Estando o empreendedorismo na ordem do dia, a Ashoka – comunidade mundial que reúne milhares de empreendedores sociais e que pode ser considerada como a maior organização global de investimento em ideias inovadoras – decidiu apostar na construção de uma cultura alargada de inovação social nos currículos académicos. Em entrevista, a directora executiva da Ashoka U, explica o que são e para que servem os novos Changemakers Campus
© Stanford Social innovation Review
Adaptado por HELENA OLIVEIRA

As universidades encontram-se envoltas em vários debates sobre a relevância da educação superior. Existe uma pressão declarada para se inovar e pensar “de forma empreendedora” no que respeita ao máximo de impacto possível e à adaptação necessária às muitas mudanças a que o ambiente dos estudos superiores está sujeito.

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No artigo que se segue, adaptado da revista Stanford Social Innovation Review, Josh Lange, professor de Ciências e Sociedade na University College London (UCL) entrevista Marina Kim, directora executiva da Ashoka U, sobre a construção de uma cultura alargada de inovação social nos currículos académicos. A mistura adequada de aprendizagem em sala de aula, com a experiência e com uma aprendizagem auto direccionada, em conjunto com a importância de uma abordagem interdisciplinar no ensino do empreendedorismo social foram alguns dos temas em destaque. O VER traduz o essencial da entrevista.

A declaração de visão da Ashoka sugere que é possível transformar toda a gente em agentes da mudança. E por que motivo é que todos deverão ser agentes da mudança?
A Ashoka começou com a missão de construir e globalizar o campo profissional do empreendedorismo social através da selecção e apoio de empreendedores sociais com trabalho reconhecido, os quais são designados como “Ashoka fellows”. E, desde o início, que a Ashoka tentou definir e cimentar o que significava ser um empreendedor social. Neste momento, chegámos ao ponto de viragem necessário no que respeita à consciencialização pública, ou seja, ao reconhecimento do empreendedorismo social enquanto conceito e identidade profissional.

Todos os empreendedores sociais estão, essencialmente, a alterar sistemas para criarem um novo equilíbrio no qual mais pessoas terão mais capacidades para participar na realização de mudanças sociais positivas. E a Ashoka percebeu que o próximo nível de impacto, para além do apoio a empreendedores sociais, será a criação de um mundo no qual “toda a gente pode ser um agente da mudança”.

Esta questão está relacionada com a minha própria transformação social. Quando era estudante universitária, encontrei no empreendedorismo social uma linguagem, uma estrutura e uma identidade que era mais fascinante e abrangente comparativamente à “Responsabilidade Social Corporativa” ou aos “negócios”. E, na altura, não tinha encontrado o meu lugar ou a combinação adequada de valores que determinassem o meu caminho de vida. A inovação social acabou por fazer sentido na medida em que consistia num híbrido atractivo de abordagens que estavam alinhadas com o que eu era, com o que desejava ser e com os valores que orientariam a minha vida.

O espaço académico é realmente importante na cronologia das pessoas, pois é lá que se formam as suas identidades, a sua tomada de decisões em torno da carreira futura, bem como as decisões académicas que terão implicações nas escolhas futuras das suas vidas. Assim, e para mim, expor o maior número de pessoas a estas novas oportunidades, novas identidades e novos valores ao longo do percurso académico é uma oportunidade para um impacto real nas gerações futuras de líderes.

Afirmou que os estudantes e a universidade são importantes para o desenvolvimento do empreendedorismo social. Mas por que motivo é o empreendedorismo social importante para os estudantes e para a universidade?
Eu diria que é tudo uma questão de timing ou aquilo que a Ashoka denomina como o “momento histórico” ou a “oportunidade histórica”. Pode soar a exagero, mas a verdade é que, neste momento, estamos a assistir a um acontecimento histórico na educação superior; um momento de crise, de mudança, mas também de oportunidade. E, de acordo com o nosso ponto de vista, a educação superior está a passar exactamente pelo mesmo tipo de mudanças que está a ocorrer em muitos outros sectores, desde as finanças, à publicação de livros ou aos media.

Os empreendedores sociais tendem a emergir quando o sistema assiste a uma quebra, quando precisa de uma actualização ou quando necessita de ser mais inclusivo ou relevante. Existe uma oportunidade para que os empreendedores sociais possam ter um papel significativo na educação superior e nós formámos uma designação para as universidades mais pioneiras denominada “Campus dos Agentes de Mudança”. Estes campus exigem uma agente de mudança empreendedor – ou um Ashoka fellow – que sabe como se deve inovar a partir do interior da universidade e que poderá activar uma equipa de mudança entre os professores, os estudantes e os administradores de níveis mais elevados. É muito importante escutar as vozes de todos ao longo da cadeia hierárquica e motivá-los para a construção de um ecossistema de programas, curriculares e extracurriculares.

Estes tipos de campus têm como objectivo serem mais do que simplesmente uma série de programas e iniciativas que promovam a inovação social. O impacto é igualmente proveniente da construção de uma cultura de mudança, de adaptabilidade e de resiliência como parte do processo de designação do Changemakers Campus: os stakeholders dos campus auto-identificam-se como empreendedores que estão a criar um novo legado universitário.

E não são só as instituições de elite dos Estados Unidos que o podem fazer. Pretendemos incluir tipos diversificados de instituições com demografias distintas. Neste momento estamos à procura de uma universidade tradicionalmente frequentada por estudantes negros, outra por mulheres, em conjunto com várias outras universidades espalhadas pelo país. Ou seja, estamos a tentar criar ferramentas, estruturas e modelos que funcionem para um conjunto alargado de pessoas e de instituições.

Um dos critérios do Changemakers Campus consiste num “mandato para construir o empreendedorismo social dentro de um âmbito interdisciplinar alargado”. Por que motivo é que a interdisciplinaridade é importante para uma educação que inclua a inovação social?
As universidades devem ser concebidas para irem ao encontro da realidade e dos problemas que grassam no mundo. Michael Crow, presidente de um dos Changemakers Campuses, na Arizona State University, reestruturou por completo a universidade a qual, em vez de ter a abordagem habitual com base em disciplinas, foi transformada em clusters de escolas multidisciplinares que se concentram em diversos tipo de temáticas do mundo real. No início, contou com alguma resistência, pois o mundo académico tradicional incentiva, na maioria dos casos, a especialização, mas quando olhamos para a forma como a IDEO e outras organizações empreendedoras estão estruturadas, o que vemos são equipas multidisciplinares.

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Enquanto estudante universitária, liderei, em Stanford, uma iniciativa chamada “Desafio para Empreendedores Sociais”. E os participantes sempre afirmaram que a melhor parte do desafio era trabalhar com estudantes de outras áreas, simplesmente porque nunca tinham estado expostos a essa realidade nas salas de aula. Para os estudantes, era aí que grande parte da verdadeira aprendizagem tinha lugar; aprendiam a trabalhar com conjuntos diferentes de competências e a optimizar esse impacto. As pessoas que preferem viver as suas vidas em silos não têm tendência para o empreendedorismo, sendo que também não são as pessoas com quem desejamos trabalhar.

Os critérios existentes para trabalhar com a Ashoka U não mencionam qualquer experiência prévia ou aprendizagem com base no trabalho tal como bolsas de estudo ou estágios. Que visão tem da importância deste tipo de aprendizagem relativamente ao ensino superior?
Quando se fala em educação superior, a aprendizagem com base na experiência é importante mas não suficiente. E, para ser honesta, não mencionamos a aprendizagem com base na experiência nos nossos critérios, pois é por aí que a maioria das universidades começa quando pensa em empreendedorismo social. O que estas universidades começam por fazer é uma incubadora, um concurso de planos de negócio ou um projecto de estágios de Verão. Mas esse tipo de programas não altera verdadeiramente a instituição.

Na Ashoka U, fomos especificamente mandatados para nos concentramos em estratégias que tenham potencial para alterar verdadeiramente o sistema da educação superior. E a não ser que se esteja a permear as prioridades e os valores académicos, não se está a alterar, fundamentalmente, a cultura.

É possível afirmar que existe algum valor educacional específico que tenha origem em trabalhar directamente com a “base da pirâmide” – ou seja, trabalhar no terreno com pessoas de países em desenvolvimento, por exemplo?
Claro que sim, apesar de existir algum perigo também. O problema tem sido o da escala, o do controlo de qualidade e o custo dos programas que trabalham a nível internacional. Tipicamente, são os estudantes mais ricos que se podem dar ao luxo de viajar, às suas custas, para esses países ou as universidades mais elitistas que podem arcar com as despesas inerentes ao desenvolvimento desse tipo de programas.

Apoio totalmente o aprender fazendo, e se é assim que os estudantes pretendem aprender, excelente. Comecei por ser uma aluna universitária interessada em desenvolvimento internacional, em empreendedorismo social e filantropia. A experiência e os projectos internacionais são “super-sexy”, mas é preciso ter em atenção o que é realmente eficaz e como aprender sem prejudicar.

Por outro lado e de forma crescente, tenho sentimentos dúbios no que respeita aos estágios internacionais. Especialmente aqueles que não têm uma formação prévia, uma reflexão ou uma programação estruturada. Tem de existir um verdadeiro processo de selecção por parte dos estudantes, um processo de veto por parte do estágio em causa e um processo de aprendizagem estruturado.

Tudo se resume ao facto de se assegurar que os estudantes conhecem as suas opções e que tenham acesso a oportunidades dentro das salas de aula, fora delas, internacionalmente, ou no que for. Existe um número crescente de organizações que funcionam como intermediárias como a Think Impact e a Global Citizen Year, apesar de os seus alvos serem pessoas de outras faixas etárias. Mas, e de forma crescente, existem várias organizações que fazem um excelente trabalho de controlo de qualidade, que obriga a custos elevados, na correspondência entre estudantes e estágios internacionais, com serviços que incluem aspectos legais, de vistos, de viagens e de alojamentos, serviços estes que exigem um tipo específico de especialização que os campus não estão de todo preparados para gerir internamente.

Acredita que os estudantes a e as universidades que se envolvem no empreendedorismo social têm tendência para serem mais “brilhantes”?
Eu reformularia a questão. Em vez de os denominar como brilhantes, preferia chamá-lo de autodireccionados. E então estaria 100% de acordo que “com base em valores” e “auto direccionados” descrevem duas das características das pessoas que gravitam em torno do empreendedorismo social. As pessoas que não são autodireccionadas preferem ter um emprego no interior de uma organização do que fazer algo que acarrete algum risco e uma maior autonomia. Mas as pessoas que procuram autonomia, que estão preparadas para o risco e que desejam criar impacto acabam por perceber que a inovação social e o empreendedorismo social oferecem a flexibilidade e a oportunidade que precisam para testarem e crescerem, e para fazer coisas alinhadas com as suas identidades e valores.

Para sumarizar, a Ashoka U é realmente uma forma de controlo de qualidade: a nossa função primordial é a de encontrar os melhores Changemaker Campuses e os líderes que poderão alterar a cultura universitária e estimular outros colaboradores a darem início à mudança no interior e exterior da sala de aula. E serão estes agentes da mudança que irão alterar o ADN das universidades.

A competência que tem de ser comum a todos reside numa determinada visão para o futuro e trabalhar na sua construção. E acrescento que um empreendedor é o tipo de pessoa que pode estar ao volante de um autocarro na viagem da mudança.

Artigo originalmente publicado na Stanford Social Innovation Review. Adaptado com permissão.

Helena Oliveira

Editora Executiva