Num ano que se prevê pouco luminoso, a ONU quer promover o acesso universal a energias sustentáveis. É que à eterna má distribuição de recursos (responsável pela vida precária de milhares de milhões de pessoas), soma-se hoje o consumo desenfreado dos países emergentes (com destaque, claro está, para a China), o que já levou a Agência Internacional de Energia a avisar que, para garantir energia para todos, o mundo terá de aumentar a sua produção em 30%, até 2030
POR GABRIELA COSTA

© DR

Aumentar o acesso à energia renovável nos quatro cantos do mundo é o desafio proposto pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que declarou 2012 Ano Internacional de Energia Sustentável para Todos.

Os objectivos traçados no âmbito desta proclamação – reforçar a consciencialização, a nível global, sobre a importância que assume hoje a eficiência energética para um desenvolvimento sustentável do planeta; e garantir um acesso sustentável e alargado aos recursos ligados ao sector da Energia – integram-se na iniciativa Sustainable Energy for All lançada por Ban Ki-moon, com o compromisso de procurar alcançar três grandes metas até o ano de 2030: assegurar um acesso universal a serviços modernos de energia; reduzir em 40% a intensidade energética global; e aumentar em 30% o uso de energias renováveis em todo o mundo.

Este movimento de universalização da energia sustentável liderado pelo secretário-geral da ONU está ser dinamizado com o apoio de vários Governos, empresas do sector privado e organizações do Terceiro Sector, estendendo a sua missão à sociedade civil, que pode participar com propostas de acção no site oficial do Sustainable Energy for All.

O aumento, para o dobro, dos níveis de eficiência energética e da taxa de incidência das renováveis no sector energético global são desafios inerentes ao Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, e que vão de encontro ao reconhecimento da importância do acesso à energia – quer para um desenvolvimento económico sustentável, quer para alcançar (ou para, pelo menos, nos aproximarmos) dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (OdM).

1,4 mil milhões às escuras
Em pleno século XXI, cerca de 1,4 mil milhões de pessoas não têm ainda acesso a electricidade ou a outras fontes de energia. Dados da Rede de Conhecimento ONU-Energia revelam também que mil milhões de pessoas têm apenas um acesso parcial (isto é, intermitente) e que três mil milhões dependem de recursos da “biomassa tradicional”, como o carvão, para actividades diárias como aquecimento e preparação de alimentos.

A precariedade da qualidade de vida destas populações devido à falta de fontes de energia é visível nas mais diversas áreas, desde a educação à saúde e ao ambiente, passando pelo segurança alimentar e por serviços de comunicação. Resta dizer o óbvio: a sua produtividade é também profundamente afectada. Vários especialistas defendem mesmo que a falta de acesso à energia limpa e barata impede o desenvolvimento socioeconómico e humano de comunidades inteiras.

Por outro lado, o consumo crescente de combustíveis fósseis como o petróleo, que, como se sabe, são responsáveis pela emissão dos gases que causam o efeito de estufa levou já a Agência Internacional de Energia a fazer um sério alerta: se o seu consumo se mantiver ao actual ritmo, até 2017 a temperatura do planeta pode aumentar até seis graus.

Face a este quadro pouco animador, e depois de se ter dedicado à importância das Florestas (proclamando 2011 como Ano Internacional da Floresta), a ONU elegeu 2012 como o Ano Internacional da Energia Sustentável Para Todos, no intuito de promover uma mudança efectiva desta realidade. Chamar a atenção da população, a nível mundial, para a importância da poupança energética – através de atitudes tão simples como não deixar equipamentos em stand by ou não abrir a porta do frigorífico senão quando estritamente necessário – é o apelo da organização, paralelamente ao desenvolvimento de energias alternativas.

Para tanto, os vários comités nacionais deste Ano vão dinamizar um calendário de acções, a nível nacional que, em conjunto com reuniões de Alto Nível destinadas a definir uma estratégia global para o secto (e que reúnem representantes governamentais, organizações intergovernamentais, sector privado e ONG), prometem dinamizar a temática ao longo do ano. Note-se que Portugal ainda não divulgou, no site oficial do Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos, quaisquer iniciativas, embora o arranque oficial do Ano só esteja agendado para meados de Janeiro, no âmbito do World Future Energy Summit, a decorrer em Abu Dhabai, entre os dias 16 e 18 deste mês (ver caixa).

Da China para o mundo
A procura global de energia não tem parado de crescer nos últimos anos, sobretudo nos países asiáticos (com destaque para a China que é, desde 2009, o maior consumidor de energia do mundo), que estão a alargar fortemente o seu consumo neste sector (a exemplo de tantos outros). Só em Xangai o mercado chinês duplicou, entre 2000 e 2008, a sua procura de energia. À euforia consumista dos chineses (do progresso industrial que gera mais e mais fábricas, às obras públicas que vêm modernizando as infra-estruturas do país, passando, claro está, pelo desejo ávido dos consumidores pela aquisição de equipamentos tecnológicos, carros e electrodomésticos), juntam-se a revolta no Oriente Médio, com a Primavera Árabe, e a crise nuclear no Japão.

A China é o ‘papão’ do consumo energético que faz levantar a questão: até quando haverá energia para todos? .
.

A China é, de resto, o ‘papão’ do consumo energético, que faz levantar a questão: até quando haverá energia para todos? As previsões apontam para um crescimento a este nível “voraz”, ou seja, ao ritmo dos últimos anos, nas próximas décadas, o qual é extensível a vários outros países emergentes da Ásia.

Estimativas da Agência Internacional de Energia sugerem que, até 2030, a fatia da Ásia no consumo de energia global será maior do que as da América do Norte e da Europa, em conjunto.

Mas só na Índia existem ainda hoje quatrocentos milhões de pessoas que vivem “às escuras”, por não terem acesso a serviços eléctricos ou a outras energias. Diz a Agência Internacional de Energia que para iluminar o continente asiático – e, em menor escala, o latino-americano e o africano -, o mundo terá de aumentar a produção de energia em trinta por cento, até 2030. O problema não é novo, mas “assumiu proporções dramáticas desde o início do ano”, devido aos preços do petróleo que dispararam na sequência das revoltas no Médio Oriente Médio e da crise nuclear no Japão, que reacendeu velhos receios.

Neste contexto, o desafio energético preocupa hoje não só os países emergentes mas também, e em particular, os países ricos, que terão de partilhar os seus recursos energéticos.

Americanos lideram consumo irresponsável
Petróleo, carvão e gás natural representam actualmente – e ainda – 81 por cento da oferta, estimando-se que diminuição da sua participação, nos próximos vinte anos, não caia abaixo dos 75 por cento da totalidade da oferta energética.

A dependência do petróleo (essencial, por exemplo, no sector dos transportes) gerou nos últimos dez anos uma corrente adepta da energia nuclear, que ocupa hoje cerca de 5,8 por cento da matriz energética. Contudo, depois do desastre em Fukusima, os especialistas em política energética global acreditam que se dará uma desaceleração do nuclear.

Finalmente, estima-se que as renováveis, hoje responsáveis por 12% da matriz mundial, atinjam uma fatia de 17% em 2030. Nos países emergentes, e pela primeira vez, em 2010 o volume total de energia eólica instalada superou o dos Estados Unidos e o da Europa juntos.

O gás natural é outra fonte promissora no cenário energético global dos próximos anos já que, entre os fósseis, é de longe o combustível mais limpo: emite cerca de cinquenta por cento menos CO2 do que o carvão e menos quarenta por cento do que o petróleo, o que o torna ideal para a transição progressiva para uma economia de baixo carbono.
Em matéria de consumo, é certo e sabido que os países emergentes em geral, com especial destaque para os asiáticos, serão os grandes responsáveis pela propulsão do mercado. O progresso económico gera sempre um aumento do consumo energético, garantem os peritos na matéria.

Mas hoje, em média, um americano consome cinco vezes mais do que um latino-americano, seis vezes mais do que um asiático e dez vezes mais do que um africano. E embora entre 1990 e 2008, o PIB da China tenha crescido a taxas médias anuais de dez por cento – o que permitiu retirar milhares de pessoas da pobreza mas também provocou, por exemplo, um crescimento enorme da frota de veículos automóveis, que duplicou nos últimos três anos, atingindo os 40 milhões de viaturas. A perspectiva é que o ritmo das vendas se mantenha galopante. Não obstante, o panorama não se assemelha aos dos EUA, onde existem setecentos carros, em média, por cada mil habitantes (contra os 30 existentes na China).

Actualmente, o continente asiático já responde por trinta por cento do consumo mundial de energia. Até 2030, a fatia deverá subir para os 38 por cento. Mas os americanos são quem continua a persistir em consumos irresponsáveis a nível ambiental, nomeadamente no que concerne a energia: em média, um europeu gasta metade da energia consumida por um americano, embora tenha acesso ao mesmo conforto material. As diferenças urbanísticas entre a Europa e os Estados Unidos são apontadas como o principal factor para esta falta de eficiência, já que, ao contrário da Europa, onde as grandes cidades têm uma boa ocupação nas zonas centrais e uma boa rede de transportes públicos, nos EUA a classe média reside maioritariamente nos subúrbios e desloca-se preferencialmente de carro.

Os dias ‘D’ do Ano Internacional de Energia Sustentável
© DR

. 16 a 18 de Janeiro:
Abertura oficial do Ano Internacional de Energia Sustentável para Todos @ World Future Energy Summit – Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos)

. 1 de Fevereiro:
Lançamento regional do Ano Internacional de Energia Sustentável para Todos na Ásia @ Nova Deli (Índia)

. 19 de Fevereiro:
Lançamento regional do Ano Internacional de Energia Sustentável para Todos em África @ Nairobi (Quénia)

. Março (data a confirmar):
Lançamento regional do Ano Internacional de Energia Sustentável para Todos nas Américas @ Barbados

. 4 a 6 de Junho:
RIO+20 – Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável @ Rio de Janeiro (Brasil)

. Dezembro (data a confirmar):
Cerimónia de Encerramento do Ano Internacional de Energia Sustentável para Todos