confiança e canalizar o excedente desejado em poupança para investimentos produtivos.

Contudo, a manutenção do “business as usual” implica um aumento da temperatura superior a 3º C [estimam os autores], o que se traduz numa enorme incerteza futura, instabilidade e danos climáticos. Uma forma alternativa de restabelecer a confiança é orientar o investimento para uma carteira produtiva e equilibrada de investimentos em capital físico sustentável, capital humano, capital social, capital intangível e activos de capital natural, coerentes com os objectivos globais em matéria de alterações climáticas. Finalmente, é pouco provável que qualquer pacote de recuperação, incluindo os que são “amigos do clima”, seja implementado, a menos que tenha também em consideração as preocupações sociais e políticas existentes – tais como a redução da pobreza, a desigualdade e a inclusão social – que variam de país para país.

Os sinais positivos vindos da Europa

Combinando as respostas ao inquérito com a pesquisa, os autores do estudo destacam cinco tipos de políticas capazes de oferecer elevados multiplicadores económicos e um impacto climático positivo.

  • Investimentos em infra-estruturas físicas limpas sob a forma de activos de energias renováveis, armazenamento (incluindo hidrogénio), modernização da rede e tecnologia CAC [captura e armazenamento de carbono];
  • Investimentos em eficiência dos edifícios para renovações e reequipamentos, incluindo melhores sistemas de isolamento, aquecimento e armazenamento doméstico de energia;
  • Investimentos em educação e formação para fazer face ao desemprego imediato decorrente da COVID-19 e às mudanças estruturais decorrentes da descarbonização;
  • Investimentos em capital natural para a resiliência e regeneração dos ecossistemas, incluindo a recuperação de habitats ricos em carbono e uma agricultura respeitadora do clima, e,
  • Investimentos em Investigação & Desenvolvimento “limpos” [novas tecnologias, produtos ou práticas que melhoram a performance ambiental].

De acordo com os especialistas, as conclusões da investigação da Universidade de Oxford parecem oferecer as provas mais claras de que a aposta numa recuperação verde da crise consiste no melhor caminho para os governos numa perspectiva económica imediata, sem sequer ter em conta os enormes benefícios para a saúde pública, a resiliência climática e a estabilidade financeira, uma vez que os investidores procuram evitar activos irrecuperáveis em risco tendo em conta a transição para as zero emissões líquidas.

E, apesar de moroso, a proposta de um plano de recuperação da UE para fazer face à profunda recessão económica causada pela Covid-19 tem-se pautado também pela criação de um futuro sustentável. Ou seja, ao eleger a crise sanitária e as suas consequências económicas como a prioridade número um da União Europeia, o pacote de recuperação proposto pela Comissão Europeia visa relançar as economias tendo em conta uma abordagem não só social e digital, mas particularmente ecológica.

A 27 de Maio último, foi revelado aquele que já é considerado como o maior pacote de estímulo “verde” da história.”Trata-se de todos nós e é muito maior do que qualquer um de nós”, anunciou Ursula von der Leyen, a Presidente da Comissão Europeia, quando disse aos deputados ao Parlamento Europeu o que estava previsto. “Este é o momento da Europa”, afirmou.

A proposta da Comissão de um plano de estímulo económico no valor de 750 mil milhões de euros, a par da revisão da proposta do orçamento de longo prazo da UE para 2021-2027, surgem após os apelos do Parlamento Europeu à disponibilização de um pacote maciço de recuperação e reconstrução, com o Pacto Ecológico no seu centro e com vista a estimular a economia e o combate às alterações climáticas .A proposta, intitulada “Next Generation EU“, pretende mitigar o impacto da pandemia e viabilizar um futuro mais sustentável. Adicionalmente, a Comissão propôs ainda que 25% do orçamento da UE para 2021-2027 fosse utilizado para a acção climática.

De regresso ao estudo publicado pela Universidade de Oxford, e dado que a Covid-19 desencadeou grandes mudanças nos comportamentos individuais, nas práticas sociais, no papel dos governos e na economia e também nas relações entre os países, quais destas alterações terão consequências mais duradouras e quais as principais implicações climáticas?

Para os economistas responsáveis, com a reabertura das economias – e mesmo que em alguns casos se possa esperar um regresso à normalidade pré-crise – no geral, o comportamento irá mudar permanentemente. A título de exemplo, estima-se que até um terço da mão-de-obra mundial possa manter o trabalho remoto e, no que diz respeita a um dos sectores mais violentamente afectado – o da aviação – que as viagens de negócios sejam suprimidas na sua quase totalidade (pelo menos nos tempos mais próximos),com o número de voos e passageiros a regressar aos valores anteriores à crise a um ritmo preocupantemente lento.

O estudo sublinha também que as despesas de recuperação pós-crise oferecem uma oportunidade para incorporar comportamentos climáticos positivos, através do apoio ao teletrabalho, à conectividade em banda larga de alta velocidade e à eficiência energética residencial.

À laia de conclusão, o estudo defende que, à medida que se transitar da fase de resgate para a fase de recuperação, os decisores políticos terão a oportunidade de investir em activos produtivos a longo prazo, aproveitando já as mudanças de hábitos e comportamentos em curso. E, memo com o adiamento da COP 26 para 2021, é cada vez mais provável que os pacotes de recuperação sejam avaliados de acordo com o seu impacto climático e com as contribuições para o Acordo de Paris.

Uma vez que os governos analisam os destroços económicos deixados pela crise do coronavírus e ponderam os seus próximos passos para combater a pandemia e estimular um regresso tão rápido quanto possível à prosperidade relativa, os resultados deste extenso estudo oferecem provas claras de que a economia verde oferece o melhor caminho para sair da recessão. Os instrumentos económicos e o apoio público a esta acção estão a ser postos em prática. Resta saber se os governos cumprirão a sua parte.

Editora Executiva