É estranho, mas é uma realidade para muitos: depois de sonharmos acordados durante o ano inteiro com as tão ansiadas férias, quando elas chegam verdadeiramente, desligar pode tornar-se num verdadeiro pesadelo. Este artigo é dedicado aos que se preocupam mais em carregar as baterias dos dispositivos tecnológicos do que as suas próprias baterias, aos workaholics que consideram que o descanso é roubar tempo ao trabalho e aos que, por falta de disponibilidade no corre-corre diário, não reflectem sobre a vida que os conduz versus a vida que gostariam de conduzir
POR
HELENA OLIVEIRA

O ano inteiro à espera das férias e dos longos dias em que o despertador não tem de tocar, não há emails para responder, prazos para cumprir, reuniões para preparar, ou, em suma, quando ansiamos esquecer a rotina e o stress que caracterizam pelo menos 11 meses das nossas vidas por ano.

Para a esmagadora maioria de nós – ou pelo menos, assim pensamos – as férias soam a liberdade, tempo sem ponteiros, prazer, banhos de mar, passeios sem pressa, fazer castelos na areia com os filhos ou a assistir ao pôr-do-sol com amigos. Mas e de forma crescente, e como o VER geralmente alerta nesta altura, a portabilidade da tecnologia integra também a portabilidade do trabalho que deveríamos ter deixado fechado na gaveta. Não para todos, é certo, mas para muitos e, pese embora exista quem não possa realmente desligar por completo, em muitos casos a culpa é toda nossa. Habituados que estamos às rotinas de todos os dias, quem nunca deu por si a acordar com um belo dia de praia pela frente e verificar de imediato o telemóvel, na ânsia de “algo” que tenha acontecido ou simplesmente porque tal já se tornou num gesto tão mecânico que é impensável não o repetir, mesmo quando a palavra de ordem seria “desligar”.

O site de alojamento para férias HomeAway encomendou um estudo pioneiro com um objectivo interessante: tentar descobrir o que torna umas férias memoráveis e que factores contribuem para que estas memórias se mantenham em nós”. Da responsabilidade do Professor Art Markman, reconhecido psicólogo, autor e consultor empresarial na área das ciências cognitivas, e de uma equipa de investigadores da Universidade do Texas, os cientistas em causa revelaram quais os factores que influenciam as memórias mais duradouras das férias, não tendo apenas em conta destinos de sonho, mas e por exemplo, os efeitos dos media sociais na memória, a utilização das tecnologias no geral e, também, os que não se conseguem desligar realmente da sua actividade profissional num período em que devíamos, mesmo, utilizar esse tempo para recarregar as nossas baterias e não as baterias dos nossos dispositivos tecnológicos.

E sendo tentador, para muitos, verificar o email ou até trabalhar um “bocadinho” nas férias, esses minutos ou horas “roubados” podem, e de acordo com o estudo mencionado, prejudicar muito mais do que se possa pensar. Por exemplo, e depois de entrevistado um universo de 713 adultos (sim, a amostra não é assim tão representativa) de seis países – Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Itália – um dos resultados do estudo conclui que trabalhar “apenas” uma hora por dia durante uma viagem de férias pode contribuir, em mais de 43%, para “esbater consideravelmente” as memórias dessas mesmas férias. É que como explica Art Markman à revista Fast Company, para que algo seja memorável são cruciais dois requisitos fundamentais: “o primeiro é o nível de envolvimento, a energia que se coloca em fazer qualquer coisa”. O segundo, acrescenta, é a distintividade ou singularidade, algo que sai da rotina habitual. “A razão devida à qual podemos não nos lembrar do que almoçámos ontem é porque almoço é almoço, algo que fazemos todos os dias”.

Assim, o estudo comprova que trabalhar nas férias, mesmo que apenas umas poucas horas, tem impacto em ambos os factores acima mencionados. Estar ocupado e não envolvido, neste caso “não desligado”, e não existir um elemento distintivo porque nos continuamos a preocupar com o trabalho, e a fazê-lo, como todos os demais dias dos anos, prejudica esse tempo que devia ser de qualidade

O que também é irónico, e que o responsável do estudo também frisa, é o facto de sonharmos acordados com as férias ao longo de todo o ano e quando elas chegam verdadeiramente, desligar poder tornar-se um verdadeiro pesadelo. E, de acordo com Markman, tal deve-se ao facto de nos definirmos pelo que fazemos e, como resultado, ser-nos difícil afastarmo-nos do nosso trabalho e da tendência, com a ajuda mais do que prestável da tecnologia, de o levar connosco para qualquer lado que vamos. Adicionalmente, acrescenta Markman, estamos também viciados com a ligação que mantemos ininterruptamente com o trabalho. O especialista recorda que se pensarmos na nossa rotina diária, o mais provável é estarmos formatados, mesmo em tempo de suposto descanso, para acordarmos, olharmos de imediato para o dispositivo móvel e verificar que mensagens chegaram durante a noite. O mesmo irá acontecer em vários momentos do dia, sem esquecer a espreitadela às redes sociais e quando “nos tentamos ir embora”, a verdade é que levamos a “nossa vida habitual” dentro do bolso ou da mala. “É difícil resistir à tentação de dar só uma olhada, ver o que aconteceu e não ser ‘sugado’ de novo para o mesmo ciclo”, assegura.

O estudo encomendado pela HomeAway, para além de algumas banalidades óbvias, refere que quem não se contenta com o telemóvel ou tablet, mas carrega também com o portátil, tem ainda maiores probabilidades de não se recordar dos bons momentos que teve durante o período de lazer. Os portáteis são, sem surpresa, a melhor forma de não nos afastarmos do trabalho – ele está mesmo lá dentro – e é muito mais fácil perdermo-nos em navegações inúteis e longas pela Internet, a falarmos com colegas de trabalho ou com os superiores hierárquicos e perdermos preciosos momentos de ócio por causa disso.

E também não é de surpreender que quem passa as férias a fotografar, gravar e a partilhar tudo o que faz, tem uma memória mais fidedigna da mesma. Todavia, alerta Mark, a obsessão que se vive em deixar tudo digitalmente documentado para os amigos verem e se roerem de inveja – ou seja, os que estão constantemente preocupados em tirar fotos, fazer vídeos para “mais tarde recordar” e de imediato partilhar, acabam, no final, por não se envolverem saudavelmente com aquilo que os rodeia – pois existe uma enorme diferença em tirar uma foto num momento especial ou num ambiente especificamente bonito ou pitoresco e fazer um “documentário” contínuo e indiscriminado de todos os momentos – e não retirarem o proveito e descanso necessários em período de férias.


Liberte-se do workaholic que existe dentro de si

Se todos nós, com quase toda a certeza, nos identificamos com algumas das situações acima referidas, o que dizer dos que realmente não conseguem viver sem o trabalho, sendo as férias maior motivo de stress do que de lazer e descanso efectivos?

A autora do livro Freeing Yourself from Anxiety: 4 Simple Steps to Overcome Worry and Create the Life You Want, a psicóloga Tamar Chansky, escreve habitualmente sobre a extrema dificuldade que as pessoas que são, realmente, viciadas em trabalho – ou que fazem dele o principal propósito ou razão de ser das suas vidas – têm para não só permitirem a si mesmas tirar uns dias de descanso, como e principalmente, conseguirem realmente tirar proveito e relaxar nesses períodos tão raros. O que, e na verdade, este tipo de pessoas pensa quando é “obrigada” a relaxar resume-se a um medo imenso de perder a sua própria identidade, controlo, em conjunto com uma enorme necessidade de estar sempre ocupado. E tão preocupada está em carregar as baterias dos inúmeros dispositivos tecnológicos que fazem parte da sua vida, que se esquece de recarregar as baterias interiores. Como escreve a autora, “no exterior mantém-se tão tecnologicamente ligado quanto o é em casa e, no interior, existe exactamente o mesmo ‘neurocircuito’ do trabalho: pressão, prazos e produtividade. E, no entretanto, os circuitos do prazer, aqueles que fazem espairecer ou até aqueles que poderiam ser estimulados para novas experiências, continuam cobertos de pó. Inutilizados”.

Para a psicóloga, o que estas pessoas sentem – e todos nós conhecemos algumas delas – é que o grande buraco negro da inactividade as irá engolir, numa espécie de inferno forçado e votado ao descanso.

Para os que são mesmo workaholics, florescer só tem significado quando em causa está a sua actividade profissional. É uma espécie de oxigénio que torna imperativo que se esteja demasiado ocupado. E, como acrescenta Tamar Chansky, as férias representam uma mera perda de tempo e de espaço. Assim, tal como qualquer outra actividade na vida que tenhamos relutância em experimentar, a autora e psicóloga sugere “passos de bebé” para se suplantar este temor. Começando primeiro por férias mais curtas e ir aumentando o período de tempo passado fora pode ser um caminho. E tal como quando começamos a fazer exercício os músculos doem, com a prática a dor vai passando e transforma-se em prazer.

Tamar Chansky dá ainda algumas dicas para aqueles que têm medo de se “perder” enquanto profissionais – ou, na verdade enquanto pessoas que colocam o trabalho acima de qualquer outra coisa – aconselhando-os a pensar menos no que têm de fazer na vida, mas sim o que têm de fazer com a vida. Com a sua vida.

Os conselhos de Chansky parecem ser – ou são – senso comum, mas talvez ajudem a ultrapassar esta “fobia do descanso”. Por exemplo, a criação de respostas automáticas de email ou, caso seja mesmo impossível não deixar de acompanhar o que vai caindo nas caixas de correio permanentemente abertas, estabelecer um número limitado de vezes para as consultar é já um bom princípio.

Uma outra sugestão da psicóloga, a qual afirma ser positiva para quem não coloca o descanso ou o laser nas suas listas de “to-do”, é fazer férias com amigos ou família, na medida em que é mais fácil o compromisso connosco mesmos quando não estamos sozinhos. Saber, de antemão, que vai existir um período de ajustamento – não sendo fácil lidar com o primeiro dia de inércia – também ajuda, mesmo que seja sabido que nesse primeiro dia ou dias a sensação de “não ter nada que fazer” parecer estranha e quase contranatura. Reposicionar o habitual empenho e produtividade numa “nova tarefa” ajuda igualmente, seja organizar sítios que se gostaria de visitar, novos sabores gastronómicos a experimentar, tentar um novo desporto ou simplesmente aprender a observar um pôr-do-sol sem considerar que tal seja uma heresia profissional.

Para além do que se deve fazer, tão ou mais importante é saber o que não se deve fazer.

Em primeiríssimo lugar, o workaholic NÃO se pode focar no número de horas que, supostamente, está a roubar ao seu trabalho. E, caso não saiba, as empresas da actualidade não procuram apenas competências “profissionais”, mas de vida também. Por isso, acrescentar ao currículo, nem que seja ao “interior”, a capacidade de saber desligar, procurar projectos extra-trabalho, conhecer novas culturas e dar valor aos pequenos grandes prazeres da nossa existência, é não só um excelente passo pessoal em frente, como ainda ajuda na enumeração das qualidades, como a empatia, a curiosidade ou a inovação, para empregador ver.

Não esperar resultados fantásticos instantâneos é outra das sugestões da psicóloga. Tal como escreve, “ceder” a um período de descanso é antecipar, na nossa mente, que essas férias terão de ser absolutamente perfeitas. Afinal, e dado o “esforço” que se está a fazer, a recompensa terá de ser mais do que gratificante. Algumas das expectativas elevadas poderão sair furadas e o melhor mesmo é concentrar-se no que de bom cada dia lhe oferece em vez de desejar à força que tudo corra às mil maravilhas.

Quanto ao trabalho, e se for mesmo obrigado a não o colocar totalmente de lado, não se “deixe levar” pelo hábito: agende períodos específicos para o cumprir, mas não os ultrapasse. O mesmo acontece com as tecnologias. Restrinja o seu uso e cometa a ousadia de manter o telemóvel desligado pelo menos durante algumas horas por dia.

O resultado: ampliar as suas novas experiências e reconhecer o bem-estar que, indubitavelmente, o descanso proporciona só irá ajudar a ter ideias inovadoras e a novas perspectivas. Para ajudar quando regressar ao trabalho.



O que pode perguntar a si mesmo sobre a vida enquanto está longe do trabalho

Muito provavelmente, e no corre-corre de todos os dias, não existe tempo de qualidade para pensar naquilo que não é, à partida, de “pensamento obrigatório”. Com tantos deveres diários, com tantas responsabilidades, ao que se soma o ritmo infernal que caracteriza a vida da maioria de nós, vamos adiando questões que nos podem estar a preocupar, mas para as quais não é possível arranjar tempo para pensar. As férias podem, também, constituir uma boa altura de reflexão sobre a vida que nos conduz versus a vida que desejaríamos conduzir. O professor Art Markman sugere, para os que dão a desculpa que não há tempo para pensar na vida, algumas questões fundamentais que poderá colocar a si mesmo enquanto escuta o mar, olha para o pico de uma montanha ou simplesmente quando sentir que está na hora de dedicar alguns momentos de qualidade ao que verdadeiramente interessa: a sua vida.

Para além do stress e das preocupações “normais”, sou feliz no que faço?

Claro que não existem dias perfeitos, nem trabalhos perfeitos. Stress, dificuldades, discussões fazem parte da vida profissional de todos nós e não é isso que nos faz desejar fugir e largar tudo. Mas e na verdade, sente-se realmente feliz com o que o faz levantar cedo da cama todos os dias? Agora que está de férias e consegue ter uma perspectiva de “fora para dentro”, consegue avaliar honestamente qual o nível de satisfação que o seu trabalho lhe confere no geral? Para além dos momentos de lazer que está a ter, e sabendo que o que é bom depressa acaba, sente-se deprimido por voltar para o trabalho ou, pelo contrário, entusiasmado com novos projectos que possa vir a ter e novas oportunidades que possam surgir?

Faça a habitual pergunta das entrevistas de emprego e responda a si mesmo: onde se vê daqui a cinco anos?

É a questão da praxe e são muitos os que sentem dificuldade em a responder, simplesmente porque a maioria de nós não faz ideia como o fazer. E continua a ser complicado, mesmo depois de termos a nossa vida profissional “arrumada” ou pelo menos “encaminhada”, nomeadamente porque no meio da lufa-lufa diária, dos objectivo que se vão alterando, das metas que nos vão impondo, da incerteza que nos vai rodeando, não arranjamos disponibilidade mental para pensar, realmente, onde queremos ou gostaríamos de estar a médio prazo. Todavia, a questão é tão ou mais importante numa fase em que não estamos a tentar arranjar o primeiro ou um novo emprego. Como assegura Markman, reflectir calmamente sobre a direcção que a nossa carreira está a tomar e se a mesma nos preenche ou não é crucial. E, para tentar ser o mais fiel consigo mesmo, a sugestão é começar por pensar nas competências que precisa ou gostaria de adquirir, ou aperfeiçoar, e que possam ajudar em potenciais novos rumos para a sua vida profissional. Ou, e como escreve, “não é possível antecipar o futuro, mas é possível pensar como um futurista”quando o tema é a progressão da nossa carreira.

O que é que está a faltar?

Trabalhar é óptimo, ou deveria ser, mas existe muita vida para além de um salário ao final do mês, mesmo que sejamos apaixonados pelo que fazemos. Geralmente, e antes de entrarmos nos deveres laborais, sempre fizemos outras coisas que nos deram prazer e que muitas vezes abandonamos exactamente pela falta de tempo ou pela energia sugada em horários longos, muitas vezes abusivos. Se tiver a coragem de olhar para trás, decerto que encontrará, e como Markman lhes chama, “as lápides” de instrumentos musicais cobertos de pó, memórias de algum desporto praticado, clubes de que fizemos parte ou aquele trabalho voluntário que, um dia, nos fez acreditar que faz bem ajudar os outros.

E se é muito reconfortante encontrar significado e propósito nas funções que desempenhamos, é importante não esquecer que “actividades paralelas” constituem, também, fontes poderosas de energia. Mais importante ainda, defende o psicólogo, estas podem representar importantes válvulas de escape capazes de nos oferecerem a tão necessária libertação emocional de que precisamos, em particular nas alturas em que mais pressionados nos sentimos profissionalmente. E as férias são uma boa altura para pensar em estratégias que nos permitam recuperar velhos hobbies ou actividades que já nos fizeram felizes.

Bom descanso.


Editora Executiva