A perspetiva de reconhecer um empresário como exemplo de um caminho de santidade é inédita e aproxima muito duas realidades que costumamos considerar como quase antagónicas, apesar de nada na sua essência o justificar
POR BRUNO BOBONE

Enrique Shaw foi um empresário argentino que viveu a sua experiência empresarial sempre trazendo os ensinamentos de Jesus Cristo no seu dia-a-dia.

Foi militar, foi empresário, foi preso, mas, em todas as fases da sua vida, nunca deixou de ter presente a preocupação de olhar o outro como pessoa, como destino essencial de todas as suas decisões.

A sua frase, “para juzgar a un obrero primero hay que amarlo”, é bem representativa da sua visão do mundo e, no seu caso, do mundo empresarial.

No final da semana passada, o Papa Francisco declarou a Venerabilidade de Enrique Shaw.

E o que é que torna tão importante esta declaração, num momento em que a Igreja Católica tem tido uma postura de tornar santos todos aqueles que, cumprindo os critérios essenciais a essa santificação, sejam exemplos de vida que possam ser seguidos por todos os crentes?

A perspetiva de reconhecer um empresário como exemplo de um caminho de santidade é inédita e aproxima muito duas realidades que costumamos considerar como quase antagónicas, apesar de nada na sua essência o justificar.

Toda a religião tem como projeto a salvação da humanidade. E, porque isso está sempre ligado à criação divina, a primeira obrigação de cada pessoa é adorar a Deus.

A forma de adorar a Deus no nosso dia-a-dia é apenas possível através das nossas ações e dos seus efeitos nos outros.

Por outro lado, a vida de empresário está normalmente associada a uma perspetiva de competitividade que leva a pensar que tudo se pode esquecer e que tudo se torna permitido para conseguir atingir o melhor resultado possível.

É por isso que esta declaração se torna tão relevante, porque aproxima a razão de ser empresário da razão de viver.

Porque uma vida como a de Enrique Shaw mostra que também o empresário pode ser exemplo de vida e amar aqueles que o rodeiam. Ou ainda mais, que é através da relação com aqueles que consigo trabalham que o empresário consegue atingir o seu melhor resultado.

O empresário é, na sua génese, um criador. Tem uma ideia, desenha um projeto e cria uma nova oportunidade de desenvolvimento. E cria emprego e novas oportunidades de vida para todos quantos com ele caminham.

Não há maior amor do que criar oportunidades aos outros. É fundamental que quem seja capaz de ter esta vocação tão nobre de empreender compreenda que o seu êxito está em conseguir que todos aqueles que com ele colaboram no empreendimento sejam parte da sua vida.

Mas este processo de santificação tem ainda o mérito de fazer ver aos que são responsáveis pela Igreja que sejam também capazes de melhor compreender a enorme função que tem e deve ter o empresário na construção de um mundo melhor, em que todos tenham lugar e em que todos se sintam incluídos.

Um mundo que podemos construir em conjunto, sem ter objetivos contrários, já que a criação de felicidade é promotora da motivação de fazer melhor e a vontade de incluir todos torna-nos mais próximos e mais resilientes perante as dificuldades.

É, por isso, muito importante que encontremos nesta declaração de Venerabilidade de Enrique Shaw a oportunidade de mudar a nossa forma de nos confrontarmos, dirigentes e empregados, responsáveis religiosos e responsáveis das empresas.

É o momento para mudar e deixar de combater para passarmos a colaborar entre todos.

Enrique Shaw quando estava a morrer precisou de transfusões de sangue e todos se admiraram de ver que todos os seus empregados estavam à porta do hospital para lhe dar o que ele precisava e ele dizia que tinha o orgulho de ter o sangue dos seus colaboradores nas suas veias.

Mais do que dizia Enrique Shaw, para julgar um operário e para julgar um empresário, é preciso primeiro amá-lo.

Nota: Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias. Republicado com permissão do autor.

Veja também: Enrique Shaw: God’s Businessman e o documentário Enrique Shaw: el apostol sonriente

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Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP)