A Transparency International publicou um relatório sobre a transparência das 124 maiores empresas cotadas do mundo, com base nos seus próprios reportings. Os resultados são pouco animadores e ficam muito aquém do que seria de esperar por parte destes gigantes empresariais que precisam de restaurar a confiança perdida depois do descalabro de 2008. O Reino Unido lidera a “nudez” e a China ganha o “Óscar” da opacidade
POR HELENA OLIVEIRA

Há pouco mais de uma década, o reconhecido e influente pensador da gestão Don Tapscott antevia, num livro intitulado “The Naked Corporation”, que a era da transparência iria revolucionar os negócios tal como os conhecemos. A sua tese baseava-se no facto de estarmos a entrar numa época em que as empresas já não se podiam “esconder “dos accionistas, clientes, colaboradores, parceiros e da própria sociedade, na medida em que tudo o que fizessem, bom ou mau, estaria sujeito a escrutínio público.

Onze anos passados sobre a publicação deste livro, que viria a ser um bestseller, é possível concordar com a visão de Tapscott, mas não completamente: as empresas estão, de forma crescente, mais “nuas”, mas a verdade é que continuam a esconder alguns esqueletos no armário. Prova disso mesmo é o relatório Transparency in Corporate Reporting publicado na passada quarta-feira pela Transparency International (TI), o qual analisou as 124 maiores empresas cotadas do mundo [a partir do ranking elaborado pela revista Forbes] no que respeita à divulgação de três tipos de informação: programas anti-corrupção, transparência organizacional e reporting “país a país”.

[pull_quote_left]Apenas 1 empresa – a Vodafone – obteve resultados superiores a 50% nas três categorias avaliadas[/pull_quote_left]

Estes gigantes empresariais, cujo valor de mercado combinado é superior a 14 triliões de dólares, um número impressionante que supera o PIB de muitos países, são avaliados com base nos seus próprios reportings e de acordo com critérios específicos: práticas desenvolvidas para evitar a corrupção, dados detalhados sobre as suas subsidiárias e holdings e informações financeiras respeitantes às suas operações no estrangeiro. De acordo com estes critérios, a TI revela que as empresas do Reino Unido são as que melhor performance oferecem e as chinesas as que pior “se comportam”.

Como afirma José Ugaz, presidente da Transparency International, “precisamos de mais transparência por parte das empresas multinacionais, cujo poder na economia mundial rivaliza, de muito perto, com o poder das próprias nações”. Ugaz afirmou também que “com maior poder, acrescem também mais responsabilidades”, ao mesmo tempo que alerta para o facto de o mau comportamento empresarial abrir portas à corrupção, a qual, por sua vez, causa pobreza e instabilidade. “Ao não responderem aos apelos das pessoas no que respeita a uma maior transparência e responsabilização, as empresas arriscam-se a prejudicar a sua marca [e reputação] e a perder consumidores”, acrescenta ainda, num discurso que nada tem de novo.

Tal como muitos dos mais recentes (e menos, também) escândalos empresariais têm demonstrado, os actos de corrupção são muitas vezes “apadrinhados” pela utilização de estruturas opacas e de jurisdições sigilosas, sendo que a utilização de empresas offshore e a sua ausência de transparência continuam a fazer aumentar os riscos nas empresas globais, nos seus accionistas, colaboradores e comunidades locais.

[pull_quote_right]7 das 10 melhores empresas avaliadas são europeias[/pull_quote_right]

O fraco impacto da legislação
O compromisso recente assumido por parte dos países do G8 e do G20 para levarem a cabo reformas explícitas que promovam o aumento da transparência e que evitem a “má utilização” de entidades legais não parece estar a surtir grandes resultados. Mas também é verdade que, desde 2008 – ano em que a TI se estreou na avaliação das práticas de transparência de algumas grandes empresas – tem existido algum movimento nos requisitos de transparência das empresas, tanto voluntário como obrigatório.

Mas não chega. Se considerarmos algumas legislações recentes – de que é exemplo a famosa, mas pouco eficaz, Lei Dodd-Frank para a Reforma de Wall Street, de 2010, ou a Lei de Defesa dos Consumidores (ambas “nascidas” depois da crise de 2008) – as quais exigem (?), entre um conjunto enorme de medidas específicas para vários sectores (banca incluída, em particular), um reporte país a país de todos os pagamentos feitos aos governos por parte de empresas extractivas registadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos, os resultados tardam a chegar. Apesar de promissora, a legislação nos Estados Unidos pouco impacto tem tido, na medida em que as regras aplicadas às empresas registadas na bolsa norte-americana não têm ainda efeitos imediatos devido a contendas legais, e a sucessivos adiamentos, o que, apesar de parecer um contra-senso, é mesmo uma realidade.

Também na Europa existem regras similares adoptadas recentemente para as empresas dos sectores do petróleo, gás, extracção mineira e exploração florestal. A passagem destas normas a leis vinculativas nos estados-membros da EU está prevista para 2015.

[pull_quote_left]8 das piores empresas avaliadas são asiáticas[/pull_quote_left]

Adicionalmente, a OCDE, mandatada pelo denominado Grupo dos 20, desenvolveu já uma norma para o reporting país a país, a qual deverá ser seguidas por empresas multinacionais de todos os sectores, e que, espera-se, venha a ser aprovada na próxima Cimeira do G20, que terá lugar nos próximos dias 15 e 16 de Novembro, e seguidamente aplicada nas legislações nacionais.

Também no sector financeiro se multiplicam os esforços, com novas exigências de reporting para as instituições de crédito e firmas de investimento, com vista à divulgação dos lucros alcançados, dos impostos pagos e dos subsídios recebidos por cada ano financeiro e localização geográfica específica.

Mas, e apesar destes progressos, a maioria das empresas continua a revelar muito pouco sobre os seus sistemas de gestão com vista a prevenirem e/ou detectarem actos de corrupção, como dá conta o relatório da Transparency International. Todavia, e se alguns avanços podem ser aplaudidos entre as empresas globais no que respeita à divulgação dos seus programas anti-corrupção, quando a história é sobre as suas holdings, o “livro” é muito pequeno. Seguir o rasto de compensações financeiras atribuídas aos governos, numa base país a país, continua a ser uma prática seguida por uma minoria das grandes empresas. O que, em suma, significa que a esmagadora maioria das maiores empresas cotadas continua a não estimular a transparência das suas actividades financeiras.

Apesar de nem todas as notícias serem más, na medida em que foram várias as empresas auscultadas pela Transparency International que registaram algumas melhorias em termos de qualidade e extensão das suas práticas anti-corrupção, bem como na forma como divulgaram essa informação publicamente, a verdade é que se o sector empresarial pretende, realmente, restaurar a confiança perdida depois da Grande Recessão de 2008, terá de se esforçar muito mais e fazer da integridade um ponto crucial da sua actividade.

[pull_quote_right]101 empresas estão abaixo do 5 numa escala de 1 a 10[/pull_quote_right]

O mau e o menos mau
Tolerância zero para actos de corrupção é o que reportam 121 das 124 multinacionais auscultadas pela TI, todas elas com códigos de conduta e políticas que, supostamente, não perdoam este tipo de práticas. Todavia, 68 das mesmas não divulgam os donativos políticos que fazem e apenas 56 afirmam proibir “pagamentos facilitadores” ou, por outras palavras, os subornos que permitem “olear” as engrenagens das complexas rodas do comércio. O relatório demonstra também o impacto de legislação mais apertada, com as empresas do Reino Unido a atingirem 90% em média e as chinesas as piores classificadas com apenas 20%.

No que respeita ao sector financeiro, cujas 31 instituições representadas no ranking perfazem um quarto das 124 maiores empresas cotadas do mundo, a sua performance está bem abaixo da média total dos três critérios avaliados no relatório. Em termos de programas anti-corrupção, a média atingida por estas firmas é de 58%, bem aquém da média total que se cifra nos 70%. Apenas metade das empresas financeiras (16) possui um canal de whistleblowing (de denúncia anónima de irregularidades) através do qual os empregados podem reportar suspeitas de quebras das políticas anti-corrupção e apenas 12 divulgam os seus donativos políticos. Tal como seria de esperar, não será de todo fácil, com esta opacidade contínua, recuperar a confiança perdida.

[pull_quote_left]90 empresas não revelam nenhuma informação sobre o pagamento de impostos no estrangeiro[/pull_quote_left]

Como é sabido, as multinacionais operam através de redes complexas de entidades, de que são exemplo as subsidiárias incorporadas em diferentes países e que, por isso mesmo, respondem a legislações diferentes. É também comum uma subsidiária estar registada num segundo país , mas operar num terceiro. E, sem transparência, muitas destas entidades podem, evidentemente, ser impossíveis de rastrear.

No que ao segundo critério de avaliação diz respeito – a transparência das estruturas organizacionais – apenas 23 das 124 empresas avaliadas conseguem classificar-se acima dos 50%. Particularmente preocupante é o facto de apenas uma mão cheia de empresas divulgar em que países operam as suas subsidiárias e holdings minoritárias. Mas, e em contraste absoluto, todas as empresas alemãs avaliadas divulgaram as listagens completas das suas subsidiárias, empresas associadas e joint-ventures, cumprindo normas regulatórias internas. Por outro lado, 11 das 44 multinacionais norte-americanas que constam do relatório divulgam também as listagens completas das suas subsidiárias, apesar de os requisitos regulamentares vigentes nos Estados Unidos não obrigarem a este tipo de divulgação.

[pull_quote_right]Zero empresas chinesas divulgaram dados financeiros nos 59 países estrangeiros em que operam[/pull_quote_right]

Dado que o público em geral gosta de saber qual o impacto das empresas multinacionais nos seus próprios países, as notícias em termos de legislação para este efeito são promissoras. Tal como já foi mencionado anteriormente, tanto os Estados Unidos como a União Europeia estão a criar um conjunto de normas globais de transparência, e obrigatórias, para as indústrias extractivas, que deverão ser implementadas brevemente. Resta saber se o mesmo tipo de regulamentações será extensível também aos demais sectores.

[pull_quote_left]65 empresas não divulgam os seus donativos políticos[/pull_quote_left]

Contudo, a nota média para as 124 empresas em causa no que a esta divulgação diz respeito não ultrapassou uns miseráveis seis por cento, uma subida demasiado ligeira face aos quatro por cento registados no relatório de 2012. Nenhuma empresa atingiu os 100% e mais de 50 não foram além do zero por cento (sim, leu bem, zero). As empresas de telecomunicações e as do sector do petróleo e do gás são as menos mal comportadas, com os serviços ao consumidor, financeiros, tecnológicos e de cuidados de saúde a ocuparem as piores posições no ranking em causa.

Para aceder aos dados do relatório na íntegra, clique aqui.

Editora Executiva